Estudo sobre Mateus 18:1-35

Estudo sobre Mateus 18
AS RELAÇÕES PESSOAIS

Mateus 18 é um capítulo de grande importância para a ética cristã porque trata das qualidades que deveriam caracterizar (a) relações pessoais dos cristãos. Trataremos essas relações em detalhe à medida que estudemos o capítulo seção por seção. Mas antes de embarcar nessa tarefa será necessário analisar o capítulo em sua totalidade. Destacam-se nele sete qualidades que deveriam estar presentes nas relações pessoais dos cristãos.

(1) Primeiro e sobretudo, está a qualidade da humildade (vs. 1-4). Só a pessoa que possui a humildade própria de um menino é um cidadão do Reino dos céus. A ambição pessoal, o prestígio, a publicidade, o benefício individual são motivos que não têm nenhum lugar na vida do cristão. O cristão é a pessoa que se esqueceu de si mesmo em sua devoção a Cristo e em seu serviço ao seu próximo.

(2) Em segundo lugar, temos a qualidade da responsabilidade (versículos 5-7). O maior dos pecados é ensinar outro a pecar, em especial se se tratar de um irmão mais fraco, mais jovem e com menos experiência. O juízo mais severo de Deus cai sobre aqueles que põem um obstáculo que fará outros caírem. O cristão é um homem que sempre tem presente o fato de que é responsável pelo efeito que sua vida, suas ações, suas palavras, seu exemplo têm sobre os "demais.

(3) Logo vem a qualidade da renúncia (versículos 8-10). O cristão é como um atleta para quem não há treinamento que seja muito severo se com ele pode obter o prêmio desejado. É como o estudante que está disposto a sacrificar o prazer e o tempo livre para obter os louros. O cristão é o homem que está disposto a extirpar de sua vida, como se se tratasse de um cirurgião, tudo o que o impeça de praticar uma perfeita obediência a Deus.

(4) Temos a preocupação individual (versículos 11-14). O cristão é o homem que percebe que Deus se preocupa com ele de forma individual, e que deve refletir essa preocupação individual de Deus em sua preocupação por outros. O cristão nunca pensa em termos de multidões, pensa em termos de pessoas. Para Deus nenhum homem carece de importância e ninguém se perde no meio da multidão. Para o cristão todo homem é importante e todo homem é uma criatura de Deus que, se se perder, deve ser achada. De fato, a preocupação individual do cristão é o motivo central e a dinâmica do evangelho.

(5) Temos a qualidade da disciplina (versículos 15-20). A bondade e o perdão cristãos não significam que se deva permitir fazer o que quiser a alguém que está errado. É necessário guiar e corrigir a essa pessoa e, se for necessário, é preciso lhe impor uma disciplina para que volte ao bom caminho. Mas sempre é preciso aplicar essa disciplina com amante humildade e não em um tom condenatório próprio de quem se crê perfeito; é preciso sempre dá-la movidos pelo desejo de reconciliação e nunca por um desejo de vingança.

(6) Temos a qualidade da comunhão (versículos 19-20). Poderia até dizer-se que os cristãos são as pessoas que oram juntas. Os cristãos são seres que procuram juntos a vontade de Deus, que juntos O escutam e lhe rendem culto. O individualismo é o contrário do cristianismo.

(7) Temos o espírito de perdão (versículos 23-35). O sentido do perdão do cristão se apóia no fato de que ele mesmo foi perdoado. Perdoa a outros assim como Deus, graças a Cristo, o perdoou.

A MENTE DE UM MENINO
Estudo sobre Mateus 18:1-4

Aqui nos deparamos com uma pergunta muito reveladora seguida por uma resposta igualmente reveladora. Os discípulos perguntaram quem era o maior no reino dos céus. Jesus tomou um menino e disse que a menos que se fizessem como um menino, não entrariam no reino dos céus. A pergunta dos discípulos é a seguinte: "Quem será o maior no reino dos céus?" e o mesmo fato de ter formulado essa pergunta demonstra que não tinham a menor idéia do que era o reino dos céus. Jesus disse: "Se não vos tornardes." Ao empregar esta forma de dirigir-se a eles, implicava que lhes estava fazendo uma advertência: a direção que levavam era errada e a menos que dessem uma volta completa em seu caminho se afastavam do Reino em vez de aproximar-se dele. Na vida o importante é aquilo para o qual o homem se dirige; e se se dirige para o cumprimento de sua ambição pessoal, a aquisição de poder pessoal, o prazer de prestígio pessoal, a exaltação de si mesmo, significa que aponta exatamente na direção oposta à do reino dos céus porque ser cidadão do Reino significa esquecer-se por completo de si mesmo, apagar e fazer desaparecer o eu, ocupar o eu em uma vida que tende para o serviço e não para o poder. Enquanto o homem considera seu próprio eu como o mais importante do mundo, está dando as costas ao Reino e se alguma vez quiser alcançá-lo terá que dar-se volta e olhar na direção contrária.

De maneira que Jesus tomou um menino. Segundo uma tradição, esse menino chegou a ser Ignácio de Antioquia, que em tempos posteriores foi um grande servo da igreja, um escritor importante e por último um mártir para Cristo. A lenda surge do fato de que Ignácio recebesse o apelido de Teophoros que significa levado por Deus ou carregado por Deus, e, segundo conta a tradição, recebeu esse nome porque Jesus o carregou sobre seus joelhos. Pode ser que foi assim. Talvez seja mais provável que tenha sido Pedro quem fez a pergunta e que Jesus tenha tomado um filho do próprio Pedro e o tenha posto no meio, porque sabemos que Pedro era casado (Mateus 8:14; 1 Coríntios 9:5).

De maneira que Jesus disse que no menino vemos as características que deveriam assinalar a quem pertence ao Reino. Há muitas características belas em um menino: o poder de maravilhar-se, antes de que se acostume à maravilha do mundo e lhe seja indiferente; o poder de perdoar e esquecer, inclusive quando os adultos e os pais o tratam de maneira injusta, coisa que fazem freqüentemente; a inocência, que, como diz Richard Glover em um frase muito bonita, faz com que o menino só tenha que aprender, não desaprender; tenha que fazer, não desfazer. Não há dúvida que Jesus estava pensando nestas coisas; mas por mais maravilhosas que sejam, não eram as únicas a ocuparem sua mente. O menino tem três grandes qualidades que o convertem no símbolo daqueles que são cidadãos do Reino.

(1) Primeiro e sobretudo, está a qualidade que é a chave de toda a passagem: sua humildade. O menino não sente vontade de fazer-se notar; antes quer desaparecer no anonimato. Não procura a preeminência, prefere permanecer na escuridão. Só abandona sua modéstia instintiva quando cresce e começa a penetrar no mundo competitivo, com sua luta feroz pelas recompensas e os postos importantes.

(2) Temos a dependência do menino. Para o menino, o estado de dependência é um estado perfeitamente natural. Nunca pensa que deve enfrentar a vida sozinho e em seu próprio benefício. Sente-se muito satisfeito em sua dependência absoluta daqueles que o querem e se preocupam com ele. Se os homens aceitassem o fato de sua dependência de Deus sua vida se veria enriquecida por um novo poder e uma nova paz.

(3) Vemos a confiança do menino. O menino é instintivamente dependente, e na mesma forma confia em que seus pais satisfarão suas necessidades. Quando somos meninos não podemos comprar nossa própria comida ou manter nosso lar, ou comprar a roupa; mas jamais duvidamos de que seremos alimentados e vestidos, de que sempre teremos refúgio, calor e conforto quando voltarmos para casa. Quando somos meninos empreendemos uma viagem sem nos passar pela cabeça pagar a passagem e sem ter idéia a respeito de como chegar à meta, mas jamais imaginamos duvidar de que nossos pais nos farão chegar aonde queremos.

A humildade do menino é o modelo da conduta do cristão para o próximo, e a dependência e confiança do menino são o modelo da atitude do cristão para com Deus, o Pai de todos nós.

CRISTO E O MENINO
Estudo sobre Mateus 18:5-7, 10

Devemos ter presente ao ler esta passagem certa dificuldade que se apresenta em sua interpretação. Como já vimos com freqüência, Mateus costuma reunir os ensinos de Jesus sob certos grandes títulos. Organiza de forma sistemática os ensinos de Jesus. Na primeira parte deste capítulo, como acontece aqui, reúne o ensino de Jesus sobre os meninos, e o que devemos lembrar é que os judeus empregavam a palavra menino em dois sentidos. Empregavam-na em sentido literal para referir-se a um menino pequeno; mas em geral se denominava filhos ou meninos os discípulos de um professor. De maneira que a palavra menino também se refere a alguém que recém se inicia na fé, alguém que logo começou a crer, alguém que ainda não está amadurecido e não se estabeleceu na fé, alguém que logo entrou no bom caminho e a quem se pode desviar com facilidade. E nesta passagem o menino significa freqüentemente tanto a criatura jovem como o principiante no caminho cristão.

Jesus diz que qualquer que receba a um desses meninos em seu nome, recebe a Ele.

A palavra em meu nome pode significar uma destas duas coisas.

(1) Pode querer dizer por amor a mim, por minha causa. O cuidado dos meninos é algo que se leva a cabo nada menos que por Jesus Cristo. Ensinar um menino, educá-lo no caminho em que deve andar, é algo que se faz não só pelo menino, mas também pelo próprio Jesus Cristo.

(2) Pode significar com uma bênção. Pode querer dizer receber o menino e invocar sobre ele o nome de Jesus. Aquele que leva a Jesus e sua bênção a um menino, leva a cabo uma tarefa digna de Cristo.
Receber o menino também é uma frase que pode ter mais de um sentido.

(1) Pode significar nem tanto receber a um menino como receber a uma pessoa que tem essa qualidade da humildade que caracteriza o menino. Neste mundo tão competitivo é muito fácil prestar mais atenção à pessoa que é belicosa, agressiva, auto-suficiente e confiante em si mesma. É fácil dar mais importância à pessoa que, no sentido mundano da palavra, triunfou na vida. Pode ser que Jesus diga nesta passagem, que a pessoa mais importante não é a que escala posições, e a que subiu à copa da árvore empurrando a qualquer um que se tenha posto no caminho, e sim a pessoa calada, humilde, singela, que tem o coração de um menino.

(2) Pode significar dar as boas-vindas ao menino, proporcionar a ele o cuidado, o amor e os ensinos que requer para converter-se em um homem bom. Ajudar a um menino a viver bem e conhecer a Deus é ajudar a Jesus Cristo.

(3) Mas esta frase pode ter um sentido maravilhoso. Pode significar que se deve ir a Cristo em um menino. Ensinar a meninos desobedientes, inquietos, pode ser uma tarefa cansativa. Satisfazer as necessidades físicas do menino, lavar sua roupa, curar suas feridas e consolar suas tristezas, guisar suas comidas pode parecer, com muito freqüência, como uma tarefa muito pouco romântica. A cozinha, a pia de lavar e a mesa de costura não são elementos muito bonitos, mas não há ninguém neste mundo que ajude mais a Jesus Cristo que a professora do menino e que a mãe atarefada e ocupada em sua casa. Os tais descobrirão uma glória no cotidiano se no menino às vezes têm uma visão de Jesus Cristo.

A TREMENDA RESPONSABILIDADE
Estudo sobre Mateus 18:5-7, 10 (continuação)

Mas a chave desta passagem é o terrível peso da responsabilidade que impõe sobre cada um de nós.

(1) Sublinha o horror de conduzir outro ao pecado. Pode-se com verdade afirmar que ninguém peca sem um convite e quem o convida costuma ser outro homem. A pessoa sempre deve enfrentar sua primeira tentação ao pecado; o homem sempre deve receber o primeiro estímulo para fazer o incorreto, sempre deve experimentar seu primeiro empurrão para o caminho que leva ao proibido. Os judeus consideravam que o pecado mais imperdoável era ensinar outro a pecar. E seu ponto de vista se apoiava no seguinte: os pecados de uma pessoa se podem perdoar, porque em certo sentido suas conseqüências são limitadas, mas se ensinarmos alguém a pecar, ele por sua vez pode ensinar a outro, e fica em movimento uma série de pecados sem um fim previsível. Não há nada mais terrível neste mundo que destroçar a inocência de alguém. E se o homem tem um resto de consciência, não haverá nada que o torture mais.

Alguém relata a história de um ancião moribundo. Não havia dúvida que estava profundamente preocupado. Por fim obtiveram que dissesse qual era seu problema. "Quando éramos meninos", disse, "um dia viramos os cartazes em um cruzamento de caminhos de maneira que indicavam a direção contrária, e jamais pude deixar de pensar quanta gente terá tomado o caminho errado por nossa ação." O maior dos pecados é induzir outra pessoa a pecar.

(2) Esta passagem sublinha o terror do castigo daqueles que ensinam outros a pecar. Quando compreendemos seu significado, vemos que se preocupa em apontá-lo. Se alguém ensinar outra pessoa a pecar, seria melhor que se pendurasse uma pedra de moinho ao redor do pescoço e que se afogasse nas profundezas do mar. O termo que se emprega para dizer pedra de moinho neste caso é mulos onikos. Os judeus moíam o trigo apertando-o entre duas pedras circulares. Isto se fazia nas casas, e estes moinhos se podiam ver em qualquer choça. A pedra superior, que girava sobre a inferior, tinha um cabo e geralmente era de um tamanho adequado para ser movida sem dificuldade pela mulher da casa porque em geral era ela quem moía o trigo para o uso cotidiano.

Mas um mulos onikos era uma pedra de moer de um tamanho tal que se necessitava um asno para movê-la (onos é a palavra grega que significa asno e mulos moinho) e fazê-la girar. O próprio tamanho da pedra do moinho dá uma idéia do caráter tremendo da condenação. Além disso, no texto grego diz, nem tanto que seria melhor que o homem se afogasse nas profundidades do mar, como que se afogasse em alto mar. O judeu sentia temor do mar; para ele o céu era um lugar onde não haveria mais mar (Apoc. 21:1). O homem que fazia outro pecar convinha que se afogasse longe, no lugar mais solitário e deserto que se pudesse imaginar. Ainda mais, a mesma figura de afogar-se implicava algo horrível para o judeu. Às vezes os romanos castigavam uma pessoa afogando-a, mas os judeus jamais. Para o judeu era um sinal de destruição total. Quando os rabinos ensinavam que era preciso destruir por completo objetos pagãos e gentios diziam que era preciso "jogá-los ao mar".

Josefo (Antiguidades dos Judeus 14.15.10) relata uma história terrível a respeito de uma rebelião na Galileia durante a qual os galileus tomaram prisioneiros a quem apoiava a Herodes e os afogaram nas profundezas do mar da Galileia. A mesma frase seria para o judeu uma imagem de destruição e aniquilação total. As palavras de Jesus estão escolhidas com cuidado e premeditação para assinalar o destino que espera ao homem que ensina outro a pecar.

(3) Esta passagem contém uma advertência para calar qualquer evasão possível. O nosso é um mundo manchado pelo pecado e cheio de tentações, ninguém pode entrar no mundo sem experimentar tentações e sem enfrentar ocasiões de pecar. Isto é particularmente válido no caso de alguém que sai de uma casa muito protegida na qual nunca experimentou más influências.

Jesus diz: "Isso é verdade, este mundo está cheio de tentações, é certo que isso é inevitável em um mundo onde que entrou o pecado, mas isso não diminui no mais mínimo a responsabilidade do homem que é causa de tropeço para uma pessoa mais jovem ou alguém que recém se inicia na fé." Sabemos que este é um mundo cheio de tentações, de maneira que o dever do cristão consiste em tirar os obstáculos, nunca em ser quem os ponha no caminho de outros. Isso significa que não só é um pecado pôr um obstáculo no caminho de outro, mas também é um pecado pôr essa pessoa em uma situação, circunstância ou ambiente em que possa encontrar tal obstáculo. Nenhum cristão pode sentir-se satisfeito vivendo entorpecido em sua complacência em uma civilização onde existem condições de vida e de alojamento nas quais uma pessoa jovem não tem nenhuma possibilidade de escapar às seduções do pecado.

(4) Por último, esta passagem sublinha a importância suprema da criatura. "Seus anjos", disse Jesus, "vêem sempre o rosto de meu pai que está nos céus." Na época de Jesus os judeus acreditavam em uma angelologia muito desenvolvida. Cada país tinha seu anjo; cada uma das forças naturais, como o vento, o raio, o trovão e a chuva tinham seu anjo; inclusive foram tão longe, afirmando com singular beleza que cada fibra de pasto tinha seu anjo. De maneira que também acreditavam que cada menino tinha seu anjo da guarda. Mais ainda, dizer que estes anjos contemplam o rosto de Deus no céu significa que os anjos sempre têm acesso direto a Deus. Trata-se da imagem de uma grande corte real onde só os cortesãos, ministros e oficiais favoritos têm acesso direto ao rei. Aos olhos de Deus os meninos são tão importantes que seus anjos custódios sempre têm acesso à íntima presença de Deus.
Para nós, o grande valor que tem o menino sempre deve residir nas possibilidades que encerra. Tudo depende de como se acostume e eduque essa criatura. Pode acontecer que as possibilidades nunca se realizem; podem afogar-se e perder-se, o que se poderia ter empregado com um fim bom pode desviar-se para maus propósitos, ou podem liberar-se de maneira tal que uma nova onda de poder invada a Terra.

No século XI o Duque Roberto da Borgonha era um dos grandes cavalheiros e guerreiros. Estava por sair em uma campanha. Tinha um bebê que era seu herdeiro, e antes de partir foi a todos os barões e nobres a corte para que jurassem fidelidade ao pequeno em caso de algo acontecer a ele. Chegaram com suas plumas ao vento e as armaduras reluzentes e se ajoelharam diante do menino. Um dos barões sorriu ao aproximar-se. O duque Roberto lhe perguntou qual era a razão de seu sorriso. O nobre respondeu: "O menino é tão pequeno." "Sim", disse o duque, "é pequeno – mas crescerá." Com efeito, foi isso que aconteceu, porque esse menino se converteu no Guilherme, o Conquistador da Inglaterra.

Em cada menino há possibilidades infinitas para o bem e para o mal. A responsabilidade suprema do pai, do professor, da igreja consiste em velar para que essas possibilidades para o bem se cumpram. Afogá-las, deixá-las dormir, torcê-las para o mal, é pecado.

A EXTIRPAÇÃO CIRÚRGICA
Estudo sobre Mateus 18:8-9

Esta passagem pode ser interpretada em dois sentidos. Pode-se tomá-la em um sentido puramente pessoal. Pode significar que para escapar ao castigo de Deus vale a pena qualquer sacrifício e renúncia.

Devemos ter bem claro o que significa esse castigo. Aqui é chamado castigo eterno. Esta palavra, eterno, aparece com freqüência nas idéias judaicas de castigo. O termo é aionios. O livro de Enoque fala do juízo eterno, do juízo para sempre, do castigo e a tortura para sempre, do fogo que queima para sempre. Josefo denomina prisão eterna no inferno. O Livro de Jubileus menciona uma maldição eterna. O Livro de Baruque diz que "não haverá oportunidade de retornar, nem um limite no tempo."
Existe um relato rabínico sobre o rabino Jocanan Ben Zaccai que chorava amargamente ante a perspectiva da morte. Quando lhe perguntaram por que, respondeu: "Agora choro sobretudo porque estão por me conduzir perante o Rei dos reis, ao Santo, bendito seja Ele que vive e permanece para sempre jamais, cuja ira, se a experimentar, é uma ira eterna; e se me ata, sua atadura é eterna, e se me mata, é uma morte eterna; a quem não posso aplacar com palavras nem abrandar com riquezas."
Todas estas passagens empregam o termo eterno. Mas devemos cuidar de ter em mente o significado desta palavra. O significado literal de aionios é pertencente às eras; há uma só pessoa a quem se pode aplicar esta palavra corretamente, e essa pessoa é Deus. Na palavra aionios há muito mais que uma mera descrição do que não tem fim. O castigo que é aionios é um castigo que corresponde a Deus infligir, e que só Deus pode dar. Quando pensamos em um castigo só podemos dizer:

"Acaso o juiz de toda a Terra não fará justiça?" Nossas imagens humanas e nosso esquema temporário falham, estão nas mãos de Deus.

Mas temos uma chave. Esta passagem fala do inferno de fogo, que no original é o Geena de fogo. Geena é o vale do Hinom. Tratava-se de um vale que estava ao pé da montanha de Jerusalém. Era um lugar maldito porque, na época do reino, os judeus renegados tinham sacrificado ali seus filhos no fogo ao deus pagão Moloque. Josias o tinha convertido em um lugar maldito. Mais tarde se converteu no depósito de lixo de Jerusalém; era uma espécie de incinerador gigante. Nele havia sempre lixo ardendo e estava rodeado permanentemente por fumaça e mau cheiro. Agora, o que era este Geena, este vale do Hinom? Era o lugar onde se atirava tudo o que era inútil e ali era destroçado. Quer dizer que o castigo de Deus se dirige aos inúteis, a aqueles que não fazem nenhuma contribuição à vida, os que freiam a vida em lugar de fazê-la avançar, os que fazem que a vida se arraste em lugar de elevá-la, os que se convertem em cargas e obstáculos para outros em lugar de ser motivos de inspiração. O Novo Testamento assinala uma e outra vez que a inutilidade evoca o desastre. O homem inútil, aquele que é uma má influência para outros, o homem que não pode justificar o mero fato de sua existência, está em perigo de receber o castigo de Deus se não extirpar de sua vida, como se se tratasse de uma intervenção cirúrgica, todas aquelas coisas que o convertem em uma pessoa inútil e em um obstáculo para outros.

Mas também pode acontecer que não se deva tomar esta passagem tanto em um sentido pessoal e sim com relação à Igreja. Mateus já empregou esta frase de Jesus em outro contexto, em Mateus 5:30. Pode haver uma diferença aqui. Toda a passagem trata sobre meninos, e possivelmente em forma especial sobre meninos na fé. Pode ser que esta passagem diga o seguinte: "Se em sua Igreja há alguém que é uma má influência, alguém que é um mau exemplo para os que são jovens na fé, se houver alguém cuja vida e cuja conduta fazem mal ao corpo da Igreja, é preciso extirpá-lo, extraí-lo e jogá-lo fora." A Igreja é o Corpo de Cristo; portanto, se esse corpo tiver que ser são e proporcionar saúde, deve extirpar-se o que tenha germes de uma infecção cancerosa e venenosa.

Há uma coisa sobre a qual não há dúvida: em qualquer pessoa e em qualquer igreja aquilo que é ocasião de pecado deve extirpar-se, por mais dolorosa que seja a operação, porque se lhe permitimos crescer o castigo será mais grave. Pode ser que nesta passagem se sublinhe tanto a necessidade da auto-renúncia para o indivíduo cristão como a necessidade de disciplina para a Igreja cristã.

O PASTOR E A OVELHA EXTRAVIADA
Estudo sobre Mateus 18:12-14

Sem dúvida esta é a mais simples das parábolas de Jesus visto que é o simples relato da ovelha perdida e do pastor que a busca. Na Judéia era tragicamente fácil as ovelhas se extraviarem. A terra para o pastoreio se encontra na região montanhosa que se estende como uma espinho dorsal pelo centro do país. Esta planície montanhosa é estreita, só tem alguns quilômetros de largura. Não há paredes que formem algum tipo de cerco ou borda. No melhor dos casos, o pasto é escasso. De maneira que é muito possível que as ovelhas se dispersem, e se se separam do pasto da planície para os terrenos baixos e gargantas a ambos os lados é mais que provável que terminem em algum penhasco do qual não podem sair para nenhum lado e que fiquem abandonadas ali até que morram.

Os pastores da Palestina eram especialistas em encontrar suas ovelhas. Eram capazes de seguir a pista da ovelha perdida durante vários quilômetros, e desafiavam precipícios e escarpados para devolvê-la ao redil.

Na Palestina, na época de Jesus, era costume os rebanhos pertencerem a uma comunidade; seu dono não era um indivíduo, mas sim uma aldeia. De maneira que em geral havia dois ou três pastores com as ovelhas. É por isso que o pastor podia deixar as noventa e nove.

Se as tivesse abandonado, sem um guardião ou um vigilante, à volta teria encontrado muito mais extraviadas, mas podia deixá-las a cargo de seus companheiros enquanto procurava a que se perdeu. Os pastores sempre faziam os esforços mais árduos e sacrificados para achar uma ovelha perdida. A norma estabelecia que, na medida do possível, se não se podia trazer a ovelha viva pelo menos era preciso levar a lã ou os ossos para demonstrar como havia morrido e que de fato tinha morrido.

Podemos imaginar que outros pastores retornariam à aldeia ao entardecer com seus rebanhos e anunciariam que um deles ainda estava na montanha procurando a que se extraviou. Podemos imaginar que os olhos dos habitantes dessa aldeia se dirigiriam uma e outra vez para as montanhas em busca do pastor que não tinha retornado a sua casa. E também podemos imaginar a exclamação de alegria quando o viam avançar pelo caminho principal da aldeia com o animal perdido sobre os ombros. E podemos imaginar que toda a aldeia se congregaria a seu redor com a maior alegria para ouvir o relato da ovelha perdida e achada. Neste pastor temos a imagem preferida de Jesus para referir-se a Deus e a seu amor.

Esta parábola nos ensina muitas coisas sobre o amor de Deus.

(1) O amor de Deus é um amor individual. As noventa e nove não eram suficientes; uma ovelha estava na montanha e o pastor não podia descansar até que a houvesse devolvido ao redil. Por mais numerosa que seja a família, o pai não pode desfazer-se de um só; não há um por quem ele não se importe. Deus é assim; não pode sentir-se feliz até que não reuniu até a última ovelha perdida.

(2) O amor de Deus é um amor paciente. As ovelhas são criaturas proverbialmente tolas. A ovelha não podia culpar a ninguém mais que a si mesma pelo perigo em que se colocou. Os homens têm certa tendência a ser impaciente com os insensatos. Quando estão em dificuldades tendemos a afirmar: "É culpa deles; eles o buscaram; não tenha lástima de nenhum tolo." Graças a Deus, Ele não é assim. A ovelha podia ter sido tola, mas de qualquer modo o pastor estava disposto a arriscar sua vida por ela. Os homens podem ser tolos, mas Deus ama até ao homem tolo que é o único culpado da dificuldade em que se encontra, de seu pecado e de sua tristeza.

(3) O amor de Deus é um amor que busca. O pastor não se contentou esperando que a ovelha voltasse; saiu a procurá-la. Isso é o que os judeus não podiam entender, nem podem entender até agora, a respeito da ideia cristã de Deus. O judeu estava disposto a reconhecer que se o pecador voltava, arrastando-se em forma miserável a sua casa, Deus o perdoaria. Mas nós sabemos que Deus é muito mais maravilhoso que isso, porque em Jesus Cristo Deus veio buscar aqueles que se separam do redil. Deus não se contenta esperando até que os homens voltem para lar, sai para buscá-los, custe o que custar.

(4) O amor de Deus é um amor que se alegra. Aqui não há nada mais que alegria. Não há recriminações; não se trata de receber com ressentimento e com ar de superioridade. Com freqüência aceitamos a um homem penitente, mas o fazemos com um sermão sobre moral e com uma indicação muito clara de que deve ver-se a si mesmo como um ser detestável. Também o confrontamos com a afirmação de que já não temos nada a ver com ele e que não temos a menor intenção de voltar a depositar nossa confiança nele. É humano não esquecer nunca o passado de alguém e lembrar sempre seus pecados. Deus põe nossos pecados a suas costas e quando voltamos para ele tudo é alegria.

(5) O amor de Deus é um amor protetor. É o amor que busca e salva. Pode haver um amor que arruína; pode haver um amor que abranda, mas o amor de Deus é um amor protetor que salva os homens para que possam servir a seu próximo, um amor que converte o extraviado em alguém sábio, o fraco em uma pessoa forte, o pecador em alguém puro, o cativo do pecado no homem livre da santidade, o vencido pela tentação em vencedor do pecado.

EM BUSCA DO EMPEDERNIDO
Estudo sobre Mateus 18:15-18

Esta é uma das passagens mais difíceis de interpretar de todo o evangelho de Mateus. Sua dificuldade radica no fato indubitável de que não parece certo, não soa como tendo saído de boca de Jesus. É muito mais parecida com as regulamentações de uma comissão eclesiástica do que com as palavras de Jesus Cristo.

Podemos ir mais longe. Não é possível que Jesus o haja dito na forma em que o lemos na atualidade. É muito legalista para tratar-se de um frase de Jesus; poderiam ser as palavras de qualquer rabino judeu. Jesus não pôde haver dito a seus discípulos que levassem o assunto à Igreja, porque esta não existia, e todo o tom da passagem implica uma igreja muito desenvolvida e organizada com um sistema de disciplina eclesiástica. A passagem se refere aos coletores de impostos e aos gentios como estranhos irredimíveis. Jesus era acusado pelo fato de ser amigo dos coletores de impostos e dos pecadores, e jamais falou deles como estranhos sem esperanças. Sempre falou deles com amor e compreensão, e inclusive os elogiou (veja-se Mateus 9:10ss.; 11:19; Lucas 18:10ss.; e em especial Mateus 21:31 ss.). Ali se diz textualmente que os publicanos e as prostitutas entrarão no Reino adiante das pessoas religiosas ortodoxas da época. E, por último, todo o tom da passagem indica que há um limite para o perdão, que chaga um momento em que outros podem abandonar a um companheiro como se se perderam as esperanças de salvá-lo; trata-se de um conselho inimaginável nos lábios de Jesus. E o último versículo, onde se fala de atar e desatar, parece dar à Igreja o poder de reter e perdoar os pecados. Há muitas razões que nos fazem pensar que, tal como está, esta não pode ser uma repetição das palavras de Jesus e que se deve tratar de uma adaptação de algo que Jesus disse, adaptação feita pela Igreja nos anos posteriores quando a disciplina da Igreja se apoiava mais em normas e regulamentações que na caridade e no perdão.

Mas embora seja indubitável que a passagem não é um resumo exato do que Jesus disse, tampouco se pode duvidar de que se remonta a algo que Jesus disse. Podemos então nos remontar mais à frente do relato e chegar ao mandamento que Jesus pronunciou? Em seu sentido mais amplo o que Jesus dizia era o seguinte: "Se alguém pecar contra vocês não poupem nenhum esforço para solucionar os problemas entre vocês e ele." Em essência, a passagem significa que jamais devemos tolerar nenhuma situação em que haja uma ruptura das relações pessoais entre nós e outro membro da comunidade cristã. Suponhamos que algo anda mal, o que devemos fazer para solucioná-lo? Esta passagem nos apresenta todo um esquema de ação para solucionar as relações interrompidas dentro da comunidade cristã.

(1) Se sentirmos que alguém nos ofendeu, devemos expressar nossa queixa imediatamente. O pior que podemos fazer a respeito de uma ofensa é alimentá-la dentro de nós. Isso é fatal. Pode envenenar a vida e o pensamento até que cheguemos ao ponto de não pensar mais que em nosso sentimento de ofensa pessoal. Qualquer sentimento desse tipo deve manifestar-se em forma aberta, enfrentá-lo e expressá-lo, e mais de uma vez o próprio fato de pô-lo em palavras nos demonstrará a futilidade e trivialidade de todo o assunto. Há momentos em que sofrer em um silêncio carregado de rancor é o pior que se pode fazer.

(2) Em segundo lugar, se sentirmos que alguém nos ofendeu devemos ir vê-lo pessoalmente. O escrever cartas provocou mais problemas que quase qualquer outra coisa. Uma carta se pode ler e interpretar mal, pode transmitir inconscientemente um tom que jamais esteve no espírito de seu autor. Se tivermos alguma diferença de opinião com alguém, há uma só forma de solucioná-lo: cara a cara. A palavra falada freqüentemente pode solucionar uma disputa que a palavra escrita só teria exacerbado.

(3) Se uma reunião particular e pessoal não obtém seu objetivo, devemos ir acompanhados de alguma pessoa prudente. Deuteronômio 19:15 o expressa assim: "Não se tomará em conta a uma só testemunha contra nenhum em qualquer delito nem em qualquer pecado, em relação com qualquer ofensa cometida. Só pelo testemunho de duas ou três testemunhas se manterá a acusação." Essa é a frase em que pensa Mateus. Mas neste caso o fato de levar uma testemunha não significa que se trata de demonstrar a alguém que pecou. O objetivo que se persegue ao levar duas ou três pessoas prudentes é ajudar no processo de reconciliação. Pode acontecer que nós sejamos, e não o outro, aqueles que estamos errados. Os homens costumam odiar mais àquelas pessoas a quem feriram, e pode acontecer que nada do que digamos chegue a convencer ao outro. Mas ao falar sobre o problema em presença de pessoas prudentes, amáveis e pormenorizadas criamos um clima novo no qual pelo menos se dá a possibilidade de que nos vejamos "como outros nos vêem". Os rabinos tinham uma frase muito sábia: "Não julgue sozinho, porque ninguém pode julgar sozinho, exceto Um (Deus)."

(4) Se isso também fracassar, devemos levar nosso problema pessoal à comunidade cristã. Por que? Porque os problemas nunca se resolvem indo à justiça ou por meio de discussões não cristãs. O legalismo não soluciona nada, não faz mais que criar mais dificuldades. As relações pessoais só podem resolver-se em uma atmosfera de oração cristã, de amor e companheirismo cristãos. É evidente que isso supõe que a comunidade cristã seja cristã e que trata de julgar as coisas, não à luz de um manual de práticas e procedimentos, mas à luz do amor.

(5) Agora é que chegamos à parte difícil da passagem. Mateus diz que se isso tampouco dá resultado devemos considerar o homem que nos ofendeu como um pagão e um publicano. Já vimos que a primeira impressão dessa frase é que se deve abandonar essa pessoa como alguém irrecuperável e sem esperanças. Isso é exatamente o que Jesus não quis e não pôde querer dizer. Jamais poderia ter estabelecido limites ao perdão humano. O que quis dizer então? Vimos que quando fala de coletores de impostos e pecadores sempre o faz com simpatia e generosidade e mostrando avaliação por suas qualidades positivas. Pode ser que o que disse Jesus fosse algo parecido com o seguinte: "Uma vez que tenham feito tudo isto, quando tiverem dado todas as oportunidades possíveis ao pecador e quando permanece contumaz e teimoso, podem pensar que não é melhor que um publicano renegado ou até que um gentio sem deus. Bem, possivelmente tenham razão. Mas eu não descobri que os coletores de impostos, os gentios e os pecadores sejam pessoas sem esperanças. Minha experiência me demonstra que eles também têm um coração ao que se pode chegar, como Mateus e Zaqueu que se converteram em meus melhores amigos. Embora o pecador contumaz se pareça com um publicano e com um gentio, vocês ainda podem ganhá-lo assim como o fiz eu." Não se trata, de fato, de uma ordem de abandonar a um homem; é um desafio para ganhá-lo com o amor que pode chegar até ao coração mais duro. Não se trata de uma afirmação no sentido de que alguns homens são irrecuperáveis; pelo contrário, afirma que Jesus Cristo não encontrou nenhum homem irrecuperável – e nós tampouco devemos fazê-lo.

(6) Por último nos encontramos com a afirmação a respeito de atar e desatar. Trata-se de uma frase difícil. Não pode significar que a Igreja pode reter e perdoar pecados e estabelecer nessa forma o destino das pessoas no tempo ou na eternidade. O que pode significar é que as relações que estabelecemos com nosso próximo duram, não só no tempo, mas também continuam na eternidade; por isso, devemos solucioná-las.

O PODER DA PRESENÇA
Estudo sobre Mateus 18:19-20

Aqui nos deparamos com uma das frases de Jesus cujo significado devemos aprofundar e compreender, ou não restará mais que dor no coração e uma grande desilusão. Jesus diz que se duas pessoas chegarem a um acordo sobre qualquer assunto sobre o qual orar, eles o receberão das mãos de Deus. Se se deve tomar a frase em sentido literal e sem condições nem qualificações, fica falsa. São inumeráveis as ocasiões em que duas pessoas concordaram em orar pelo bem-estar físico ou espiritual de um ser querido e sua oração não recebeu resposta no sentido literal do termo. Em inúmeras oportunidades o povo de Deus decidiu orar pela conversão de seu país, ou pela dos pagãos e pela vinda do Reino e sua oração ainda está muito longe de ter recebido algum tipo de resposta. As pessoas chegam a um acordo a respeito de uma oração comum, e oram com desespero, e não recebem o que pedem. Não tem sentido recusar enfrentar os fatos, e só se pode fazer um mal se se acostumar as pessoas a esperar algo que não acontece. Mas quando chegamos a compreender o sentido das palavras de Jesus, encontramo-nos com uma profundidade preciosa.

(1) Primeiro e sobretudo, significa que a oração nunca deve ser egoísta, e que a oração egoísta não pode receber resposta alguma. Não se espera que oremos por nossas necessidades, com nossos pensamentos enfocados sobre nós mesmos e ninguém mais; temos que orar como membros de uma comunidade, apoiados sobre um acordo, recordando que a vida e o mundo não estão organizados para nós como indivíduos, e sim para a comunidade como um tudo. Aconteceria com muita freqüência que, se nossa oração recebesse uma resposta, defraudaria a oração de outra pessoa. Mais de uma vez nossa oração para obter algum êxito implicaria inevitavelmente no fracasso de outro. A oração efetiva deve ser a oração apoiada num acordo do que se tirou por completo toda concentração egoísta sobre nossas necessidades e desejos.

(2) Quando a oração não é egoísta, sempre recebe uma resposta. Mas aqui, como em todas as partes, devemos lembrar a lei essencial da oração. Essa lei estabelece que na oração recebemos, não a resposta que desejamos, mas a resposta que em sua sabedoria e em seu amor Deus considera como a mais positiva para nós. Pelo simples fato de sermos seres humanos com corações, temores, e esperanças e desejos humanos, a maior parte de nossas orações são escapistas. Oramos para nos salvar de alguma prova, de alguma dor, de alguma frustração, ou de alguma situação difícil e dolorosa. E a resposta de Deus nunca consiste em nos oferecer uma escapatória, mas uma vitória. Deus não nos proporciona a oportunidade de escapar a uma situação humana; permite-nos aceitar o que não podemos compreender. Permite-nos suportar o que seria insuportável sem sua ajuda; permite-nos enfrentar o que não poderíamos enfrentar sem Ele, dá-nos sabedoria para tratar as coisas que não poderíamos dominar sem Ele. O exemplo perfeito de tudo isto é Jesus no Getsêmani. Jesus orou para ser livrado da espantosa situação que enfrentava; não foi liberto dela, mas recebeu o poder de enfrentá-la, de suportá-la e de vencê-la. Quando oramos sem egoísmo, Deus envia sua resposta, mas sempre se trata da resposta de Deus, não necessariamente a nossa.

(3) Jesus passa a afirmar que quando dois ou três estão reunidos em seu nome, Ele está em meio deles. Os judeus estavam acostumados a repetir: "Onde dois se sintam e se ocupam com o estudo da Lei, a glória de Deus está com eles." Podemos aplicar esta grande promessa de Jesus em dois campos.

(a) Podemos transladá-la à esfera da Igreja. Jesus está tão presente na pequena congregação como na reunião multitudinária. Está tão presente na reunião de oração ou no círculo de estudo bíblico com seu punhado de pessoas como no estádio repleto de gente. Jesus Cristo não é escravo do número. Está presente em qualquer lugar onde se reúnam corações fiéis, por poucos que sejam, porque se dá por inteiro a cada indivíduo.

(b) Podemos transladar a à esfera do lar. Uma das primeiras interpretações desta passagem assinalava que os dois ou três eram o pai, a mãe e o filho e que Jesus estava presente, hóspede invisível de cada lar.

Há pessoas que nunca entregam o melhor que têm exceto nas assim chamadas grandes ocasiões; mas para Jesus Cristo cada oportunidade em que dois ou três estão reunidos em seu nome é uma grande ocasião.

COMO PERDOAR
Estudo sobre Mateus 18:21-35

É muito o que devemos ao fato de que Pedro não tivesse freio na língua. Uma e outra vez Pedro soltava a fala e sua impetuosidade extraiu ensinos imortais de boca de Jesus. Nesta oportunidade Pedro pensava que era muito generoso e que agia bem. Perguntou a Jesus quantas vezes devia perdoar a seu irmão e logo respondeu a sua própria pergunta, sugerindo que devia perdoar sete vezes. Pedro tinha suas razões para fazer esta afirmação. Os rabinos ensinavam que um homem deve perdoar três vezes a seu irmão.

O rabino José Ben Hanina dizia: "Aquele que roga a seu vizinho que o perdoe não deve fazê-lo mais de três vezes." O rabino José Ben Jehuda dizia: "Se alguém cometer uma ofensa uma vez, perdoam-no, se cometer uma ofensa pela segunda vez, perdoam-no, se cometer uma ofensa pela terceira vez, perdoam-no, se a cometer pela quarta vez, não o perdoam." Encontravam a prova bíblica da correção desta medida em Amós. Nos primeiros capítulos de Amós se estabelece uma série de condenações para diferentes nações: Por três transgressões e por quatro (Amós 1:3, 6, 9, 11, 13; 2:1, 4, 6). Disto se deduziu que o perdão de Deus se estende a três ofensas e que se aproxima do pecador com algum castigo na quarta. Não se podia pensar que um homem fosse mais piedoso que Deus de maneira que se limitava o perdão a três ofensas. Pedro pensava que estava indo muito longe porque toma as três vezes rabínicas, multiplica-as por dois, adiciona uma e sugere, muito satisfeito consigo mesmo, que bastará perdoar sete vezes. Pedro esperava receber uma felicitação, mas a resposta de Jesus é que o cristão deve perdoar setenta vezes sete, que, de fato, não há limite para o perdão.

Depois Jesus relatou a história do servo a quem se perdoou uma grande dívida e saiu e tratou sem misericórdia a outro servo que lhe devia uma soma que era uma fração infinitesimal da que ele mesmo devia: por esta falta de misericórdia recebeu uma condenação total. Esta parábola ensina algumas lições que Jesus nunca se cansava de repetir.

(1) Ensina a lição que percorre todo o Novo Testamento – o homem deve perdoar para ser perdoado. Quem não perdoa a seu próximo, não pode pretender que Deus o perdoe. "Bem-aventurados os misericordiosos", disse Jesus, "porque eles alcançarão misericórdia" (Mateus 5:7). Depois de ensinar sua oração aos homens, Jesus ampliou uma das petições contidas nela: “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas” (Mat. 6:14-15). Como o expressa Tiago: “O juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia” (Tiago 2:13). O perdão humano e o divino devem ir de mãos dadas.

(2) E por que deve ser assim? Um dos pontos centrais desta parábola é a comparação entre as duas dívidas. O primeiro servo devia 10.000 talentos a seu senhor; um talento equivaleria a 560 dólares, portanto 10.000 talentos eram 5.600.000 dólares. É uma dívida incrível. Era superior ao orçamento total da província inteira. Este orçamento, que correspondia a Iduméia, Judeia e Samaria somava só 600 talentos; o ingresso total de uma província rica como Galileia, só chegava a 300 talentos. Encontramo-nos com uma dívida que superava o resgate de um rei. Esta foi a dívida que foi perdoada ao servo. A dívida que seu companheiro lhe devia era ínfima: 100 denários; um denário equivalia a menos de um centavo de dólar, portanto a dívida não chegava a somar 10 dólares. Era quase um para 500.000 de sua própria dívida.

A. R. S. Kennedy elaborou esta imagem muito vívida para estabelecer o contraste entre as duas dívidas. Se as dívidas fossem pagas em moedas de meio centavo de dólar, a dívida de 100 denários se podia levar no bolso. A dívida de dez mil talentos precisaria ser levada por um exército de umas 8.600 pessoas, cada um com um saco de moedas de meio centavo, de uns trinta quilos de peso; e partindo a um metro de distância formaria uma fila de quase nove quilômetros. O contraste entre as dívidas é esmagador. E o que se deve destacar é que nada do que os homens nos façam pode comparar-se com o que nós fazemos a Deus, e se Deus nos perdoou nossas dívida, nós devemos perdoar as dívidas de nosso próximo. Nada do que nós temos que perdoar se pode comparar em forma vaga ou remota com o que nos perdoou.

Fomos perdoados de uma dívida que está além de todo pagamento –porque o pecado do mundo provocou a morte do próprio Filho de Deus – e, sendo assim, devemos perdoar a outros como Deus nos perdoou, ou não podemos esperar encontrar misericórdia alguma.