Salmo 118 — Análise Bíblica
Salmo 118: Celebração no templo
Esse é o último salmo Hallel (salmos 113-118), o conjunto de salmos entoados anualmente na Páscoa para celebrar o livramento de Israel do Egito. Adquire significado especial pelo fato de provavelmente ter sido o último salmo que Jesus cantou com seus discípulos antes de sair para o Getsêmani. Enquanto cantava, ele deve ter lembrado vários acontecimentos das semanas tumultuadas que antecederam a Páscoa, vislumbrando o sofrimento que estava por vir e fortalecendo sua fé com a declaração: “Não morrerei; antes, viverei e contarei as obras do Senhor ” (118:17). Vozes diferentes se erguem ao longo do salmo. Ouvimos os sacerdotes, o povo e um indivíduo, e observamos como seus cânticos se entretecem. Sua interação nos faz lembrar os coros que cantaram “quando os edificadores lançaram os alicerces do templo do Senhor” , conforme a descrição de Esdras 3:10-11.118:1-18 Perto do templo
O salmo começa com a voz de um ou mais indivíduos que dirigem o culto e falam a uma procissão que se aproxima do templo: Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre (118:1). Grupos distintos são chamados para participar do coro. Primeiro, o salmista convida todos os israelitas a dizer: A sua misericórdia dura para sempre (118:2). Em seguida, ouvimos as vozes dos sacerdotes proclamarem a mesma mensagem (118:3) e, por fim, as vozes de todos os presentes que temem ao Senhor (118:4). Todos proclamam a realidade da bondade de Deus. O burburinho se aquieta, e ouvimos uma única voz: Em meio à tribulação, invoquei o Senhor, e o Senhor me ouviu e me deu folga (118:5). Não apenas a nação, mas também indivíduos dentro de Israel, louvam a bondade de Deus. É possível que o locutor também represente os filhos de Israel e os lembre das aflições vividas no Egito e que os levaram a clamar ao Senhor (Êx 3:7). O Senhor os livrou e permitiu que vissem seu triunfo sobre os inimigos (nos que me odeiam), conforme o povo desejava (118:7; cf. Êx 14:30-31). Nessa ocasião, Israel descobriu, de fato, que o Senhor oferece mais proteção que qualquer governante humano (118:8-9). A identidade do locutor fica clara quando ele diz que todas as nações o cercaram e o atacaram como abelhas (118:10-12c). A hostilidade internacional sugere que ele é o rei ou representante do rei. Sua descrição mostra o vaivém da batalha. Num momento o rei está destruindo seus inimigos, cuja hostilidade se inflama como espinhos queimando, mas acaba assim que o fogo se apaga (118:126). Ele luta contra os adversários em nome do Senhor. No momento seguinte, porém, o rei cambaleia sob as investidas do inimigo e é obrigado a recuar para não cair diante deles (118:13). Não pode continuar a combater apenas “em nome do Senhor”; agora, precisa desesperadamente de uma intervenção direta de Deus a fim de obter a vitória (118:13). E, quando recebe ajuda, apropria-se das palavras do cântico que Moisés entoou depois da vitória sobre os egípcios: O Senhor é a minha força e o meu cântico, porque ele me salvou (118:14; cf. Êx 15:2). O povo o acompanha nesse cântico de vitória, e ouvimos ecoar a voz de júbilo na repetição das palavras: A destra do Senhor faz proezas (118:15-16). Talvez não soframos ataques das “nações” quando somos nomeados para cargos de liderança, mas, com frequência, nos deparamos com indivíduos hostis quando somos promovidos ou elogiados por outros. Quando surgem esses ataques, não devemos temer, mas confiar no Deus que nos pode socorrer. Aqueles que são verdadeiramente justos se regozijarão quando Deus nos livrar e nos acompanharão nos louvores ao seu nome. O orador reconhece agora que parte de seu sofrimento se deveu à disciplina do Senhor. Ele não revela o pecado específico que o Senhor tratou, mas enfatiza que a súplica por socorro e perdão foi atendida. Sua vida foi poupada, e ele agora louva a Deus (118:17-18). Vale a pena observar a confiança desse homem em Deus. Declara duas vezes: O Senhor está comigo (118:6,7a); confessa duas vezes como é melhor buscar refúgio no Senhor (118:8,9); diz três vezes que destruiu seus inimigos em nome do Senhor (118:10-12); e reitera três vezes o poder da destra do Senhor (118:15-16).
118:19-29 Às portas do templo
A grande procissão que se iniciou com uma lembrança do êxodo do Egito se aproxima agora do monte Sião e das portas do templo, chamadas aqui deportas da justiça (118:19). O rei pede para ser recebido no templo a fim de poder agradecer ao Senhor. O sacerdote abre a porta para ele e lembra-o: Esta é a porta do Senhor; por ela entrarão os justos (118:20). A procissão entra no templo com um coro de ação de graças: Render-te-ei graças, porque me acudiste e foste minha salvação (118:21). Em outros tempos, a nação havia sido rejeitada como se fosse uma pedra inútil (118:22), mas Deus lhe tinha dado uma função extremamente importante no edifício (118:23). Era de fato uma ocasião apropriada para se regozijar no Senhor (118:24). O povo pede que Deus continue a abençoá-lo (118:25). Seu clamor: “Salva-nos” é o mesmo termo traduzido por “Hosana” em Marcos 11:9. Graças às bênçãos de Deus, um clamor por socorro se transformou num brado de louvor. Ao que parece, enquanto entram pelas portas, os adoradores são saudados e abençoados por sacerdotes, pois vêm em nome do Senhor (118:26). Os sacerdotes reconhecem as bênçãos que Deus concedeu à nação em palavras que lembram seus ouvintes da antiga bênção sacerdotal em Números 6:24-26: “O Senhor faça resplandecer o rosto sobre ti” (118:27a). Os fiéis, que levam nas mãos ramos (galhos com folhas) de árvores ou arbustos, são convidados a participar da procissão festiva até o altar (118:270), onde o povo proclama sua fé em Deus (118:28-29). A descrição dessa cena, com seus brados de “Hosana” e a multidão festiva que acompanha o rei e agita ramos enquanto se dirige para o templo, lembra aos cristãos, inevitavelmente, a procissão com ramos que acompanhou Jesus na entrada em Jerusalém (Mt 21:1-11; Mc 11:1-11, Lc 19:29-40; Jo 12:12-16). O povo que saudou Jesus tinha este salmo em mente, pois seu clamor: “Bendito o que vem em nome do Senhor”, repete as palavras de 118:26. Os líderes e a nação como um todo, porém, se recusaram a honrar Jesus com esse título (Mt 23:39). Alguns dias depois, Jesus mencionou a ligação entre sua entrada em Jerusalém e esse salmo ao citar 118:22 para lembrar seus oponentes: “A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular” (Mt 21:42; Mc 12:10; Lc 20:17). Suas palavras calaram no coração dos discípulos, pois eles citam a passagem novamente no sermão em Atos 4:11 e lPedro-2:7. Essa imagem também está por trás da referência de Paulo a Jesus como “pedra angular” (Ef 2:19-20). Como cristãos, devemos apresentar-nos ao Senhor com as mesmas atitudes retratadas nesse salmo. Devemos ter consciência das bênçãos que ele nos concedeu no passado, de quanto somos indignos de recebê-las e de como precisamos confiar em Deus. Não temos uma crença morta, mas uma fé viva a ser proclamada e celebrada a fim de glorificar e engrandecer ao Senhor.