Interpretação de Deuteronômio 32
Deuteronômio 32
32:1 A invocação dos céus e terra deve ser entendida como uma intimação a que sejam testemunhas da aliança, uma vez que Moisés acabou de declarar que esse foi exatamente o propósito da assembleia de Israel para ouvir o hino (cons. 31:28).32:2 A aliança e a sabedoria estão aqui reunidas quando Moisés identifica este hino como a minha doutrina, ou, meus ensinamentos, uma palavra comum na literatura da Sabedoria. O hino apresenta verdadeira sabedoria porque o seu tema é o temor do Senhor, o grande Deus de Israel (v. 3).
32:4-6 O hino é uma teodiceia (cons, comentários a respeito de 31:19 e segs.).
32:4 Com isto em vista, a identificação do Senhor está em termos de Sua perfeita justiça. A Rocha. Este epíteto contempla a Deus como o refúgio digno de confiança do Seu povo (cons. vs. 15, 18, 30). O hebraico sur, usado assim para com Deus, pode derivar da raiz que significa “montanha” (cons. gwr ugarita). Em contraste com a justiça de Deus fica a perversidade dos israelitas, esses “filhos de Deus” (cons. Dt. 32:6, 18 e segs.; 14:1; Êx. 4:22 e segs.) que eram na realidade seus não-filhos (32: 5a, lit.; cons. “não-deuses”, v.21, e “não-povo”, v.21). Isto introduz a responsabilidade principal do hino, isto é, que o pecado de Israel fornecia uma explicação inteiramente adequada para todo o mal que lhe poderia sobrevir.
32:6. Povo louco e ignorante. De acordo com o motivo da sabedoria, o pecado é considerado loucura (cons. vs. 28, 29). Não é ele teu pai, que te adquiriu? (Criou). A referência é ao fato do Senhor ter feito de Israel um povo teocrático pela eleição e redenção no Egito.
32:7a. Lembra-te dos dias da antiguidade. Assim começa a seção do prólogo histórico do hino. O fato do versículo 8 se referir à providência divina, voltando aos acontecimentos de Gênesis 10 e 11, explica a perspectiva histórica de Dt. 32:7a.
32:8. Fixou os termos... segundo o número... de Israel. Assim como Paulo ensina que Cristo governa sobre todas as coisas em benefício de Sua igreja, Moisés afirma que o Senhor interessava-se de maneira especial pelas necessidades geográficas da numerosa descendência de Abraão, no Seu providencial governo de todas as nações (cons. Gn. 10:32), puis Israel era Seu povo eleito (Dt. 32:9; cons. 7:6; 10:15). De acordo com uma tradução apoiada pela LXX e fragmentos do Qumran, “filhos de Deus” poderia substituir filhos de Israel. Aqueles que preferem esta tradução defendem a tradição mítica de que El, cabeça do panteão cananita, tinha setenta filhos, alegando o fato de que Gên. 10 menciona setenta nações; e eles concluem dizendo que esta correspondência numérica é a que foi mencionada em Dt. 32:8. Do mesmo modo, os comentaristas judeus, seguindo o texto massorético, vêem uma correspondência entre as setenta nações de Gênesis 10 com os setenta israelitas de Gn. 46:27.
Tendo estabelecido a herança de Israel em Canaã desde os dias da antiguidade, o Senhor os levou, nos dias de Moisés, à posse de suas riquezas (Dt. 32:10-14).
32:10. Achou-o. O Senhor, vindo buscar e salvar aquilo que estava perdido, encontrou Israel sem lar e desamparado no deserto. Como a menina dos seus olhos. Ele cuidou do Seu povo tão zelosamente quanto um homem cuida daquilo que lhe é mais precioso, ou como uma águia cuida de sua ninhada (v. 11). A figura poderia ser interpretada em relação ao livramento do Egito como também relativamente à orientação dada em Canaã.
32:12b. Não havia com ele deus estranho. Considerando que o Senhor era o único benfeitor de Israel, sua subsequente transferência de fidelidade a outros deuses (v. 15 e segs,) era manifestamente indesculpável.
32:13a. Ele o fez cavalgar sobre os altos da terra. Israel avançou na força do Senhor em majestoso triunfo através da Transjordânia (cons. 2:31 e segs.) e por sobre a montanhosa Canaã, para que festejasse por causa de todas as melhores ofertas de campos e rebanhos (vs. 13b, 14).
32:15-18 Na qualidade de seu Suserano, o Senhor exigiu, primeiramente, lealdade perfeita e exclusiva. Como um animal indomável, Israel engordou nas ricas pastagens, recusando-se a submeter-se.
32:15 Jeshurum, o justo, foi aqui usado recriminadoramente. Em seu arrogante desprezo pela Rocha de sua salvação, o povo de Israel pagou seu tributo sacrificial aos antideuses fantásticos.
32:17a Santificam a demônios que não eram deuses (RSV), dos quais nada receberam e dos quais até esse momento jamais ouviram falar. Tão execrável foi sua ingratidão, que preferiam esses novos reis-deuses à Rocha que lhes demonstrara o amor de pai (v.18a) e mãe (v. 18b).
32:19-25 Na Aliança do Sinai, anexa à estipulação que proibia deuses-ídolo rivais, havia a advertência: “Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso” (Dt. 5:9; Êx. 20:5). Deus responde à infidelidade no relacionamento da aliança com algo parecido ao ardente zelo conjugal de um homem cuja esposa foi infiel (Dt. 32:21, cons. v. 16). A lei prescrevia a morte para a adúltera. As maldições da aliança ameaçavam Israel com a extinção se ela fizesse o papel de prostituta com os falsos deuses de Canaã (cons. 31:16 e segs.). Do fogo do ciúme divino não se escapa; Ele queima até ao mais profundo do inferno (32: 22), o lugar dos mortos.
32:19, 20. (Ele) os desprezou... e disse: Esconderei... o meu rosto. Aplicando o princípio da lex talionis, Deus rejeitaria Israel e retiraria Sua proteção. Ele despertaria o ciúme de Israel através de um povo que não é povo (v. 21; cons. Ef. 2:12). Isto é, Ele garantiria a um povo que desconhecia o favor da Sua aliança, a vitória sobre os filhos em quem não há lealdade (v. 20b).
32:23. Amontoarei males sobre eles. Nos versículos 23-25 as maldições da aliança, especialmente a pestilência, a fome e a espada, os terrores que vinham junto com o clímax do cerco e do exílio, estão sendo postos em destaque (cons. cap. 28). Nisso residiria o triunfo daquele que não é povo. Como resultado do cerco, Israel seria removida do reino de Deus, vindo a se tomar ela mesma, aquela que não é povo (cons. Os. 1:9). No desvendamento adicional da revelação redentiva, Deus ia prometer uma renovação de Sua misericórdia por meio da qual aquele que não é povo viria a ser novamente o “meu povo” (cons. Os. 1:10; 2:23). E Paulo interpretou-a, já realizada na entrada dos gentios como também dos judeus na Nova Aliança em Cristo Jesus (Rm. 9:25, 26). Dentro desse aspecto, Paulo também dá uma interpretação à idéia do ciúme de Israel por causa do favor que Deus demonstrou para com os gentios (Rm. 11:11 e segs.; cons. 10:19). O Hino do Testemunho de Moisés, já por si mesmo, antecipa a misericórdia redentora e as bênçãos que estão além das preditas maldições de Israel (veja Dt. 32:26-43 ).
32:26-43 Agora chama-se a atenção para a nação inimiga que golpearia sem misericórdia tanto a cabeça das crianças como a dos velhos.
32:27. A nossa mão tem prevalecido. Para que o inimigo não viesse a interpretar a vitória sobre Israel erradamente, negando ao Senhor a honra que Lhe é devida (cons. Is. 10:5 e segs.). Ele imitaria a matança a Israel (Dt. 32:26). Do ponto de vista das maldições da aliança, isto seria um adiamento da vingança divina contra Israel. A preservação de um remanescente para que não seja aniquilado, está assim enraizado no zelo divino por Sua própria glória. Ao mesmo tempo, a vindicação final do Seu povo, que seria feita através da preservação de um remanescente, brota da compaixão de Deus por ela (v. 36).
32:29a. Oxalá fossem eles sábios! então entenderiam isto. O tolo inimigo deveria saber que sua fácil vitória sobre Israel, o protetorado convencional do Suserano dos céus e da terra, devia-se ao aborrecimento dEste para com Israel (vs. 19 e segs., 30). O versículo 31 é uma interjeição parentética de Moisés, reforçando a irrefutabilidade de 32:30 com a eliminação da possibilidade de que o deus do inimigo fosse o responsável pela vitória. Sobre o versículo 31b, veja Êx. 14:25 ; Nm. 23 e 24; Js. 2:9, 10; I Sm. 4:8; 5: 7 e segs.; Dn. 4:34 e segs.
32:29b. Além disso, se o inimigo fosse sábio, atentariam para o seu fim. Este tema continua no versículo 32 e segs. Sua arrogância se transformaria em tremor, se entendessem que o Deus de Israel, que julgou até o Seu próprio povo com ira abrasadora, certamente os julgaria também com justiça estrita (v. 34) por causa de sua depravação e crueldade (vs. 32, 33). O maior dos males da nação inimiga seria o de estar em inimizade com o povo de Deus. Porque, embora isto representasse a vara da ira de Deus contra Israel, seus próprios motivos e propósitos seriam bastante diferentes (cons. 27b; Is. 10:7 e segs.).
32:35, 36a. Considerando isto, o juízo divirto sobre o inimigo seria um ato de vingança e vindicação do seu povo, e... seus servos. Assim o hino retorna habilmente ao seu tema principal de Israel e as sanções da aliança, e dá a entender que as bênçãos finais se seguirão à penúltima maldição. Com relação à citação que o N.T. faz de 32: 35, 36, veja Rm. 12:19 e Hb. 10:30.
32:36b. O seu poder se foi. Só quando o Seu povo se encontrasse tão desamparado como quando pela primeira vez Ele o encontrou (v. 10), só então Deus interviria no julgamento redentor. O perdão, contudo, só seria concedido quando fossem confrontados com os seus pecados (vs. 37, 38) e fossem assim levados à tristeza e ao arrependimento piedoso, confiando no Senhor, a sua verdadeira e única Rocha.
32:39. Eu mato, e eu faço viver. Prometendo vir em juízo como o Salvador dos Seus servos, o Senhor se identifica como Deus único e Soberano absoluto (cons. v. 12; 4: 35, 39; 5:6a; Is. 43:1-13).
32:40. Levanto a minha mão aos céus. Assim como o Senhor acrescentou um juramento à promessa na Aliança Abraâmica, jurando por Si mesmo, pois nau há nenhum outro (cons. Is. 45:22, 23; Hb. 6:13), de que o Seu juízo seria terrível contra aqueles que O odiassem (Dt. 32:41,42; cons. v.35; Is. 63:1 e segs.). No versículo 42, a terceira cláusula completa a primeira; a quarta, a segunda.
32:43 O hino termina com a perspectiva do júbilo sobre o juízo de Deus que envolve ambos, a retribuição ao inimigo e a expiação de toda a culpa dentro do reino de Deus. Uma vez que as nações são universalmente chamadas para participarem da alegria da salvação de Deus, o horizonte desta esperança é claramente a era messiânica, quando todas as nações da terra encontrarão bênçãos na semente de Abraão.
32:44-47 O comissionamento de Josué e as instruções referentes ao trino do Testemunho foram dados juntamente com a revelação especial no santuário (31:14-23), e significativamente Josué foi associado com Moisés na proclamação do hino a Israel (32:44). Moisés selou o recital com o apelo final à comunidade da aliança a que cultivasse em suas sucessivas gerações a fidelidade à aliança, que em seu resumo dentro do hino foi uma testemunha de Deus para Israel (v. 46). A conclusão das sanções (30:15 e segs.) faz eco na advertência de que isto era uma questão da própria vida de Israel (32:47).
32:48 Naquele mesmo dia. Foi ao aproximar-se o fim do dia da cerimônia da renovação (cons. 1:3-5; 27:11; 31:22) que Moisés subiu a este monte de Abarim, ao monte Nebo (49a), para ali morrer. Sobre a morte de Arão no Monte Hor, veja 10:6 ; Nm. 20:22 e segs.; 33:37, 38.
32:51. Porquanto prevaricastes. Sobre o pecado que desqualificou Moisés de entrar em Canaã, veja 1:37; 3;26; 4:21; Nm. 20:10 e segs.; 27:14. O cumprimento desta ordem está descrito em Dt. 34:1e segs.
No antigo Oriente Próximo, as bênçãos finais pronunciadas por um pai moribundo aos seus filhos era um testamento legal irrevogável, aceito como prova decisiva em disputas nos tribunais. No caso dos patriarcas bíblicos, a autoridade e potência de suas bênçãos finais derivava do Espírito de profecia que havia neles, falando em forma testamentária (cons. os casos de Isaque, Gn. 27, e Jacó, Gn. 49). Como pai espiritual e teocrático das doze tribos, Moisés pronunciou suas bênçãos para eles, exatamente antes de subir ao monte para morrer (Dt. 33:1), e assim suas palavras constituíram o seu testamento. Até onde o Deuteronômio constituía uma garantia dinástica, Josué na qualidade de sucessor de Moisés era o herdeiro da aliança. Também era verdade, no entanto, que todos os israelitas eram filhos adotivos de Deus, e portanto herdeiros das bênçãos do Seu reino que estava sendo dispensado através do Seu servo Moisés. Torna-se impossível simplesmente equiparar as formas da aliança e do testamento sem um drástico empobrecimento e distorção do conceito da aliança. Mas na medida em que as bênçãos prometidas na aliança redentora de Deus não podem ser herdadas à parte da morte de quem faz a promessa, essa aliança inclui como um dos seus aspectos o principio testamentário.
O testamento poético de Moisés contêm três partes: a) uma introdução, descrevendo a glória do Senhor ao declarar a Sua realeza na doação de Sua aliança teocrática a Jeshurum (vs. 2-5); b) a benção das tribos, na forma de orações, doxologias, imperativos e predições (vs. 625); e c) uma conclusão, louvando a Deus, o majestoso Protetor de Jeshurum (vs. 26-29). [Para um estudo útil dos problemas textuais neste capítulo e uma nova tradução, veja F.M. Cross e D.N. Freedman, The Blessing of Moses, JBL 67 (1948), 191-210.]
Índice: Deuteronômio 1 Deuteronômio 2 Deuteronômio 3 Deuteronômio 4 Deuteronômio 5 Deuteronômio 6 Deuteronômio 7 Deuteronômio 8 Deuteronômio 9 Deuteronômio 10 Deuteronômio 11 Deuteronômio 12 Deuteronômio 13 Deuteronômio 14 Deuteronômio 15 Deuteronômio 16 Deuteronômio 17 Deuteronômio 18 Deuteronômio 19 Deuteronômio 20 Deuteronômio 21 Deuteronômio 22 Deuteronômio 23 Deuteronômio 24 Deuteronômio 25 Deuteronômio 26 Deuteronômio 27 Deuteronômio 28 Deuteronômio 29 Deuteronômio 30 Deuteronômio 31 Deuteronômio 32 Deuteronômio 33 Deuteronômio 34