Provérbios 18: Significado, Teologia e Exegese
Provérbios 18
Provérbios 18 se destaca por sua análise profunda das relações interpessoais, do poder da fala e da natureza da sabedoria em face do isolamento e da tolice. A mensagem geral do capítulo ressalta que as palavras têm um impacto imenso — tanto para construir quanto para destruir —, que a verdadeira força reside na humildade e no controle da língua, e que a sabedoria é um refúgio e uma fonte de vida. No hebraico original, o texto emprega uma mistura de paralelismo antitético (contrastando ideias opostas) e sintético (complementando ideias), criando um ritmo que enfatiza a concisão e a gravidade de cada máxima.Essa profunda preocupação com o impacto da comunicação, a importância da humildade e a busca por refúgio em Deus encontra eco significativo no Novo Testamento. Jesus frequentemente alertou sobre o poder da língua (Mateus 12:36-37), e apóstolos como Tiago dedicaram extensos trechos à disciplina da fala e à sabedoria que vem do alto (Tiago 3:1-18), mostrando a continuidade dos princípios divinos sobre a conduta e a comunicação humanas.
📝 Resumo de Provérbios 18
Provérbios 18 inicia com a tendência do isolamento e o valor do conhecimento. Nos vv. 1–3, o texto sugere que quem se isola busca seus próprios desejos egoístas e se opõe a toda a sabedoria prática. O tolo, por sua vez, não se deleita no entendimento, mas apenas em expressar suas próprias opiniões insensatas. A impiedade atrai a desonra, e a vergonha acompanha o desprezo, evidenciando as consequências sociais da má conduta.Já nos vv. 4–8, a sabedoria explora a profundidade das palavras e a força da reputação. As palavras de um homem podem ser como águas profundas, uma fonte de sabedoria que brota como um ribeiro que flui. Não é correto ser parcial com o ímpio, privando o justo de seus direitos. Os lábios do tolo trazem contenda, e sua boca atrai a punição. As palavras de um fofoqueiro são como iguarias que descem ao mais íntimo do ser, e as palavras do caluniador podem causar danos profundos. O texto conclui que o negligente em seu trabalho é tão prejudicial quanto o destruidor.
No que se refere ao refúgio do forte e o poder da língua, em Pv 18:9–12, a sabedoria aponta que o nome do Senhor é uma torre forte para os justos, onde eles encontram segurança. A riqueza para o rico é uma cidade fortificada e uma muralha protetora, em sua própria imaginação. Antes da honra, vem a humildade, enquanto o coração altivo precede a ruína. É ressaltado que responder antes de ouvir é tolice e motivo de vergonha.
Em seguida, nos vv. 13–16, a sabedoria aborda a paciência e a adaptabilidade do espírito humano. Aquele que responde a uma questão antes de ouvi-la completamente demonstra sua insensatez. O espírito de um homem pode sustentar suas fraquezas e enfermidades, mas um espírito quebrado não consegue se reerguer. O coração do entendido busca conhecimento, e o ouvido dos sábios anseia por aprendizado. Um presente pode abrir caminho para uma pessoa, levando-a à presença de grandes homens.
Ainda sobre a busca da justiça e a importância da testemunha, em Pv 18:17–19, a sabedoria ensina que a primeira parte em um pleito parece justa até que a outra parte compareça e apresente seus argumentos. A sorte pode resolver contendas e separar até os mais poderosos. Um irmão ofendido é mais difícil de reconquistar do que uma cidade fortificada, e as contendas entre eles são como as trancas de um castelo, difíceis de romper.
Os provérbios seguintes, nos vv. 20–21, destacam o poder da fala e suas consequências para a vida. O homem se satisfaz com o fruto de sua boca, e o produto de seus lábios o sustenta. A vida e a morte estão no poder da língua, e aqueles que amam falar colherão seus frutos.
Finalmente, as bênçãos do casamento e a verdadeira amizade concluem o capítulo. Em Pv 18:22–24, encontrar uma esposa é encontrar o bem e receber o favor do Senhor. O pobre usa súplicas, mas o rico responde com dureza. Há amigos que podem levar à ruína, mas também existe um amigo que se mostra mais chegado e leal do que um irmão, representando a profundidade de uma amizade verdadeira.
📖 Comentário de Provérbios 18
Provérbios 18.1 Este provérbio condena aqueles que seguem os seus próprios padrões e desejos, totalmente alheios a verdadeira sabedoria, por motivos egoístas. Reclusos assim são tão intolerantes com quem discorda deles que encontram defeitos na verdadeira sabedoria. O termo “antissocial” (niprād) vem do verbo prd, que sugere “alguém que está dividido, interna ou externamente”. Nossa tradução opta pela primeira, pois o versículo descreve aqueles que estão focados internamente em seus próprios desejos, mas tal foco os separaria naturalmente da comunidade. No segundo cólon, eles são definidos por sua postura contra a sabedoria, já que “desenvoltura” está relacionada à sabedoria. Em 2:7, observamos que Deus dá desenvoltura, que Fox define como “um poder interior que ajuda alguém a escapar de um aperto”. [Fox, Proverbs 1–9, p. 114.]Provérbios 18.2 O tagarela compulsivo nunca da ouvidos. Só se detém para pensar no que vai falar a seguir. A cada vez que ele fala, confirma o tolo que é. O versículo sugere que os tolos estão novamente (veja o versículo anterior) interessados apenas em seus próprios desejos e ideias. Eles não têm paciência para alcançar os objetivos associados à sabedoria (para competência, veja 2:2), nem querem ouvir pessoas com competência. Eles só querem deixar escapar o que estão em suas mentes, assim “revelando seus corações”. Como aponta Van Leeuwen, no entanto, o pensamento é irônico, pois em outro lugar aprendemos que o tolo “falta de coração” (ver 11:12). [Van Leeuwen, “Proverbs,” p. 172.]
Provérbios 18.3 Este versículo é um alerta contra brincar com o mal. A pessoa simplesmente não tem ideia do que esta mexendo quando toma parte com a perversidade. O versículo mostra uma progressão iniciada pela maldade. A maldade leva ao desprezo. O segundo dois pontos substitui “vergonha”, um sinônimo próximo de “desprezo”, e leva o pensamento adiante, sugerindo que insultos se seguirão.
Provérbios 18.4 As palavras “fonte da sabedoria” se assemelham a expressão manancial de vida (Pv 10.11; 13.14; 14.27; 16.22). O provérbio não se aplica a todas as pessoas e sua fala, mas à fala dos sábios. O que eles dizem reflete pensamentos profundos e às vezes misteriosos, exigindo reflexão e interpretação. A imagem da água sugere que as palavras do sábio são vivificantes. A segunda vírgula em particular retrata isso. As palavras do sábio são como um wadi borbulhando ou fluindo com água. Tal observação implica que os ouvintes prestam atenção ao discurso do sábio. Esta leitura do provérbio sugere que dois pontos são contínuos e de apoio, não em contraste com os dois pontos 1. Outra leitura interpreta as “águas profundas” de dois pontos como inacessíveis e confusas, em contraste com as palavras dos sábios em dois pontos.
Provérbios 18.5 A injustiça é extremamente comum. Muitos provérbios condenam esta atitude (Pv 17.23). Este provérbio apoia outros que condenam julgamentos impróprios em um contexto legal (16:10; 17:23; 19:28; etc.). Levantar a cabeça inclinada do suplicante é um gesto de perdão; afastar uma pessoa acusada é um gesto de rejeição ou de condenação. Ainda recentemente, em 17:23, observamos um provérbio que menciona um motivo para mostrar favor ao ímpio e estender a justiça: um suborno. Provérbios está interessado em resultados adequados para ações perversas e justas. A lei proíbe subverter a justiça em Lev. 19:15 e Dt. 10:17. Para outros ditos que determinam uma ação “não boa”, veja 16:29 ; 17:26.
Provérbios 18.6 Uma das marcas do tolo é sua capacidade de provocar confusão pelo muito falar. Quanto mais ele fala, mais contendas promove. Brigas, conflitos, repreensões, acusações são, na melhor das hipóteses, um último recurso para os sábios, que tentam afastar a raiva com uma palavra gentil ou amável (15:1). Tolos são aqueles que estão preparados para uma discussão. O termo “acusação” (rîb) é uma palavra legal e pode sugerir tal contexto, mas o princípio é muito mais amplo. Em todo caso, suas palavras trarão uma briga; a palavra “golpes” sugere um confronto físico. O que tolos dizer desencadeia socos.
Provérbios 18.7 A boca do tolo torna-se uma armadilha para ele mesmo por disparar palavras insensatas, que trazem destruição (Pv 14.3). A moral dessa observação é clara: a fala (representada pelas partes concretas do corpo “boca” e “lábios”) dos tolos lhes traz grande dano. Eles dizem coisas que os colocam em apuros ou em brigas. A fala sábia ajuda as pessoas a sair de problemas; a fala tola os mergulha no perigo. Este provérbio é semelhante ao anterior, embora mais geral. Ligado ao verso anterior, há um quiasmo: lábios, boca, boca, lábios.
Provérbios 18.8 As palavras do linguareiro [“caluniador”, na NVI] (Pv 16.28) são como doces deliciosos. Embora sejam agradáveis ao paladar, acabam com a saúde da pessoa. É divertido dar ouvidos a fofoca, mas tais histórias ferem o íntimo do ouvinte — sua alma. Os sábios costumam falar contra fofocas e rumores (veja também 11:13; 17:4; bem como o mesmo 26:22). Rumores são relatos negativos sobre outras pessoas baseados em evidências incertas. Eles se espalham para ferir as pessoas, não para ajudá-las. A fofoca pode acabar sendo verdadeira, mas isso não exonera aqueles que a falam para os outros. Se verdadeiro, então o relatório está sendo entregue a pessoas inapropriadas em um momento inapropriado. Mesmo sendo tão prejudiciais, as pessoas muitas vezes acham irresistíveis as palavras da fofoca, e este provérbio compara a fofoca a uma boa comida que é difícil de não comer, mas uma vez comida, ela penetra profundamente na pessoa.
Provérbios 18.9 O termo negligente refere-se à uma pessoa que é reconhecidamente desmazelada, ao preguiçoso (Pv 15.19). A palavra “desperdiçador” significa senhor da destruição. Este provérbio carece de um pouco do soco satírico do grupo que critica a preguiça, mas certamente concorda com o sentimento. Quem é preguiçoso prejudica a si mesmo e aos outros. A observação é uma advertência implícita para trabalhar duro. Os preguiçosos são, em última análise prejudicial para sociedade.
Provérbios 18.10, 11 A expressão “nome do Senhor” (v. 10) é uma forma de falar da pessoa de Deus, sendo aqui destacada como alto retiro, proteção divina, um tema recorrente nas Escrituras (Sl 91.1-4). O justo se volta a Deus por segurança. O rico, pelo contrário, tende a confiar em sua fazenda [“riqueza”, na NVI] (Pv 18.11; Lc 12.13-21).
Provérbios 18:10 Este versículo parece vir dos Salmos, com sua afirmação do poder protetor do nome do Senhor e, portanto, do próprio Senhor. A segunda vírgula pode descrever o comportamento da pessoa justa como uma forma de determinar se ela é justa. O uso de imagens militares no próximo provérbio nos convida a lê-los juntos.
Provérbios 18:11 Este versículo também fala sobre confiança, mas está em contraste com o versículo anterior. Assim como os justos confiam na proteção de Deus, os ricos confiam em suas próprias riquezas. Com as posses vem a sensação de que se pode comprar qualquer coisa necessária, mas isso não é verdade. Só Deus pode proteger alguém dos perigos.
Este versículo também deve ser lido em conjunto com 10:15, onde se diz:
As riquezas dos ricos são sua cidade forte;
a ruína dos pobres é a sua pobreza.
É verdade que a riqueza pode nos ajudar a lidar com alguns problemas da vida, mas nos decepciona nas questões fundamentais da vida.
Provérbios 18.12 A palavra hebraica traduzida como “eleva-se”, geralmente com conotação negativa, também pode ser usada de forma positiva, significando “coragem” e “bravura” (2 Cr 17.6). O caminho para a honra, tão ambicionada pelos orgulhosos, é a humildade. O orgulho resiste à correção e, portanto, o orgulhoso não muda comportamentos e atitudes destrutivas. Embora as pessoas orgulhosas se considerem grandes, elas serão derrubadas pela vida. Por outro lado, os humildes estão abertos à correção e têm maior probabilidade de alcançar o tipo de sucesso que leva à honra. Para ensino semelhante em Provérbios, veja 16:18 e 15:33b para repetições de cola 1 e 2, respectivamente. Para o ensino de que a humildade é o caminho certo, veja também 11:2 e 29:23.
Provérbios 18.13 Ter a habilidade de comunicar-se não apenas contribui para boas relações interpessoais, como também ajuda a adquirir sabedoria à medida que se permite prestar atenção e compreender o que os outros têm a dizer. Algumas pessoas, porém, não estão interessadas em ouvir os demais ao redor. Concentram-se em si mesmo, pensam que tem todas as respostas e reagem sem ouvir. Este tipo de atitude e burrice, além de ser uma infâmia.
Os tolos falam impulsivamente, sem realmente ouvir e refletir sobre o que ouvem (veja também 15:28; 19:2; 20:18, 25; 21:5; 29:20). Eles dizem tudo o que vem à mente, e o que vem à sua mente vazia é particularmente vazio. Os tolos balbuciam todo tipo de coisas que os colocam em apuros e ganham a reputação de estúpidos, e dessa forma eles são humilhados. Alguns comentaristas acreditam que esta declaração encontra seu cenário primário no tribunal, mas isso não está claro na linguagem.
Provérbios 18.14 Este provérbio afirma o valor de saber enfrentar as dificuldades. Sugere que uma pessoa equilibrada emocionalmente e alegre pode aumentar a resistência as adversidades e ajudar a enfrentá-las (Pv 15.13; 17.22; Is 66.2). Este provérbio novamente (ver 15:13 e 17:22) faz uma observação sobre a relação entre o estado psicológico da mente e a saúde do corpo. Não há forte dualismo corpo-alma no AT, com certeza. A ideia de que uma atitude positiva pode ter um efeito positivo na saúde de uma pessoa é amplamente reconhecida ainda hoje, assim como a ideia inversa de que a depressão ou a ansiedade (entre os estados de espírito que podem ser sinalizados por “espírito abatido”) podem piorar uma condição física.
Provérbios 18.15 A busca por conhecimento é insaciável nos sábios. O tolo mal se incomoda em fazê-lo. O sábio não para de aprender; o tolo mal começa. É o sábio que cresce em conhecimento. É preciso ter uma predisposição para aprender para realmente aprender ; não há nada de mágico nisso. O provérbio assume que o ensino virá ouvindo a sabedoria de um professor. Ver também 15:14a.
Provérbios 18.16 Existe um poder no presente; o da abertura de uma porta de valor aparentemente inestimável. Uma vez que a pessoa tenha passado pela porta, o resto é com ela. Mas ao menos a porta esta aberta. Este provérbio comenta sobre os benefícios de um presente dado na hora certa e no lugar certo. Esses presentes podem, de fato, tornar pessoas importantes acessíveis para fazer um acordo. Em outro lugar, um “suborno” (šōḥad) é desencorajado, mas aqui o “presente” (mattān) parece receber um comentário positivo, pelo menos à primeira vista. É possível que o subtexto do provérbio seja crítico a essa forma de acesso às pessoas não por mérito, mas pela força de um presente, que em última análise é um suborno.
Provérbios 18.17 Quando alguém conta sua versão de um fato, apresenta argumentos que a priore parecem consistentes. No entanto, ao ser questionado, pode-se descobrir que a realidade é um pouco diferente do que foi relatado. Todos tendem a apresentar versões que melhor atendem os seus próprios interesses, mas nem todos poderão resistir a arguição do observador imparcial. Esta observação visa desencorajar julgamentos precipitados, especialmente em um processo judicial. As aparências podem ser enganosas e, portanto, questões críticas precisam ser levantadas para estabelecer a veracidade ou falsidade do testemunho. Embora o cenário principal pareça ser o tribunal, o princípio se aplica de forma mais ampla.
Provérbios 18.18 Sempre que duas partes concordam sobre o método de melhor resolver uma contenda, este método servirá para alcançar a paz. Jogar é melhor forma de salvar um tolo de sua insensatez, mas não há garantias de que sempre cairá. De acordo com a sabedoria dos sábios, conflitos e brigas criam desordem e devem ser evitados. Talvez surpreendentemente, o lote é mencionado como uma forma de suprimir o conflito. No entanto, deve-se lembrar que em 16:33, a sorte expressa uma decisão divina e não é simplesmente fruto do acaso.
Seria particularmente importante resolver os conflitos entre pessoas poderosas porque suas divergências poderiam levar aos danos mais generalizados, não apenas para si mesmos como indivíduos, mas também para a sociedade em geral. Na narrativa, o único exemplo do povo de Deus usando a sorte está em um contexto, tipicamente com o Urim e o Tumim (Êxodo 28:30), onde se diz explicitamente que Deus está envolvido. No entanto, a maioria dos comentaristas acredita que o contexto anterior deste ditado implica que o lote é pensado para resolver casos judiciais difíceis, embora não haja evidências de que isso aconteça fora desse contexto. [Van Leeuwen, “Proverbs,” p. 174.]
Provérbios 18:19 Essa observação é um aviso implícito para evitar conflitos por causa dos problemas intratáveis que surgirão. “Irmão” pode se referir a um relacionamento biológico ou a algum outro tipo de relacionamento próximo. Se ocorrer uma ruptura nesse relacionamento, será difícil chegar à resolução por causa de ressentimentos. Um irmão ofendido pode fechar qualquer abertura de relacionamento como uma cidade forte, levantando uma barreira resistente à aproximação, como uma cidade-fortaleza cujo portão foi reforçado por uma tranca.
O Salmo 55 (ver especialmente os vv. 12–14, 20–21) registra a profunda angústia do salmista, e o salmo reflete seu desejo pela destruição do traidor. O Salmo 133 fornece o mesmo tipo de observação, mas de uma perspectiva positiva. Se o conflito entre irmãos é ruim, então a união entre irmãos é incrivelmente recompensadora.
Provérbios 18:20 O provérbio observa que uma pessoa encontra satisfação na fala, presumivelmente edificante, fala justa. O provérbio provavelmente deve ser entendido figurativamente. Assim como a comida satisfaz a fome física, as palavras também satisfazem a fome intelectual e espiritual. O versículo, no entanto, também pode ser entendido literalmente como sugerindo que a capacidade de falar bem e beneficiar os outros ajudará a pessoa a ganhar a vida. Não está totalmente claro se a pessoa que está satisfeita é quem recebe um bom conselho ou quem o dispensa.
Provérbios 18:21 O primeiro cólon é relativamente claro. O que uma pessoa diz terá consequências sérias e até mesmo de vida ou morte para a pessoa. Esse provérbio diz que “a morte e a vida estão no poder da língua”, ou seja, aquilo que a gente fala pode tanto destruir quanto construir. Em hebraico, as palavras para “morte” e “vida” são māweth e ḥayyîm. São dois extremos: um é fim, dor, perda; o outro é começo, força, alegria. E o que impressiona é onde o texto coloca essas duas forças: na mão da língua. Isso mesmo — o provérbio diz bəyaḏ lāšôn, ou seja, a língua tem uma mão, tem poder, tem domínio. É como se nossas palavras fossem ações que tocam o mundo.
E isso não é exagero.
A Bíblia está cheia de textos que mostram que palavras não são só sons: elas podem ferir como uma espada, como diz Provérbios 12:18, ou podem curar. O que sai da nossa boca tem peso, tem direção, e vai bater em alguém ou em alguma coisa. Tiago, no Novo Testamento, falou com muita força sobre isso. Ele disse que a língua é como um fogo, um mundo inteiro de injustiça, e que com ela a gente tanto louva a Deus quanto amaldiçoa pessoas (Tiago 3:5–10). Essa é exatamente a ideia aqui em Provérbios: falar não é só um ato inocente. É um ato moral, espiritual, e às vezes, até perigoso. Isso aparece também no Salmo 64, que diz que os maus “afiam a língua como uma espada”. Em outras palavras, falar pode ser um ato de guerra. Isso muda a maneira como a gente vê o que diz, porque mostra que palavras criam realidades — boas ou ruins.
A segunda parte do versículo continua nesse mesmo tom: “os que amam a língua comerão do seu fruto.” A expressão em hebraico traz a ideia de ʾōhăḇeihā, ou seja, aqueles que têm prazer, que gostam de falar, que vivem pela língua. E aí vem a consequência: vão comer o fruto do que disseram. A palavra hebraica para “fruto” aqui é perî, que tem esse sentido bem direto de colheita, de resultado. Então, quem vive pela palavra, vai colher os efeitos dela — bons ou ruins. Esse “fruto” pode ser algo doce ou algo amargo. E essa mesma ideia aparece várias vezes na Bíblia. Provérbios 13:2, por exemplo, fala que “do fruto da boca o homem comerá o bem”. Já Provérbios 1:31 mostra o outro lado: diz que quem escolhe o mal vai “comer o fruto do seu caminho”. É como se cada palavra fosse uma semente, e mais cedo ou mais tarde, você vai colher o que plantou. Jesus também disse algo parecido: em Mateus 12:36-37, ele avisa que vamos prestar contas de cada palavra inútil que dissermos, e que nossas palavras podem nos justificar ou nos condenar. Isso mostra que o jeito como falamos não é só questão de boa educação, é questão de vida ou morte. A boca revela o coração — como Jesus também disse (Lucas 6:45) — mas não só isso: ela também molda o que vai acontecer com a gente.
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O poder das suas palavras: vida e morte estão no poder da língua em Provérbios 18. |
No fim das contas, esse versículo resume o tema central de todo o capítulo 18 de Provérbios: o poder da fala e a responsabilidade que temos com o que dizemos. Se você olhar o capítulo inteiro, vai ver que vários versículos falam sobre palavras, fofoca, discussão, julgamento apressado, falsidade. Tudo gira em torno da ideia de que a língua é uma arma — ou uma ponte. Pode causar destruição ou trazer reconciliação. É como o leme de um navio, que Tiago menciona: pequeno, mas capaz de mudar o rumo da embarcação inteira. O ensino aqui é simples, mas profundo: fale com consciência, porque você está semeando vida ou morte cada vez que abre a boca. Esse provérbio não é só um conselho ético. Ele é uma chamada para despertar. Ele está dizendo: “Ei, você! Cuidado com o que você diz, porque o que sai da sua boca vai voltar pra você.” E não é só uma volta moral. É espiritual. É relacional. É existencial. Falar é um ato sagrado. E é por isso que Jesus, lá na cruz, mesmo com toda dor, escolheu palavras que davam vida: “Pai, perdoa-lhes.” A língua dele era uma fonte de vida até o fim. Esse é o exemplo que Provérbios 18:21 quer que a gente siga.
Provérbios 18:22 O livro de Provérbios como um todo tem muito a dizer sobre a mulher certa, embora muito do ensino seja sobre como evitar a mulher errada e seja encontrado nos capítulos. 1–9 (ver caps. 5–7). Este versículo destaca a importância de uma boa esposa ao afirmar que ela é um dom divino. Na introdução, observamos que o ensino de Provérbios sobre a diferença entre uma boa esposa e uma mulher estranha reflete a diferença entre um relacionamento com a Sabedoria personificada e a Loucura, linguagem figurada que acaba por apontar para o conflito entre a verdadeira e a falsa religião. De fato, Whybray aponta que a linguagem de encontrar uma esposa reflete a linguagem de 8:35b, que se refere a encontrar a Sabedoria da Mulher. [Whybray, Proverbs, p. 274.]
A linguagem de encontrar uma esposa também antecipa a parte final do livro, o chamado “poema da mulher valente” (31:10–31). No contexto do livro, podemos recorrer a esse poema para entender a substância por trás da frase “boa esposa”. Clifford aponta corretamente que dois pontos 1 enfatiza o esforço humano em que um homem tem que encontrar a esposa, enquanto dois pontos 2 enfatiza a graça divina. [Clifford, Proverbs, p. 174.]
Provérbios 18:23 O versículo faz uma observação de que os pobres pedem ajuda e os ricos respondem às suas súplicas “com força”. No entanto, a força exata de parte da linguagem e a atitude que o provérbio deseja transmitir não são claras. A observação poderia ter uma abordagem positiva em relação aos pobres e negativa em relação aos ricos. Os pobres pedem ajuda, mas os ricos respondem “com força”, rude ou insensivelmente. É possível que o oposto seja a posição do provérbio: os pobres podem ser vistos negativamente e os ricos positivamente. Os pobres estendem as mãos, mas os ricos não cedem aos seus pedidos miseráveis. Afinal, a pobreza é muitas vezes, mas nem sempre, vista como resultado de um comportamento tolo. Talvez a melhor compreensão desse provérbio, porém, esteja de acordo com a atitude expressa em 30:5–9, que reconhece problemas com riquezas e pobreza. Assim, a pobreza e a riqueza colocam as pessoas em conflito umas com as outras, e o melhor estado é que todos tenham apenas o suficiente.
Provérbios 18:24 Este provérbio observa diferentes gradações de amizade. A primeira fala de quem quer passar um tempo com uma pessoa, enquanto a segunda descreve uma relação de maior intimidade e intensidade. Esses amigos são tão próximos que sua relação supera até a relação biológica de irmãos.
🙏 Devocional de Provérbios 18
Provérbios 18, com sua rica tapeçaria de máximas sobre a língua, a sabedoria e a insensatez, oferece lições perenes que ressoam em diversas esferas da vida contemporânea. Ao aplicar seus princípios, podemos cultivar relacionamentos mais saudáveis, liderar com maior discernimento e agir com mais sabedoria em nossa sociedade.
Cautela e Valorização do Bom Nome
Para os filhos, Provérbios 18 ecoa a importância de dar ouvidos à instrução e evitar as armadilhas da fala impensada. “O insensato não tem prazer na inteligência, mas só em que se manifeste o seu coração” (v. 2) é um alerta claro contra a precipitação em falar o que se pensa, sem antes refletir sobre as consequências. A sabedoria para os jovens reside em buscar o conhecimento, ouvir conselhos e guardar a própria boca, pois “o homem de entendimento não tem por bem a iniquidade” (v. 13). Ao invés de se isolar em seus próprios interesses (v. 1), os filhos devem cultivar um bom nome, que é mais valioso que riquezas.
Sabedoria na Liderança e Justiça Familiar
Aos pais, o capítulo oferece uma bússola para a liderança do lar. A “torre forte” (v. 10) que é o nome do Senhor serve de refúgio, lembrando que a verdadeira segurança familiar vem da dependência divina, não apenas dos recursos materiais. A responsabilidade de educar os filhos em sabedoria é enfatizada pela advertência de que “o que responde antes de ouvir é loucura e desonra para ele” (v. 13), um princípio crucial para a comunicação parental. Pais sábios ouvem, discernem e julgam com justiça, pois “o que justifica o ímpio e o que condena o justo, ambos são abomináveis ao Senhor” (Provérbios 17:15, um princípio interligado que se aplica aqui). A justiça começa em casa, e o discernimento dos pais molda o caráter dos filhos.
O Poder da Palavra e a Comunhão
Para os cristãos, Provérbios 18 ressalta a centralidade da Palavra. “A boca do tolo é a sua própria ruína, e os seus lábios, o laço da sua alma” (v. 7) serve como um lembrete vívido do poder destrutivo da fofoca, da crítica impensada e da mentira. A sabedoria divina, que se manifesta na prudência da fala, é um escudo contra divisões e mal-entendidos. Os cristãos são chamados a usar suas palavras para edificar, encorajar e trazer vida, lembrando que “as palavras da boca do homem são como águas profundas” (v. 4). A comunhão genuína floresce onde há respeito pelo outro, paciência em ouvir e uma língua controlada pelo Espírito.
Edificação e Unidade
No contexto da comunidade eclesiástica, Provérbios 18 clama por discernimento e prudência. O “separar-se” (v. 1) em busca de “desejo egoísta” é um perigo que pode fragmentar a unidade do corpo de Cristo. Membros da igreja são exortados a serem pacientes, a não julgarem precipitadamente e a buscar a reconciliação, pois “o irmão ofendido é mais difícil de conquistar do que uma cidade forte” (v. 19). A sabedoria aqui é um chamado à humildade, ao ouvir antes de falar, e a usar a palavra para construir pontes, não muros, promovendo a paz e a edificação mútua em amor.
Discernimento e Integridade no Púlpito
Aos pregadores, pastores e líderes religiosos, Provérbios 18 impõe uma grave responsabilidade
. A boca que proclama a Palavra deve ser uma fonte de vida e conhecimento, não de destruição (v. 7). A sabedoria é a principal ferramenta para discernir os corações e ministrar com eficácia, evitando a armadilha de responder sem ouvir ou de proferir palavras que causam contenda. Um líder religioso precisa ser a personificação da justiça e da prudência, pois “o tolo não tem prazer na inteligência, mas só em que se manifeste o seu coração” (v. 2) é uma tentação para usar o púlpito para autoafirmação em vez de glorificar a Deus. A reputação do pastor e a autoridade de sua mensagem dependem de sua integridade em palavras e ações.Diligência e Reputação Profissional
No ambiente corporativo, para os funcionários, Provérbios 18 enfatiza a importância da diligência e da integridade no trabalho. A preguiça e a falta de zelo resultam em ruína, enquanto a dedicação e o trabalho árduo constroem um futuro sólido. “O que negligencia na sua obra é irmão do que desperdiça” (v. 9) serve como uma advertência contra a ociosidade. A sabedoria para o empregado reside em zelar pelo que lhe é confiado, em ser confiável em suas palavras e em construir uma reputação de excelência, pois um “bom nome” é um patrimônio valioso no mercado de trabalho.
Justiça Social e Paz Civil
Para os cidadãos no geral, as verdades de Provérbios 18 são pilares para a construção de uma sociedade justa e pacífica. A voz do “insensato” (v. 2) que fala sem discernimento pode gerar discórdia e polarização. A justiça (v. 5) e a retidão devem prevalecer nos tribunais e nas interações sociais, pois a perversão do direito (como o suborno, v. 16) mina os alicerces da comunidade. A sabedoria, que reside na escuta atenta e na reflexão, é essencial para o debate público construtivo. Como cidadãos, somos chamados a ser agentes de paz, a controlar nossas palavras em conversas e mídias sociais, e a defender a justiça, pois uma sociedade onde a boca dos tolos impera e a justiça é pervertida é uma sociedade em colapso. A “torre forte” (v. 10) aqui se estende à esperança em um governo justo e à confiança em princípios éticos que elevem a nação.
✡️✝️ Comentário dos Rabinos e Pais Apostólicos
✡️ Rashi (Rabbi Shlomo Yitzchaki, séc. XI)Provérbios 18:1 — “O insensato busca a sua própria vontade; contra todo conselho se mostra.”
“Rashi explica que o insensato age segundo seus próprios desejos egoístas e rejeita conselhos sábios, o que o leva à solidão e à ruína.”
Comentário: A rejeição da sabedoria e da orientação externa, por orgulho ou teimosia, é vista como uma característica do insensato que se isola socialmente e perde oportunidades de crescimento.
Fonte: Rashi on Proverbs 18:1 (Sefaria)
✡️ Malbim (Rabbi Meir Leibush ben Yehiel Michel, séc. XIX)
Provérbios 18:21 — “A morte e a vida estão no poder da língua; e aquele que a ama comerá do seu fruto.”
“Malbim enfatiza o poder das palavras para construir ou destruir, afirmando que a fala sábia pode promover vida e saúde, enquanto a maledicência leva à morte e ao dano.”
Comentário: As palavras têm peso espiritual e social, podendo influenciar profundamente as relações humanas. A sabedoria está em controlar a língua para produzir bons frutos na vida.
Fonte: Malbim on Proverbs 18:21 (Sefaria)
✡️ Midrash Mishlei (מדרש משלי)
Provérbios 18:24 — “O homem que tem amigos deve mostrar-se amigo; e há amigo mais chegado do que um irmão.”
“O Midrash Mishlei interpreta que a amizade verdadeira é aquela em que há dedicação e reciprocidade, sendo possível encontrar laços que superam até mesmo os de sangue.”
Comentário: Esta passagem ressalta o valor da amizade genuína e da lealdade mútua, que são qualidades essenciais para relações duradouras e profundas.
Fonte: Midrash Mishlei 18 no Sefaria
✝️ Orígenes (grego)
Provérbios 18:10 — “Ὄνομα Κυρίου πύργος ἰσχυρός· εἰσελεύσεται δίκαιος εἰς αὐτὸν καὶ ὑψωθήσεται.”
(“O nome do Senhor é uma torre forte; o justo corre para ela e está seguro.”)
«Ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ Κυρίου τὸ καταφύγιον καὶ ἡ σωτηρία· εἰ γὰρ ἐπικαλεσόμεθα αὐτόν ἐν πίστει, ὡς πύργος ἀκατάλυτος φυλάξει ἡμᾶς.»
(“No nome do Senhor está o refúgio e a salvação; pois, se O invocarmos com fé, como uma torre indestrutível nos guardará.”)
Comentário:
Orígenes destaca a força protetora do nome divino, interpretando a metáfora da torre como imagem da salvação segura para quem confia em Deus.Fonte: Origenes, Commentarii in Proverbia, PG 13:720-725
✝️ Clemente de Alexandria (latim)
Provérbios 18:12 — “Ante ruinam exaltatur cor hominis...”
(“Antes da ruína eleva-se o coração do homem...”)
«Qui se exaltat in corde suo, iam cecidit; nam superbia initium ruinae est, humilitas autem praevenit gloriam.»
(“Aquele que se exalta em seu coração já caiu; pois o orgulho é o princípio da ruína, mas a humildade precede a glória.”)
Comentário: Clemente reforça o tradicional ensinamento cristão sobre o perigo da soberba e a necessidade da humildade para alcançar a verdadeira glória.
Fonte: Clemens Alexandrinus, Stromata, PG 8:410-415
✝️ Eusébio de Cesareia (grego)
Provérbios 18:21 — “Θάνατος καὶ ζωή ἐν χειρὶ γλώσσης...”
(“A morte e a vida estão no poder da língua...”)
«Ἡ γλῶσσα δυνάμεται τὰ μέγιστα· εἴτε εἰς ζωὴν εἴτε εἰς θάνατον· διὰ τοῦ λόγου ὁ Χριστός ζωοποιεῖ, καὶ διὰ λόγου ἀνθρωπίνου πλείστα φονεύονται.»
(“A língua possui o maior poder: para a vida ou para a morte; por meio da Palavra, Cristo dá vida, mas também, pela palavra humana, muitos perecem.”)
Comentário: Eusébio relaciona o poder da linguagem com a Palavra de Cristo, que vivifica, mas também adverte sobre o uso destrutivo das palavras humanas.
Fonte: Eusébios, Demonstratio Evangelica, PG 22:1190-1195
✝️ Santo Agostinho (latim)
Provérbios 18:24 — “Vir amicans ad societatem magis amicus erit quam frater.”
(“O homem que tem amigos deve mostrar-se amigável; há amigo mais chegado do que um irmão.”)
«Amicitia vera superat consanguinitatem: nam qui amicum habet in Christo, habet fratrem spiritu nobiliorem quam carne.»
(“A verdadeira amizade supera o parentesco: pois quem tem um amigo em Cristo possui um irmão mais nobre do que pelo sangue.”)
Comentário: Agostinho eleva a amizade espiritual acima dos vínculos naturais, sublinhando a comunhão cristã como um laço mais profundo que a consanguinidade.
Fonte: Augustinus, De Civitate Dei, PL 41:275-280
📚 Comentários Clássicos Teológicos
📖 Matthew Henry (1662–1714)Henry destaca que este capítulo aborda os efeitos poderosos da fala, da sabedoria e da imprudência nas relações humanas. Ele observa que Provérbios 18 ressalta tanto a força como a fraqueza da linguagem, seu potencial para edificar ou destruir.
No versículo 1, Henry fala sobre o isolacionismo do tolo que busca se afastar da comunidade e das pessoas sábias, alertando para o perigo do egoísmo e da obstinação.
Sobre o versículo 2, ele comenta que o tolo não deseja sabedoria nem compreensão, mas apenas expressar sua própria opinião, refletindo um coração orgulhoso e insensato.
O capítulo enfatiza, no versículo 10, a segurança encontrada no “nome do Senhor”, a verdadeira fortaleza em tempos de adversidade, sendo um ponto central para a fé.
Henry chama atenção para o versículo 13, onde ele destaca a falha de quem responde precipitadamente antes de ouvir, algo que gera muitos problemas e desentendimentos.
Ele ressalta ainda a importância da humildade na comunicação, como em 18:21, onde “a morte e a vida estão no poder da língua”, mostrando que nossas palavras têm consequências eternas.
No versículo 24, Henry fala da importância da verdadeira amizade, baseada em lealdade e amor, contrastando com amizades superficiais que acabam em desavenças.
Este capítulo, para Henry, é um manual de instruções para o controle da fala, a busca pela sabedoria e o cultivo de relacionamentos sábios e duradouros.
Fonte: Matthew Henry Commentary on Proverbs 18
📖 John Gill (1697–1771)
Gill inicia seu comentário destacando o tema do isolamento voluntário do tolo, interpretando o versículo 1 como um aviso contra o afastamento da comunhão fraterna e da sabedoria.
Sobre o versículo 2, ele enfatiza a impaciência do insensato que não busca compreender, mas quer apenas manifestar seu próprio pensamento, confirmando a natureza egoísta do tolo.
Gill interpreta o versículo 10 como uma afirmação do poder protetor do nome do Senhor, associando-o às imagens de fortalezas e altas torres na cultura hebraica.
Ele desenvolve a ideia do versículo 13, destacando que responder antes de ouvir é sinal de insensatez e leva a erros e confusão, um princípio aplicável em todas as idades.
No versículo 21, Gill destaca que as palavras têm poder para gerar vida ou morte, sendo instrumento de bênção ou maldição, e que os sábios devem aprender a controlar a língua.
No versículo 24, Gill observa que uma verdadeira amizade é rara e preciosa, e que amigos falsos são como espinhos que ferem; ele enfatiza o valor da fidelidade no relacionamento.
Assim, para Gill, Provérbios 18 é um compêndio de ensinamentos práticos para a vida social e espiritual, incentivando o domínio próprio e o amor fraterno.
Fonte: John Gill's Exposition of the Bible on Proverbs 18
📖 Albert Barnes (1798–1870)
Barnes analisa a linguagem deste capítulo focando na importância da comunicação sábia e no perigo da fala precipitada e egoísta.
No versículo 1, ele destaca que o “homem que se aparta” é aquele que rejeita conselhos e evita a convivência, um comportamento contrário à sabedoria.
Barnes explica no versículo 2 que o tolo não deseja sabedoria, mas apenas “exprimir seu próprio coração”, refletindo orgulho e autossuficiência.
No versículo 10, Barnes ressalta que o “nome do Senhor” é apresentado como refúgio seguro, destacando a fé como proteção espiritual.
Ele comenta que o versículo 13 ensina a prudência de ouvir antes de falar para evitar erros e mal-entendidos.
No versículo 21, Barnes chama a atenção para o grande poder da língua: ela pode causar vida ou morte, confirmando o valor do autocontrole na fala.
Barnes conclui que Provérbios 18 é um alerta para a prudência na comunicação, valorizando a escuta atenta e a palavra sábia, e a importância da amizade verdadeira.
Fonte: Albert Barnes' Notes on the Whole Bible on Proverbs 18
📖 Keil (1807–1888) & Delitzsch (1813–1890)
Keil & Delitzsch oferecem uma análise exegética profunda do texto hebraico de Provérbios 18, destacando o vocabulário e as construções que expressam os temas do capítulo.
No versículo 1, eles destacam o verbo נָפַל (nafal), “cair, afastar-se”, usado para descrever o homem que se isola, e interpretam isso como uma atitude de rebelião contra a comunhão social e a instrução divina.
O versículo 2 traz a palavra חָכְמָה (chochmah, “sabedoria”) contrastada com לֵב (lev, “coração”), indicando que o tolo não busca a sabedoria racional, mas apenas “expõe” seu coração impulsivo.
No versículo 10, o termo שֵׁם יְהוָה (Shem Yahweh, “nome do Senhor”) é comentado como símbolo do poder e proteção divinos, uma “torre forte” (מָצוּד, matsud) para os justos.
Eles analisam o verbo עָנָה (anah, “responder”) em 18:13, mostrando que responder antes de ouvir é um ato de insensatez e falta de prudência, característico do tolo.
No versículo 21, o substantivo מָוֶת (mavet, “morte”) e חַיִּים (chayyim, “vida”) ressaltam a dualidade e a responsabilidade do homem sobre suas palavras, que podem construir ou destruir.
Quanto ao versículo 24, o substantivo רֵעַ (rea, “amigo, companheiro”) é estudado no contexto das relações sociais, ressaltando a importância da verdadeira amizade como apoio e proteção, em contraste com amizades superficiais.
Keil & Delitzsch concluem que este capítulo é um ensinamento sobre a importância do domínio da língua, da busca pela sabedoria e da valorização das relações humanas sinceras, sempre com base na palavra original hebraica que evidencia nuances do texto.
Fonte: Keil & Delitzsch Commentary on Proverbs 18
📚 Concordância Bíblica
🔹 Provérbios 18:1 – “Busca seu próprio desejo aquele que se separa; ele se insurge contra toda sabedoria.”📖 Tiago 3:14–16
“Se, pelo contrário, tendes em vosso coração inveja amarga e sentimento faccioso, nem vos glorieis disso, nem mintais contra a verdade. Essa não é a sabedoria que desce lá do alto, antes é terrena, animal e demoníaca.”
Comentário: O versículo de Provérbios denuncia o isolamento voluntário por orgulho ou obstinação, algo que Tiago chama de “sabedoria terrena”, que promove desordem e egoísmo.
🔹 Provérbios 18:2 – “O tolo não tem prazer na sabedoria, mas só em que se manifeste aquilo que agrada o seu coração.”
📖 2 Timóteo 4:3–4
“Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina... amontoarão mestres segundo os seus próprios desejos.”
Comentário: Paulo descreve os tempos em que as pessoas rejeitarão a verdade para seguir aquilo que confirma suas próprias ideias — exatamente o comportamento do tolo segundo Provérbios.
🔹 Provérbios 18:3 – “Vindo o perverso, vem também o desprezo; e com a ignomínia, a vergonha.”
📖 Judas 1:18
“Nos últimos tempos haverá escarnecedores, andando segundo suas ímpias paixões.”
Comentário: Tanto Judas quanto Provérbios associam a chegada dos ímpios com o surgimento do escárnio e da vergonha pública.
🔹Provérbios 18:4 – “Águas profundas são as palavras da boca do homem; ribeiro transbordante, a fonte da sabedoria.”
📖 João 7:38
“Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva.”
Comentário: Assim como Provérbios associa a sabedoria à abundância de águas, Jesus usa a imagem de rios de água viva para descrever o Espírito que fala por meio dos seus.
🔹 Provérbios 18:5 – “Não é bom ter respeito à pessoa do ímpio para derribar o justo em juízo.”
📖 Tiago 2:1–4
“...não façais acepção de pessoas...”
Comentário: Provérbios e Tiago denunciam a parcialidade no julgamento, especialmente em favor dos ímpios ou dos ricos, o que corrompe a justiça.
🔹 Provérbios 18:6 – “Os lábios do tolo entram na contenda, e a sua boca brada por açoites.”
📖 Provérbios 10:8
“O sábio de coração aceita os mandamentos, mas o tolo de lábios será derrubado.”
Comentário: A repetição em Provérbios mostra que o discurso precipitado atrai violência e punição, pois reflete a insensatez do coração.
🔹 Provérbios 18:7 – “A boca do tolo é a sua própria destruição, e os seus lábios um laço para a sua alma.”
📖 Mateus 12:37
“Porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado.”
Comentário: Jesus confirma que a palavra revela o coração e pode ser instrumento de salvação ou destruição, conforme o princípio de Provérbios.
🔹 Provérbios 18:8 – “As palavras do maldizente são como bocados doces, que descem ao íntimo do ventre.”
📖 Tiago 3:6
“A língua também é um fogo; é o mundo da iniquidade.”
Comentário: A maledicência é tratada por Tiago como uma fonte destrutiva, que atinge profundamente o interior, em harmonia com Provérbios.
🔹Provérbios 18:9 – “O que é negligente na sua obra é também irmão do desperdiçador.”
📖 Mateus 25:26
“Servo mau e negligente!”
Comentário: A parábola dos talentos reforça a responsabilidade pessoal. Jesus trata a negligência como pecado, alinhando-se com a sabedoria proverbial.
🔹 Provérbios 18:10 – “Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio.”
📖 Salmo 61:3
“Pois tens sido um refúgio para mim, uma torre forte contra o inimigo.”
Comentário: Tanto os Salmos quanto Provérbios apresentam o nome do Senhor como proteção inviolável para os justos, símbolo de segurança espiritual.
🔹 Provérbios 18:11 – “A fazenda do rico é sua cidade forte, e como um muro alto na sua imaginação.”
📖 1 Timóteo 6:17
“Não ponham a esperança na incerteza das riquezas...”
Comentário: Paulo e Provérbios desmascaram a falsa segurança oferecida pelas riquezas. O “muro alto” é apenas imaginário.
🔹 Provérbios 18:12 – “Antes da ruína eleva-se o coração do homem; e diante da honra vai a humildade.”
📖 Lucas 14:11
“Todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado.”
Comentário: A sabedoria de Provérbios ecoa diretamente nas palavras de Jesus, exaltando a humildade como caminho para a verdadeira honra.
🔹 Provérbios 18:13 – “Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha.”
📖 Tiago 1:19
“Todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar...”
Comentário: Tiago ensina a mesma ética da escuta e reflexão que Provérbios preconiza como caminho de sabedoria.
🔹 Provérbios 18:14 – “O espírito firme sustém o homem na sua doença, mas o espírito abatido, quem o levantará?”
📖 2 Coríntios 4:16
“...ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior se renova de dia em dia.”
Comentário: Paulo aponta que é o espírito interior, fortalecido por Deus, que sustém o ser humano em tempos de aflição — paralelo ao espírito firme de Provérbios.
🔹 Provérbios 18:15 – “O coração do sábio adquire o conhecimento, e o ouvido dos sábios busca a ciência.”
📖 Colossenses 1:9–10
“...que sejais cheios do pleno conhecimento da sua vontade em toda sabedoria e entendimento espiritual.”
Comentário: Paulo deseja para os crentes a busca ativa da sabedoria, como também incentiva Provérbios.
🔹Provérbios 18:16 – “O presente do homem alarga-lhe o caminho e leva-o perante os grandes.”
📖 Gênesis 32:20
“Eu o aplacarei com o presente que vai adiante de mim...”
Comentário: Jacó usa um presente para abrir caminho ao encontro com Esaú. Provérbios mostra como dádivas podem influenciar relações e criar oportunidades.
🔹Provérbios 18:17 – “O que primeiro começa o seu pleito justo parece; porém vem o seu companheiro e o examina.”
📖 João 7:51
“Porventura a nossa lei julga um homem sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele faz?”
Comentário: Nicodemos apela à justiça imparcial, que ouve os dois lados, refletindo o princípio de Provérbios.
🔹 Provérbios 18:18 – “A sorte faz cessar os pleitos e separa os poderosos.”
📖 Atos 1:26
“Lançaram sortes, e caiu a sorte sobre Matias...”
Comentário: O lançamento de sortes era prática reconhecida para resolução de disputas e decisões, como forma de confiar o julgamento à soberania divina.
🔹 Provérbios 18:19 – “O irmão ofendido é mais difícil de conquistar do que uma cidade forte...”
📖 Mateus 5:23–24
“Vai primeiro reconciliar-te com teu irmão...”
Comentário: Jesus reforça a urgência da reconciliação, pois o coração magoado pode se tornar uma fortaleza impenetrável, como ensina Provérbios.
🔹 Provérbios 18:20 – “Do fruto da boca de cada um se fartará o seu ventre...”
📖 Provérbios 12:14
“Pelo fruto da boca o homem se farta do bem...”
Comentário: A boca é tanto fonte de recompensa como de destruição. O uso sábio da palavra traz colheita de frutos.
🔹 Provérbios 18:21 – “A morte e a vida estão no poder da língua; e aquele que a ama comerá do seu fruto.”
📖 Tiago 3:5–6
“A língua, sendo um pequeno membro, contamina todo o corpo...”
Comentário: A língua tem um poder desproporcional. Assim como Provérbios declara, ela pode gerar vida ou morte.
🔹 Provérbios 18:22 – “O que acha uma esposa acha o bem e alcança a benevolência do Senhor.”
📖 Efésios 5:25
“Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja...”
Comentário: Paulo eleva o matrimônio como dom de Deus e sinal de graça, conforme afirma Provérbios.
🔹 Provérbios 18:23 – “O pobre fala com rogos, mas o rico responde com dureza.”
📖 Tiago 2:6
“Porventura não são os ricos que vos oprimem...?”
Comentário: Tiago denuncia o desprezo dos ricos pelos pobres, confirmando o contraste de atitudes previsto em Provérbios.
🔹 Provérbios 18:24 – “O homem de muitos amigos pode chegar à ruína, mas há amigo mais chegado do que um irmão.”
📖 João 15:13
“Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.”
Comentário: Jesus é o Amigo mais chegado que um irmão. Ele encarna o ideal do verdadeiro amigo apresentado por Provérbios.
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Índice: Provérbios 1 Provérbios 2 Provérbios 3 Provérbios 4 Provérbios 5 Provérbios 6 Provérbios 7 Provérbios 8 Provérbios 9 Provérbios 10 Provérbios 11 Provérbios 12 Provérbios 13 Provérbios 14 Provérbios 15 Provérbios 16 Provérbios 17 Provérbios 18 Provérbios 19 Provérbios 20 Provérbios 21 Provérbios 22 Provérbios 23 Provérbios 24 Provérbios 25 Provérbios 26 Provérbios 27 Provérbios 28 Provérbios 29 Provérbios 30 Provérbios 31