Do Templo à Torá
Do Templo à Torá
O espaço deste livro não permite contar a história de Esdras que, de acordo com o Talmude, “fundou” a Torá muito depois de ela ter sido esquecida e, apenas se pode fazer uma breve menção aos soferins ou escribas que, de acordo com a tradição, continuaram o trabalho de Esdras, ensinando e interpretando a Torá para as sucessivas gerações, reivindicando para ela uma posição de autoridade suprema no judaísmo. O ensino deles, baseado em exegese simples da Torá, deu ensejo a novas tradições, para as quais não havia nenhum precedente na antiga tradição ou na própria Torá.
O papel exercido pelo ensino oral dos escribas foi muito significante no preparo das pessoas para os anos atribulados que se seguiriam, nos quais a influência da cultura helenística começou a se fazer sentir muito profundamente. Há razão para acreditar que os soferins organizaram reuniões semanais não só em Jerusalém, mas nas cidades e aldeias adjacentes, nas quais liam a Torá publicamente e explicavam seus ensinamentos. Seria um equívoco pensar nessas reuniões em termos dos ofícios das sinagogas, que surgiram posteriormente e se espalharam rapidamente por toda a Jerusalém e pelas regiões da Dispersão, mas sem dúvida, eles prepararam o caminho para aqueles ofícios, e aos soferins e seus sucessores é atribuído muito do crédito pelo desenvolvimento dessa instituição vital para o judaísmo.
Na ocasião da morte de Simão, o Justo, cerca de 270 a.C, a influência dos soferins declinou, mas há evidência de que após essa data um conjunto de homens, principalmente leigos, continuou a aplicar-se reservadamente ao estudo da Torá. Esse período de ensino não autorizado continuou até cerca de 196 a.C, quando provavelmente foi encerrado pela organização que mais tarde viria a ser conhecida como Sinédrio, um tribunal composto de membros sacerdotes e leigos que se dedicava à regulamentação das questões religiosas.
Assim, muito tempo antes da Revolta dos Macabeus, as pessoas comuns haviam sido instruídas na fé e haviam aprendido a aplicar a religião à vida cotidiana na nova situação e condições que se formavam na Palestina. A Torah passou a ser o centro da atenção, ocupando um lugar cada vez mais significativo na vida devocional de muitos que, por causa das dificuldades daqueles tempos ou por causa da dispersão, longe de Jerusalém, não podiam oferecer sacrifícios no Templo Sagrado.
Em algum momento, então, entre a conclusão da Torá em cerca da metade do século IV a.C. e a Revolta dos Macabeus em 167 a.C, ocorreu uma transferência sutil de ênfase, do Templo para a Torá, o que ainda seria de grande importância para a sobrevivência do judaísmo. Mas foi na era dos macabeus que essa mudança foi mais notável, porque nessa época a Torá havia se tornado o símbolo visível da fé judaica. O triunfo da Revolta dos Macabeus e o desenvolvimento das sinagogas e das escolas, tanto em Jerusalém como na Dispersão, aumentou ainda mais a reputação da Torá. A Torá da Sinagoga não estava, em nenhum sentido, em oposição ao ritual do Templo, mas nutriu uma religião pessoal profunda — algo que os ritos do Templo não eram capazes de fazer. E assim, chegou um momento em que o registro escrito pôde tomar o lugar dos atos litúrgicos nos afetos do povo. Isso explica por que, apesar da destruição do Templo em 70 d.C, o Judaísmo conseguiu sobreviver. O ritual do Templo havia sido substituído pela reverência para com a Torah; o sacerdote havia sido substituído pelo rabino; o Templo fora suplementado pela sinagoga. Depois disso, o judaísmo passou a ser, essencialmente, a religião do livro.
Fonte: Between the Testaments: From Malachi to Matthew, de Richard Neitzel Holzapfel.
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