Estudo sobre Atos 7:46-53
Estudo sobre Atos 7:46-53
Na sequência Estêvão tira do abrangente testemunho bíblico as consequências para a atualidade. Realmente não devemos entender essas últimas frases de seu discurso como um “xingar”. O homem que com o semblante de um anjo encarava seus juízes, que os tratara conscientemente como irmãos e pais, agora no final não se deixa arrastar pela carne e pelo sangue para uma agressividade vulgar. Precisamos ouvir todas as suas palavras como ditas com uma dor ardente por seu povo e com profunda seriedade perante Deus. Assim também Paulo, quando levanta suas mais duras acusações contra Israel, continua sendo ao mesmo tempo aquele que tem “grande tristeza e incessante dor no coração” por seus irmãos de Israel (Rm 9.1-5). Não estamos lidando com um teólogo frio e ávido por ter razão, mas com homens que haviam recebido o amor de Jesus, embora fosse o amor que vê implacavelmente a realidade destrutiva. “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis” Também essas gravíssimas acusações são, até na formulação, bíblicas! Novamente Estêvão afirma apenas o que afirma a Escritura. Ele vê e caracteriza “Israel” de ontem e de hoje como uma unidade. Vê os profetas rejeitados e perseguidos, justamente porque “anteriormente anunciaram a vinda do Justo”. Não é surpreendente que agora os filhos desses assassinos de profetas se tornaram ainda piores, “traidores e assassinos” desse Justo que acabara de vir.
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A acusação contra Estêvão e os cristãos brota de uma imagem profundamente mentirosa e autocomplacente que Israel elaborou de si mesmo e de sua história. Considera-se como o povo privilegiado por Deus que, com o templo e com a lei, se apresenta com uma bela religiosidade diante de Deus, e fica indignado quando essa vã presunção é atacada com a mensagem de Jesus. Porém é precisamente “a lei”, a Escritura, à qual se apegam, que destrói a mentirosa quimera e revela a verdadeira imagem de Israel. Sem dúvida eles têm a lei, também “a lei” no sentido mais restrito; foi “promulgada por meio de anjos” e a receberam por mediação sagrada (cf. Gl 3.19). Porém cumpri-la? Jamais o fizeram!
Esta é a exaustiva e profunda resposta de Estêvão à pergunta do sumo sacerdote.175 É assim que precisamos ler o AT como cristãos, e ver a história de Israel – de forma totalmente diferente como também o fazemos muitas vezes no cristianismo, quando num falso resplendor vemos Israel como “o povo da religião”.176 Sem dúvida oscilaremos entre a falsa glorificação de Israel e o “anti-semitismo” enquanto não reconhecermos, com genuíno arrependimento, como a mentira de Israel constitui também a quimera de nossa própria “piedade” e de nosso próprio orgulho eclesiástico, enraizado nas camadas mais profundas de nosso “cor incurvatum in se ipsum”, nosso “coração retorcido sobre si próprio” (Lutero). Por essa razão, reagimos como “pessoas religiosas” ao ataque do evangelho, ao chamado para nos converter a Jesus, à palavra da cruz, com a mesma indignação que naquele tempo eclodiu contra Estêvão. Por isso não podemos ler o discurso de Estêvão apenas sob enfoque “histórico-crítico”, mas temos de ouvi-lo com arrependimento, sendo pessoalmente atingidos por ela.
Notas:
175 Quem não entende isso obviamente precisa deparar-se com incompreensão diante dessa “pregação” “longa” e que supostamente nem sequer tange o ponto objetivo, detectando nela “problemas” insolúveis.
176 É significativo que esse foi o título de um livro escolar famoso e muito usado sobre o AT na época antes da Primeira Guerra Mundial. Não causa surpresa que o discurso de Estêvão continua sendo uma peça desconhecida e incompreendida da Bíblia!