Rios de Água da Vida (Parábola)

Parábola dos rios de água viva 

Da fonte de água que Jesus falou à mulher no poço, chegamos agora a essa figura parabólica dos rios. Não uma fonte, ou um ribeiro, ou mesmo um rio, mas rios, o plural que sugere a plenitude da provisão naquele que falou sobre o Espírito Santo. Antes de abordarmos o significado do incidente em que Jesus ficou de pé e clamou “se alguém tem sede vem a mim e beba”, é proveitoso destacarmos o tríplice aspecto do ministério do Espírito em conexão ao caminhar e testemunhar do crente. No terceiro capítulo de João temos a vinda do Espírito Santo (Jo 3:7). No quarto capítulo, o seu jorrar (Jo 4:14). No sétimo capítulo, o seu fluir (Jo 7:37-39). Portanto, o Espírito doador da vida regenera e, através da vida que ele permeia, busca irrigar o deserto seco e árido à nossa volta. Ele flui então no crente, e finalmente para fora. Esses tríplices aspectos da obra do Espírito Santo estão semelhantemente associados ao nosso serviço, salvação e santificação.

O cenário imediato, da impressionante ilustração dos rios de água viva que fluem do crente, foi o último e grande dia da Festa dos Tabernáculos que durava oito dias (Dt 16:13; Nm 29:12,35; Lv 23:36; Ne 8:18). Todos os dias durante essa festa havia uma procissão de sacerdotes que, com vasos dourados vazios, provenientes do templo, em seus ombros, marchavam pelas ruas, cantando partes do Grande Hallel, ou salmos 113-118, acompanhados de címbalos e trombetas. Após o sacrifício, os sacerdotes e o povo tomavam seu caminho para a fonte de Siloé, onde os vasos eram cheios de água e a procissão alegremente retornava ao templo, onde, na presença da multidão reunida, o sacerdote ia ao altar das ofertas queimadas e clamava em voz alta: “Erguei vossas mãos!” Então ele fazia a libação, ao virar o vaso dourado para o Oriente; e, para o Ocidente, uma taça cheia de vinho tirada dos dois vasos de prata cheios de furos. Durante a libação, o povo cantava, sempre ao som de címbalos e trombetas: “Vós com alegria tirareis água das fontes da salvação” (Is 12:3). Os judeus de então acreditavam que essas palavras estavam repletas de significado messiânico.

Campbell Morgan destaca que no tempo de Jesus muitos itens foram acrescentados ao ritual da Festa dos Tabernáculos, e que no oitavo dia não havia mais a procissão dos sacerdotes carregando a água. Foi nesse “último e grande dia” que Jesus, o Sumo Sacerdote, aplicou a si mesmo “um dos mais impressionantes símbolos messiânicos entre todos os que a história nacional continha”. Na literatura rabínica, os rituais eram emblemas que relembravam um dos grandes milagres de Deus realizado no deserto, a saber, a água que jorrou da rocha ferida por Moisés e a continuidade da água durante a peregrinação no deserto. No entanto, quando o povo chegou a Canaã, o suprimento sobrenatural não era mais necessário, porque havia rios e fontes em todo lugar na terra Prometida. Os líderes judaicos afirmavam também que o ritual da Festa dos Tabernáculos também simbolizava o reconhecimento de todas as promessas e profecias de um tempo em que forças fertilizantes viriam sobre a nação e a terra. A ausência de sacerdotes no oitavo dia significava que não mais havia necessidade de um suprimento de água sobrenatural; e que também “A tão esperada promessa da nova dispensação de abundância e rededicação ainda não havia acontecido”.

A profunda expressão, “como diz a Escritura”, revela não apenas o íntimo conhecimento que Cristo tinha do Antigo Testamento, mas também o selo de sua autoridade e veracidade divina. Aqui, no evangelho de João, ele parece ter vivido no passado, a julgar por muitos de seus milagres, parábola e obras.

No capítulo 2, ele se apresentou como o verdadeiro templo;
No capítulo 3, ele é o que foi suspenso no madeiro;
No capítulo 8, ele é o Shekhinah, a verdadeira nuvem de glória;
No capítulo 19, ele fala de si mesmo como o Cordeiro Pascal.


E aqui, no capítulo 7, ele é a Rocha verdadeira, da qual os rios de água viva haveriam de fluir. As multidões mataram a sua sede na água da rocha que Moisés feriu e, quando Cristo, como a Rocha, fosse ferido no Calvário, haveria a liberação da água geradora de vida no Espírito Santo. Assim como as águas vieram “de dentro” da cavidade da rocha no Horebe (Êx 17:6; Nm 20:11), também de Jesus haveria de fluir os rios da presença e poder do Espírito Santo, e ribeiros de vida nova e dons espirituais, tão necessários ao crescimento e refrigério de todos os crentes.

Cf. Cristologia: Estudo sobre Jesus Cristo
Cf. Teologia Bíblica e o Cânon
Cf. Literatura no Judaísmo
Cf. Tradição Apocalíptica

Geralmente Jesus contava suas parábolas sentado. Aqui lemos que ele colocou-se de pé, uma posição adequada, visto que o sacerdote permanecia em pé enquanto derramava água do vaso dourado. Aprova de que os rios de água viva são parábolas do derramamento do Espírito Santo, que fora prometido, encontra-se no anúncio específico de João quanto à declaração de Cristo: “Isto ele dizia do Espírito [...] que ainda não fora dado, porque Jesus ainda não havia sido glorificado”. Enquanto os tradutores da Versão Atualizada adequadamente acrescentaram “dado”, no texto original se lê: “O Espírito ainda não fora”, e refere-se ao novo e mais completo derramar do Espírito, que foi concedido no Pentecostes após a ascensão e glorificação de Cristo nos céus. No AT havia apenas um conceito vago do Espírito como uma pessoa. Ele era visto mais ou menos como um poder divino que vinha sobre os homens para equipá-los a realizar uma tarefa especial, como no caso de Bezaleel e, após o serviço estar completo, o poder era retirado. Agora Jesus promete que o Espírito em pessoa habitaria nos crentes. Ele estava para vir e fazer sua morada neles. Mas o advento da terceira pessoa da Trindade estava condicionado à ida de Cristo aos céus. “Se eu não for, o Consolador não virá para vós” (Jo 16:7).

A glorificação de Cristo veio em conseqüência de sua morte, ressurreição e ascensão à destra da majestade nas alturas. E uma vez que ele assentou-se como o glorificado Filho do homem, o Espírito Santo veio em toda a plenitude de seu poder e dons para os crentes. Em Atos, do Pentecostes em diante, temos um fluir dos poderosos rios do Espírito Santo, que levariam vida a todo e qualquer lugar seco por onde passassem. Daí em diante, ele se tornou o semeador perene da vida espiritual e a perfeita satisfação dessa vida para a verdadeira Igreja em todos os tempos.

A parábola tem sua contrapartida pessoal e espiritual, porque, assim como a vinda do Espírito Santo foi conseqüência da ascensão de Jesus, agora o Espírito pode outorgar a sua plenitude sobre os corações dos que glorificam a Cristo, ou seja, dos que dão a ele um lugar de preeminência em suas vidas. Deve haver uma ascensão e uma entronização, com todas as coisas postas sob seus pés, se queremos que o Espírito nos encha com ondas sucessivas de poder. Todos os que têm sede de Deus, vêm a ele pela fé e bebem das águas que saem da Rocha, estão aptos a se tornarem canais de bênçãos para os sedentos em volta deles. Será que podemos dizer que rios de bênçãos saem do santuário de nossa vida? Transmitimos aos outros os benefícios do refrigério da graça divina? A sua vida é comparável a um rio, ou melhor dizendo, a muitos rios de divina influência?

Os rios dos quais Jesus falou sugerem uma vida de duplo aspecto, a saber, “A satisfação da vida em sua sede e, em segundo lugar, a frutificação da vida, a fim de que traga uma colheita”. Após experimentarmos o primeiro aspecto de termos a nossa alma saciada e revivida, será que estamos prontos para, por meio do Espírito Santo, produzirmos uma colheita de almas para a glória do Senhor? Se não estamos completamente satisfeitos, como poderemos levar outros das cisternas rotas do mundo a ele, que é o Rio doador da vida? Pergunta-se: “Estamos satisfeitos? Porque, a menos que estejamos, nenhum rio fluirá de nossa vida. Podemos ser homens e mulheres bons, quando fazemos coisas boas, mas os rios correntes não estarão lá. A influência que exerceremos não será a do Espírito, porque o seu afluxo não tem sido o que deveria ser. Nenhum rio corre de almas sedentas [...] Não há sede quando os rios estão correndo. Não haverá rios, se ainda estivermos sedentos. Não há sede? Então os rios estão correndo”.
Canais somente, bendito Senhor,
E com todo o vosso maravilhoso poder
Fluindo através de nós, vós podeis
usar-nos
Cada dia, cada hora.
Parábola da luz do mundo
(Jo 8:12-30)
Nesse segundo grande Eu Sou, de Jesus, temos uma ilustração parabólica de sua direta e grande reivindicação: “Eu sou a luz do mundo". Aquele que veio como revelação de Deus, cheio de graça e verdade (Jo 1:14), agora proclama-se como a luz desse mundo de trevas. Após declarar que saciaria a sede da humanidade, ele agora proclama-se como o único capaz de iluminar a mente humana obscurecida pelo pecado. O termo phos que Jesus usou para “luz” era bastante conhecido de todos os que O ouviam, e significa “brilhar, a fim de tornar manifesto”. Deus disse: “Haja luz”, e houve luz, e ela brilhou.
Todo o nosso conhecimento, senso e visão
Repousam envoltos nas mais profunda trevas,
Até que o brilho de Deus irrompa em
nossa noite, Por meio dos raios da verdade, em um
céu sem nuvens.
Como a celebração da Festa dos Tabernáculos sugeriu a Jesus a parábola do “rio de águas vivas”, o que o motivou a designar-se “A Luz do mundo” (mundo significa “cosmos”), a soma total da humanidade? Muitos escritores pensam que ele aludia ao brilho emitido pelos dois candelabros, que eram acesos ao anoitecer durante a festa, cuja luz, diziam os rabinos, brilhava sobre toda Jerusalém. Mas Jesus não veio apenas como a vida (Jo 7:31). Ele se apresentou como a luz que emana da vida e, como a luz, não só para uma cidade, mas a luz do mundo e para o mundo.

Nada é tão puro como a luz. A neve é pura, mas suja-se facilmente. Não é assim com a luz, que a mão do homem não pode manchar ou corromper. Nada pode macular os seus raios ou poluir seu brilho. Não obstante, sendo Luz, Jesus tomou sobre si a forma de carne pecaminosa, apesar de ter nascido e vivido sem pecado. “Ele era santo, puro, imaculado, separado dos pecadores”. A luz é também tão brilhante quanto pura. O dia e nossas casas são iluminados à medida que são atingidos pela luz do Sol. Semelhante à luz, Jesus veio como “o brilho da glória do Pai”, e sua função é levar claridade onde quer que as trevas do pecado prevaleçam. A luz é também gratuita, gratuita como o ar que respiramos, e brilha igualmente ao príncipe e ao indigente. Sem dinheiro e sem preço, a luz brilha sobre favelas e palácios. Cristo, como a Luz do céu, é oferecido gratuitamente, e nos mesmos termos da graça, aos judeus e gentios igualmente. Ele é a verdadeira Luz, pronto para iluminar todos os homens do mundo. Revelação é outra qualidade pertencente à natureza da luz. As trevas encobrem, mas a luz revela. Cristo, então, atua como a luz. No mundo espiritual ele é o grande Revelador. Semelhante à luz, ele lança luz nas “celas escuras, onde a paixão reina soberana”, e revela aos seus olhos a nossa verdadeira pessoa.

Por último, a luz dá vida. Sem o Sol e as miríades de estrelas, esse mundo morreria. “É a cálida luz da primavera que desperta a semente que dorme, que faz crescer os brotos, que cobre as vinhas, o campo e as florestas com vegetação, fragrância e fertilidade”. E assim com Cristo, a Luz. Corações nos quais ele ainda não brilhou estão espiritualmente mortos. Se formos destituídos dos raios calorosos de sua graça, viveremos em inverno espiritual. Como a Luz, para que todos os seus benefícios sejam desfrutados, ele deve, antes de tudo, ser recebido. Ao amanhecer abrimos as cortinas para que a luz da manhã encha as nossas casas. Assim também o homem deve abrir as portas do coração para que “o Senhor Deus, que é o Sol” dissipe as trevas com o seu radiante brilho.

Como a "Água da vida" é para todos os sedentos, a “Luz” é para os que desejam andar nela; e se andamos na luz como ele está na luz, e é a Luz, então jamais andaremos nas trevas do pecado, e nos tornaremos refletores da Luz. Isso nos leva ao desafio: “Devemos ser neste mundo tal como ele é”. Jesus disse de si mesmo: “Eu sou a luz do mundo”; e daqueles que são seus: “Vós sois a luz do mundo”. Mas somos globos luminosos? Brilhamos como a luz em meio às densas trevas desse mundo? Nossa luz deve brilhar diante dos homens para que eles, ao contemplarem nossas boas obras, glorifiquem ao Senhor.