As Duas Naturezas de Cristo

As Duas Naturezas de Cristo 

por Alister E. McGrath



As duas doutrinas, em relação às quais pode-se afirmar que o período patrístico deu uma contribuição decisiva, referem-se à pessoa de Cristo (uma área da teologia a qual, conforme observamos, geralmente é denominada “Cristologia”) e à natureza de Deus. Essas duas doutrinas estão organicamente ligadas uma à outra. Até o ano 325, a igreja primitiva havia chegado à conclusão de que Jesus era “um em substância” (homoousios) com Deus. (O termo homoousios também pode ser traduzido como “um em existência” ou “consubstanciai”.) As implicações dessa afirmação cristológica eram duas: em primeiro lugar, consolidava, sob o ponto de vista intelectual, a importância espiritual de Jesus para os cristãos; porém, em segundo lugar, representava um poderoso desafio às concepções simplistas de Deus. Pois se Jesus é considerado como aquele que “é um em substância” com Deus, então toda a doutrina sobre Deus deve ser revista à luz dessa crença. Por esse motivo, o desenvolvimento histórico da doutrina da Trindade é considerado posterior ao surgimento de um consenso cristológico no seio da igreja. Somente quando a divindade de Cristo pôde ser encarada como um ponto de partida, comum e indubitável, foi possível dar início à especulação teológica sobre a natureza de Deus. Deve-se observar que a maior parte dos debates cristológicos da igreja primitiva aconteceram no mundo mediterrâneo oriental e em grego, bem como, frequentemente, à luz dos pressupostos das grandes escolas gregas de filosofia. Em termos práticos, isso significa que muitos dos termos centrais dos debates cristológicos da igreja primitiva são gregos possuindo normalmente um histórico de uso em meio à tradição filosófica grega. As principais características da cristologia patrística serão vistas em maior detalhe nas páginas 411-21, as quais indicamos ao leitor. Porém, nesse estágio inicial, podemos sintetizar os principais pontos do debate cristológico patrístico, em termos de duas escolas, dois debates e dois concílios, conforme se segue. 

1 Escolas 

A Escola de Alexandria tinha a tendência de enfatizar a divindade de Cristo e de interpretá-la em termos do “verbo que se fez carne”. João 1:14 é dos texto das Escrituras que foi de importância fundamental para essa escola: “Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós”. Essa ênfase a respeito da ideia de encarnação levou ao fato de o Natal ser encarado como algo de especial importância. Contudo, a Escola de Antioquia enfatizou, de maneira equivalente, a humanidade de Cristo e atribuiu importância especial a seu exemplo moral (vide pp. 417-420). 

2 Debates 

A controvérsia ariana do século IV é tida, geralmente, como uma das mais significativas da história da igreja. Ário (c. 250- c. 336) alegava que os títulos conferidos a Cristo nas Escrituras, que indicavam ter ele uma posição equivalente a de Deus, eram dados meramente por cortesia. Cristo deveria ser considerado como uma criatura, embora, não obstante, superior às demais. Atanásio respondeu contrariamente a isso, ele alegava ser a divindade de Cristo de importância central para o entendimento cristão a respeito de salvação (uma área da teologia conhecida como “soteriologia”). Atanásio declarou que a cristologia de Ário era imprópria em termos soteriológicos. O Cristo de Ário não poderia redimir a humanidade caída. Após algum tempo, o arianismo (movimento ligado a Ário) foi declarado herege. A seguir, veio o debate apolinarista que se concentrava em torno de Apolinário de Laudiceia (c. 310 - c. 390). Apolinário, forte opositor de Ário, alegava que Cristo não poderia ser considerado totalmente humano. No caso de Cristo, o espírito humano fora substituído pelo Logos divino. Em consequência, Cristo não era plenamente humano. Autores como Gregório de Nazianzo, consideraram essa posição profundamente falha, pois implicava no fato de que Cristo não poderia redimir de forma plena a natureza humana (vide pp. 417-19). 

3 Concílios 

O Concílio de Niceia (325) foi convocado por Constantino, o primeiro imperador cristão, a fim de solucionar os desentendimentos cristológicos que desestabilizavam seu império. Esse foi o primeiro “concilio ecumênico” (isto é, uma assembleia de bispos vindos de todo o mundo cristão, cujas decisões eram tidas pelas igrejas como normativas). O Concílio de Niceia (hoje a cidade de Iznik, na atual Turquia) pôs fim à controvérsia ariana, declarando que Jesus era homoousios (“um em existência” ou “um em substância”) com o Pai, rejeitando, portanto, a posição ariana, em favor de uma veemente afirmação da divindade de Cristo. O Concílio de Calcedônia (451), foi o quarto concilio ecumênico, confirmou as decisões tomadas no Concílio de Nicéia e respondeu a novas polêmicas a respeito da humanidade de Cristo, que haviam surgido posteriormente.