Fé e Obras na Carta de Tiago — Tiago 2:14-26

TIAGO, CARTA, OBRAS, FÉ. ESTUDO
Fé e Obras na Carta de Tiago (Leia Tiago 2:14-26). Este parágrafo é o ponto crucial da epístola e contém declarações que têm dado lugar a infindáveis debates na Igreja. Foi este parágrafo que levou Martinho Lutero a proferir sua famosa crítica, quando chamou esta carta “epístola de palha”. Mas a declaração do apóstolo em seu conjunto é eminentemente razoável. Procura ele mostrar a diferença que há entre uma fé viva e ativa, e a que existe apenas no nome. “Meus irmãos, qual é o proveito se alguém disser que tem fé, mas não apresenta obras? Pode, acaso, semelhante fé salva-lo?” (Moff.). Não há antagonismo aqui entre o ensino de Tiago e o de Paulo. Este ensina que a justificação diante de Deus não é nunca pelas obras da lei, mas pela fé em Cristo (Rm 4.1-5.2). O apóstolo vê necessidade de frisar isto ao procurar orientar os que pensam que, pela guarda da lei, podem achar a salvação. Ao mesmo tempo ele daria todo seu apoio à alegação de Tiago de que a fé que não Se exterioriza na vida prática e na conduta, não passa de consumada zombaria, e que ninguém é justificado perante Deus que ao mesmo tempo não seja justificado praticamente perante os homens (ver Tt 1.16; Tt 3.7-8). A fé, sendo a raiz, deve naturalmente dar origem as obras, que são os frutos. Tiago precisa dar ênfase a este lado da questão, visto que a situação por ele enfrentada é quase oposta àquela de que Paulo trata nos primeiros capítulos de Romanos.

Para ilustrar o seu ponto, Tiago figura a conduta impiedosa de quem despede companheiros cristãos tiritantes de frio e famintos, dizendo-lhes apenas “Desejo que passeis bem; aquentai-vos e alimentai-vos bem” (16, Wey.), e deixa de lhes prover às necessidades corporais. De que vale a fé que presencia tais sofrimentos e não se dispõe a acudir-lhes benevolamente? Tiago presidia a Igreja de Jerusalém que sofrera (e provavelmente naquela época ainda estava sofrendo) em conseqüência da fome predita por Ágabo (ver At 11.28-30). Podia então falar de experiência própria. “Votos de Felicidade” é uma frase oca, a não ser que a pessoa que os formula concorra para isso (Plauto). De que servem meras palavras desacompanhadas da prática da misericórdia? Crença religiosa, mesmo que seja ortodoxa, que não resulta em ação, é morta, porque lhe falta poder. O mero assentimento a um dogma nenhum poder tem para justificar ou salvar (cfr. Rm 2.13). “Ninguém é justificado pela fé, a menos que esta o faça justo”.

Tiago enfrenta agora uma possível objeção. Supõe o caso de alguém a arguir. Tu tens fé e eu tenho obras: mostra-me essa tua fé, sem as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé (18). Então declara, de modo prático, que a pretensão de ter fé, independente de obras de caridade ou misericórdia, é inteiramente vã; porque visto como a fé não pode ser discernida senão por seus efeitos (isto é, boas obras), segue-se que a pessoa cuja vida não produz boas obras presumivelmente não tem fé.

Cf. Classificação das Cartas Paulinas
Cf. O Fim da Lei na Teologia Paulina
Cf. Regeneração na Teologia Paulina
Cf. Significado do Batismo com Fogo


Diariamente, pela manhã e à tarde, os judeus piedosos recitavam o Shema, cujas palavras iniciais são, “Ouve, ó Israel, Jeová nosso Deus, Jeová é um”. Este monoteísmo era um artigo fundamental do credo. Mas apenas assentir nele sem que daí resultassem obras, isso não levava ninguém acima do plano dos demônios, os quais também crêem no mesmo fato. A crença dos demônios evidentemente não tem valor; eles estremecem quando pensam em enfrentar o Deus único em juízo. Tal fé, que pode ser descrita como simples crença intelectual, não é a fé que salva.

Tiago não leva para diante seu arrazoado, mas escarnece ligeiramente do homem insensato. O adjetivo no grego é kenos, que significa “vazio”, sugerindo o devoto insensível, de cabeça oca, de uma religião de mero formalismo. E prossegue dando dois exemplos de justificação, tirados do Velho Testamento. Primeiro chama atenção para nosso pai Abraão (21; cfr. Gl 3.6-7), que foi justificado pelas obras, quando, em inteiro devotamento e obediência incondicional à ordem de Deus, ofereceu Isaque (ver Gn 22). Tiago e Paulo concordam que foi quando Abraão creu em Deus, que isto lhe foi imputado para justiça (Gn 15.6), isto é, foi justificado pela fé perante Deus. Porém, quando pela fé ofereceu Isaque no altar, foi justificado pelas obras perante os homens, visto como demonstrou com isso a realidade de sua confiança em Deus. Amigo de Deus (23); foi esta a caracterização mais alta que já se fez de uma pessoa. Deus admitiu Abraão em Sua intimidade, nada lhe ocultando (Gn 18.17), e sobre ele derramando as mais excelentes bênçãos. Evidencia-se deste exemplo que a fé de Abraão não foi mera crença na existência de Deus, e sim um princípio que o levou a confiar nas promessas divinas, a agir pela vontade de Deus, a amar e a obedecer a essa vontade. Suas obras justificaram-lhe a fé e provaram a genuinidade da mesma.

A segunda ilustração é Raabe (cfr. Js 2.1 e segs.; Hb 11.31). A fé que ela tinha no Deus de Israel era de tal qualidade que se expressou em fazer ela o que pôde para proteger os Servos do Senhor.

No vers. 26 Tiago conclui e sumariza todo o argumento. “A morte se patenteia pela ausência de atividade física e pela presença da corrupção; assim a fé, sem santidade prática, não mostra atividade e se corrompe” (Cent. Bible). Fé genuína resulta em boas obras. Estas não oferecem maior segurança à nossa posição perante Deus, porém são evidências da fé, pela qual alcançamos essa posição.