Significado de Lucas 3
Lucas 3
Lucas 3 começa com a introdução de João Batista, que é retratado como um profeta que prepara o caminho para Jesus. Ele prega o arrependimento e o batismo, declarando que a vinda do Senhor é iminente. João adverte contra a hipocrisia dos líderes religiosos e encoraja seus ouvintes a produzirem fruto de arrependimento. Ele também os lembra que ele não é o Messias, mas aquele que prepara o caminho para Ele.
O capítulo também fornece uma genealogia de Jesus, traçando sua linhagem até Adão. Isso destaca a humanidade de Jesus e o conecta à história do povo de Deus, mostrando como ele é o cumprimento das profecias do Antigo Testamento. A genealogia ressalta as qualificações de Jesus como o Messias prometido, que trará a salvação a todos os que Nele crerem.
Além da introdução de João Batista e da genealogia de Jesus, Lucas 3 também inclui um relato do batismo de Jesus. O Espírito Santo desce sobre Ele como uma pomba, e uma voz do céu declara: “Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo.” Este evento marca o início do ministério público de Jesus e estabelece ainda mais Sua identidade como o Filho de Deus.
No geral, Lucas 3 destaca a importância do papel de João Batista na preparação do caminho para Jesus e enfatiza a importância do arrependimento e da produção de frutos na vida dos crentes. A genealogia ressalta a humanidade de Jesus e o conecta à história do povo de Deus, enquanto seu batismo marca o início de seu ministério público e estabelece ainda mais sua identidade como o Filho de Deus.
I. Intertextualidade com o Antigo e Novo Testamento
Lucas 3 reabre a história de Israel “no deserto”, lugar de êxodo, provação e reinício, e faz desse cenário o palco onde as promessas do Antigo Testamento se alinham com o evangelho e com a missão que atravessará o Novo Testamento. A moldura histórica (“no décimo quinto ano do reinado de Tibério César...”, com a menção de Herodes, Pilatos e dos sumos sacerdotes) situa a palavra profética não fora, mas dentro da história concreta, à semelhança de Isaías e Jeremias (Isaías 1:1; Jeremias 1:1–3), e prepara a tensão entre os reinos deste mundo e o Reino de Deus que continuará em Atos (Atos 4:25–28).
O coração teológico do capítulo é a identificação de João como a “voz do que clama no deserto” de Isaías 40:3–5, agora citada para interpretar o seu chamado: “Preparai o caminho do Senhor... e toda carne verá a salvação de Deus” (Lucas 3:4–6; Isaías 40:3–5). A primeira metade remete ao novo êxodo — nivelar vales e endireitar veredas é linguagem de retorno do exílio (Isaías 40–55) —, enquanto a segunda (“toda carne”) já anuncia a universalidade que definirá o projeto lucano: o evangelho não ficará circunscrito a Israel, mas alcançará as nações (Atos 1:8; 13:47 com Isaías 49:6; Isaías 28:28). O cenário do Jordão reforça esse símbolo de reinício: foi ali que Israel entrou na terra (Josué 3–4), e é ali que um Israel renovado é convocado ao arrependimento para “remissão de pecados” (Lucas 3:3), antecipando a fórmula querigmática de Atos (“arrependam-se para remissão dos pecados”, Atos 2:38; 10:43).
A pregação de João costura o fio profético de denúncia e misericórdia. O vocativo duro — “raça de víboras” (Lucas 3:7) — ecoa a crítica de Isaías à iniquidade que gera “ovos de víbora” (Isaías 59:5) e reaparece na boca de Jesus contra a hipocrisia religiosa (Mateus 12:34; Mateus 23:33). O chamado a “frutos dignos de arrependimento” (Lucas 3:8) encontra paralelo direto em Isaías 1:16–17 (“lavai-vos... cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem”) e em Miqueias 6:8 (praticar a justiça, amar a misericórdia), e é especificado por Lucas numa ética concreta: compartilhar túnicas e pão (Lucas 3:11; Isaías 58:7), não extorquir (Lucas 3:13; Provérbios 28:8), contentar-se com os soldos (Lucas 3:14; Êxodo 23:8). Ao advertir que Deus pode “das pedras suscitar filhos a Abraão” (Lucas 3:8), João mina a confiança em privilégios étnicos (cf. Jeremias 7:4) e antecipa a releitura apostólica da descendência abraâmica como realidade de fé obediente (Romanos 4:11–18; Gálatas 3:7–9). As imagens de juízo — “o machado está posto à raiz das árvores” (Lucas 3:9), “a pá está na sua mão... queimará a palha em fogo inextinguível” (Lucas 3:17) — recolhem a derrubada da soberba de Israel (Isaías 10:33–34), o contraste do justo e do ímpio como “palha” (Salmos 1:4) e o fogo final de Malaquias 4:1 e Isaías 66:24, compondo a urgência escatológica que atravessará a pregação de Jesus (Lucas 13:6–9) e a linguagem do juízo em 2 Tessalonicenses 1:7–10.
Quando o povo cogita se João seria o Cristo (Lucas 3:15), ele se autodefine como o arauto do “Mais Forte” (cf. Salmos 24:8), indigno de desatar-lhe as sandálias, e contrapõe batismos: “eu vos batizo com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Lucas 3:16). Aqui convergem Isaías 44:3 (“derramarei o meu Espírito”), Ezequiel 36:25–27 (água que purifica + Espírito que renova), Joel 2:28–29 (o Espírito sobre toda carne) e Malaquias 3:2–3 (o fogo purificador), conjunto que se cumpre no Pentecostes — “línguas como de fogo” e o derramamento do Espírito (Atos 2:1–4, 16–21) — e que molda a soteriologia do Novo Testamento: a nova aliança é lavra do Espírito, não mero rito de água (Tito 3:5–6; 1 Coríntios 12:13).
O batismo de Jesus, narrado com sobriedade, é o ápice teofânico que inaugura seu ministério: “o céu se abriu, o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como pomba, e do céu veio uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo’” (Lucas 3:21–22). O céu que se rasga evoca Ezequiel 1:1 e a súplica de Isaías 64:1; a pomba remete à nova criação após o dilúvio (Gênesis 8:8–12) e, mais profundamente, ao Espírito que “pairava sobre as águas” no princípio (Gênesis 1:2), sinalizando que, em Jesus, Deus inicia uma criação renovada (2 Coríntios 5:17). A voz do Pai costura dois textos-chave: Salmos 2:7 (“Tu és meu Filho”) e Isaías 42:1 (“em quem a minha alma se compraz”), unindo o Rei messiânico e o Servo sofredor num único perfil cristológico que dominará o evangelho (Lucas 22:37 com Isaías 53) e o querigma apostólico (Atos 13:33 com Salmos 2:7). Desse modo, a identidade filial de Jesus se torna pública e pneumatologicamente autenticada, preparando tanto seus atos no poder do Espírito (Lucas 4:1, 14, 18) quanto a descida do mesmo Espírito sobre a igreja (Atos 1:8; 2:4).
A genealogia (Lucas 3:23–38), traçada retroativamente até “Adão, filho de Deus”, opera três movimentos intertextuais decisivos. Primeiro, reafirma a promessa davídica ao passar por Davi (2 Samuel 7:12–16; Salmos 89:3–4), sustentando a confissão cristã de Jesus como herdeiro messiânico (Romanos 1:3). Segundo, estende-se além de Abraão até Adão, universalizando a narrativa: se Mateus sublinha a vocação abraâmica e davídica para Israel, Lucas enfatiza que o Messias é de toda a humanidade (Gênesis 12:3; Lucas 2:32; Atos 10:34–35). Terceiro, ao culminar em “Adão, filho de Deus”, a árvore genealógica prepara a teologia adâmica do Novo Testamento: Jesus como o “último Adão” que inaugura a nova humanidade (1 Coríntios 15:45–49) e como o “um” por quem a obediência reverte a queda do primeiro (Romanos 5:12–19). Assim, a genealogia não é apêndice, mas hermenêutica: relê Gênesis à luz de Cristo e dá o arcabouço para a salvação que alcança judeus e gentios (Efésios 2:11–18).
Até a nota sobre a prisão de João por Herodes (Lucas 3:19–20) é teologicamente carregada: o profeta que confronta o poder por causa da aliança está no trilho de Elias diante de Acabe (1 Reis 18–21) e prenuncia a sorte do Filho e de seus testemunhos (Lucas 9:22; Atos 12:1–3). O caminho do Reino passa pelo conflito com poderes que resistem à justiça de Deus, tema recorrente em Lucas–Atos.
Lucas 3 funciona como um portal entre as promessas e o ministério de Jesus: Isaías 40 proclama o novo êxodo; Joel 2, Isaías 44 e Ezequiel 36 anunciam o batismo escatológico no Espírito que irrompe em Atos; Salmos 2 e Isaías 42 configuram o Filho-Servo no batismo; Salmos 1, Isaías 10 e Malaquias 4 dão a gramática do juízo; Gênesis 1–3 e 5 são relidos pela genealogia que culmina em Adão; e Romanos 5 e 1 Coríntios 15 interpretam teologicamente esse arco, contrapondo o primeiro e o último Adão. A partir daqui, o evangelho lucano seguirá mostrando como a palavra que começou no deserto atravessa sinagogas, cidades e impérios, até que “toda carne” ouça e veja a salvação de Deus (Lucas 3:6; Atos 28:28).
II. Comentário de Lucas 3
Lucas 3.1 Tibério César começou seu reinado após a morte de seu padrasto, Augusto, em 14 d.C. A Judeia era uma província senatorial, administrada por um governador ou um procurador. Pôncio Pilatos ocupava tal posição e era responsável por gerir a região e cobrar impostos para Roma. Herodes aqui é o Herodes Antipas, que governou a Galileia e a Pereia de 4 a.C. a 39 d.C. O irmão de Herodes, Arquelau, teve o controle da Judeia e de Samaria até 6 d.C., quando foi banido. O outro irmão de Herodes, Filipe, controlou a área da parte norte, a leste do rio Jordão.
Lucas 3.2 Anás, o sumo sacerdote (7— 14 d.C.), foi sucedido em seu ofício por Caifás, seu genro, por volta de 18 d.C. A partir de então, Caifás serviu com pequenas interrupções até 37 d.C. Além de Caifás, todos os cinco filhos de Anás exerceram o sumo sacerdócio em um determinado ponto. E bastante claro que Anás conservou a influência bem como o título de seu ofício anterior.
Os vários governantes que Lucas lista mostram a complexidade da situação política e histórica de Israel durante a época de Jesus. Um israelita do primeiro século tinha de lidar com os decretos do imperador romano, com as regulamentações do governo sobre o povo, e com os julgamentos e os líderes religiosos de Israel. A data estipulada destes acontecimentos relativos a João Batista, considerando o ano 33 d.C. da crucificação e a data base de chegada de Tibério ao poder total, é 29 d.C. (Lc 23.12).
Lucas 3.3 Batismo significa ser identificado com. De forma figurada, podemos dizer que acontece uma coisa similar quando um pano cru é identificado (tingido) com a cor do corante ao ser mergulhado em um recipiente cheio deste líquido. A medida que João Batista pregava e identificava o povo com a sua mensagem, este era batizado como um sinal externo de seu arrependimento interior e de mudança de mentalidade.
Lucas 3.4-6 Preparai o caminho do Senhor. Esta citação de Isaías 40.3-5 declara a vinda da libertação de Deus. Lucas cita o texto de forma mais profunda que Mateus e Marcos. Ele estende a passagem até a menção de que a salvação será vista por toda carne (v. 6), enfatizando assim que o evangelho é para todas as pessoas. A preparação para a chegada de um rei significava tipicamente que a estrada era preparada para uma jornada específica. A isso é que Isaías compara à chegada da salvação de Deus, após o cativeiro babilônico e na obra final de redenção. Isaías 40 introduz a totalidade do trecho bíblico que abrange os capítulos 40 a 66 de Isaías, onde discute ambos os acontecimentos (Is 49.8-11; 52.11,12; 62.6-10, especialmente Is 57.14-17). Um acontecimento ilustra, em um grau menor, o outro evento maior, visto que Deus trabalha com padrões. Os escritores do Evangelho comparam João àquele que anuncia o tempo certo para a preparação de tal chegada. A preparação aludida aqui é espiritual, a prontidão de coração, como sua pregação mostra.
Lucas 3.7 A medida que as multidões agrupavam-se para ouvir João Batista, muitas pessoas passavam pelos rituais exteriores do batismo, mas suas ações não representavam mudança de atitude interior. Elas não estavam verdadeiramente interessadas no tipo de rei e de reinado que João estava apresentando.
Lucas 3.8, 9 João Batista avisou que os frutos do arrependimento eram necessários, não a afirmação de uma descendência de Abraão. A ligação genealógica não mudaria a atitude de alguém diante de Deus.
Lucas 3.10-14 Mestre, o que devemos fazer? Em resposta a esta pergunta das pessoas, João mostrou que uma mudança genuína de pensamento e comportamento, valorizando relacionamentos éticos e morais de umas com as outras, expressaria o real sentido do arrependimento e mudaria a ação da multidão, dos publicanos e dos soldados. O arrependimento era estipulado a fim de haver doação para os necessitados, de fugir da ganância e desonestidade, de alcançar a integridade no desempenho do trabalho, de conseguir a contenção do abuso do poder e de obter a satisfação com o salário básico.
Lucas 3.11 Uma túnica era usada por baixo, e a outra era uma vestimenta externa. Um indivíduo não precisava de duas quando outra pessoa não possuía nenhuma.
Lucas 3.12-14 Os publicanos eram agentes judeus empregados por aqueles que adquiriram o direito de coletarem impostos para o estado romano. Os coletores de impostos frequentemente cobravam a mais para cobrir suas despesas pessoais e aumentar o seu rendimento. Eles eram malvistos tanto por suas práticas abusivas como por apoiarem o estado dominante.
Lucas 3.15-17 Aquele que é mais poderoso do que eu. Esta é a primeira menção direta a Jesus feita por João Batista. O batismo deste precursor do Messias era algo menor se comparado ao que estava por vir de Jesus, Aquele que traria o batismo com Espírito Santo e com fogo (Mt 3.11). Estas duas facetas da obra de Cristo relacionam-se com Sua primeira e segunda vindas.
A referência ao batismo com o Espírito Santo é feita sete vezes no Novo Testamento — quatro vezes nos Evangelhos (Mt 3.11; Mc 1.8; Jo 1.33), duas vezes em Atos (At 1.5; 11.16) e uma nas Epístolas (1 Co 12.13). Como consequência da obra de Cristo em Sua primeira vinda, os fiéis são inseridos em uma família (1 Co 12.13) aos cuidados do Espírito Santo.
Quando Cristo vier pela segunda vez, Ele virá com o fogo do julgamento. Note que nos Evangelhos, duas das quatro passagens paralelas que dizem respeito à hipocrisia também mencionam o fogo do julgamento. Palha aqui alude às cascas sem utilidade do trigo que são separadas da porção aproveitada do cereal com a joeira, uma ferramenta de madeira que levanta os grãos no ar para que o vento possa separá-las. A palha seria queimada, ilustrando aqueles que seriam submetidos ao julgamento.
Lucas 3.18-20 Encerrar João num cárcere. Este acontecimento é relatado mais cedo em Lucas do que em Mateus (Mt 14-3-5) e em Marcos (Mc 6.17-20). Tal fato está claramente adiantado cronologicamente, visto que João Batista não poderia batizar Jesus nos versículos 21 e 22 se estivesse na prisão! Herodes desposara primeiro a filha de Aretas IV da Arábia, mas divorciou-se dela para se casar com Herodias, que já era a mulher de seu irmão Filipe.
Não só a separação foi uma questão difícil, mas também o casamento com um parente tão próximo era problemático (Lv 18.16; 20.21). Lucas observa que esta foi uma questão levantada por João Batista, e este foi decapitado por causa disso. Seu ministério não foi muito aceito pelos poderosos, mas João foi muito fiel a Deus.
Lucas 3.21, 22 Ouviu-se uma voz do céu. Este foi um dos dois endossos celestes do ministério de Jesus. O outro está em Lucas 9.35. Tu és meu Filho amado; em ti me tenho comprazido. Esta frase combina duas ideias: a de que Jesus é Rei e Servo. A primeira delas vem do Salmo 2.7; a segunda, de Isaías 42.1. Isto representa a eleição de Jesus por Deus, e o benefício especial do qual Ele gozava.
Lucas 3.23-38 Como se cuidava. As pessoas naturalmente achavam que Jesus era filho biológico de José e Maria. Lucas corrigiu este mal-entendido enfatizando que Jesus não era filho natural de José, apenas legal.
A genealogia de Lucas é distinta da de Mateus, embora ambas remontem a Davi e a Abraão. Lucas traça a genealogia de Jesus até Adão, mostrando a importância espiritual de Jesus para todas as pessoas. Mateus exibe a linhagem legal de Davi até José e, finalmente, até Jesus, enquanto Lucas enfatiza a descendência física, de Davi até Maria e, depois, até Jesus.
Índice: Lucas 1 Lucas 2 Lucas 3 Lucas 4 Lucas 5 Lucas 6 Lucas 7 Lucas 8 Lucas 9 Lucas 10 Lucas 11 Lucas 12 Lucas 13 Lucas 14 Lucas 15 Lucas 16 Lucas 17 Lucas 18 Lucas 19 Lucas 20 Lucas 21 Lucas 22 Lucas 23 Lucas 24