Desenvolvimento Histórico da Trindade
Desenvolvimento Histórico da Trindade
Uma vez que as polêmicas cristológicas da igreja primitiva haviam sido resolvidas, as consequências dessas decisões foram exploradas. Nesse período intensamente criativo e fascinante da teologia crista, a doutrina da trindade começou a tomar corpo. A característica básica dessa doutrina concentra-se na existência do Deus trino - Pai, Filho e Espírito Santo - e que cada um deles deve ser considerado igualmente divino e de importância equivalente. A co-igualdade entre Pai e Filho foi estabelecida por meio de debates cristológicos que culminaram com o Concilio de Nicéia; a divindade do Espírito foi estabelecida como consequência disso, especialmente por meio de escritos como Atanásio e Basílio de Cesareia. O principal impulso dos debates a respeito da Trindade concentrou-se, pouco a pouco, na maneira pela qual a mesma deveria ser entendida, em vez de discutir seu valor fundamental. Duas abordagens bastante distintas surgiram gradualmente, uma delas ligada à igreja oriental e a outra, à igreja ocidental. A posição da igreja oriental, que ainda goza atualmente de grande prestígio em meio às igrejas ortodoxas gregas e russas, foi desenvolvida particularmente por um grupo de três autores, radicados onde hoje é a Turquia. Basílio de Cesareia (c.330-79), Gregório de Nazianzo (329-89) e Gregório de Nissa (c. 330 - c. 395), conhecidos como os pais capadócios, iniciaram suas reflexões sobre a Trindade por meio da consideração das distintas formas pelas quais se experimenta a presença do Pai, do Filho e do Espírito. A posição da igreja ocidental, associada de uma forma especial a Agostinho de Hipona, teve como ponto de partida a unidade de Deus e explorou, a seguir, as implicações do amor de Deus, para que compreendêssemos sua natureza. Essas posições serão vistas com maior detalhe neste livro, no momento adequado (vide pp. 384-9). A doutrina da Trindade representa um raro exemplo de questão teológica de interesse comum para ambas as igrejas, oriental e ocidental. Nossa atenção agora se volta para duas controvérsias teológicas especificamente ligadas à igreja ocidental e que vieram a ser particularmente associadas a Agostinho de Hipona.
A Doutrina da Igreja
Uma controvérsia fundamental no seio da igreja ocidental se concentrava na questão da santidade da igreja. Os donatistas eram um grupo de cristãos africanos, radicados onde hoje fica a Argélia, que se ressentiam pela crescente influência da igreja de Roma no norte da África. Os donatistas alegavam que a igreja era um corpo formado por santos, no seio do qual não havia lugar para pecadores. Essa questão adquiriu importância especial em razão da perseguição empreendida pelo imperador Diocleciano, em 303, que persistiu até a conversão de Constantino, em 313. Ao longo desse período, no qual a posse das Escrituras era algo considerado ilegal, diversos cristãos entregaram para as autoridades as cópias das Escrituras que possuíam. Imediatamente, eles foram censurados pelos outros que haviam se recusado a ceder à pressão. Depois que a perseguição se abrandou, muitos desses traditores - uma palavra latina que significa literalmente “aqueles que entregaram [suas Escrituras]” - voltaram a se juntar à igreja. Os donatistas exigiram sua expulsão; pois eles haviam feito concessões indevidas. Agostinho argumentava em sentido contrário, pois afirmava que a igreja deve permanecer como um “corpo misto”, composto por santos e pecadores, recusando-se a eliminar aqueles que haviam caído sob perseguição ou por outras razões. A eficácia do ministério e da proclamação da igreja não dependia da santidade de seus ministros, mas sim da pessoa de Cristo. A falta de mérito pessoal de um ministro não comprometia a eficácia dos sacramentos. Essa perspectiva, que rapidamente tornou-se regra no seio da igreja, teve um impacto profundo sobre o pensamento cristão a respeito da natureza da igreja e de seus ministros. A controvérsia donatista, que será vista com maiores detalhes mais adiante vide pp. 545-47), foi a primeira a concentrar-se na questão da doutrina da igreja (conhecida como “eclesiologia”) e nas questões a ela relacionadas, como a forma de atuação dos sacramentos. Muitos dos temas levantados pela controvérsia seriam retomados novamente na época da Reforma, quando questões relacionadas à igreja voltariam, uma vez mais, à baila (vide pp. 547-54). O mesmo pode-se dizer da doutrina da graça, à qual nos dedicaremos nesse instante.