Interpretação de Atos 15

Atos 15

15:1-35 O sucesso da missão gentia salientou agora o mais importante problema da igreja primitiva – o do relacionamento entre os crentes judeus e gentios e os termos da admissão dos gentios na igreja. Antigamente, a igreja consistira de judeus, e a missão gentia não fora prevista apesar da comissão de nosso Senhor. Filipe levou o Evangelho aos samaritanos, e Pedro, depois de preparado por Deus, venceu seus escrúpulos judeus e levou o Evangelho a Cornélio, passando a ter plena comunhão com os gentios. A organização de uma igreja em Antioquia e o sucesso da missão gentia na Galácia focalizou a atenção agora sobre um problema que tinha de ser resolvido.

Na igreja de Jerusalém existia um partido que insistia que os gentios que não fossem circuncidados segundo o costume de Moisés não eram salvos nem podiam fazer parte da igreja. O versículo 5 indica que esse partido consistia de fariseus convertidos, a mais escrupulosa seita de judeus. Esse partido encarava o cristianismo como um movimento dentro do Judaísmo. Guardavam todas as práticas e costumes da Lei, apenas acrescentando o Evangelho da morte e ressurreição de Jesus como o Messias Judeu prometido. Ao que parece os crentes judeus não abandonaram suas práticas judias quando se tornaram cristãos. Os convertidos fariseus, entretanto, insistiam que os gentios também deviam se tornar judeus para depois poder se tornar cristãos.

Esse problema já tinha surgido na igreja. Se, conforme parece mais provável, Gl. 2:1-10 descreve a visita por ocasião da fome de Atos 11:27-30 (para exposição do ponto de vista alternante, que Gl. 2:1-10 descreve um aspecto da reunião do concílio de Atos 15, veja coment. de Gl. 2:1 e segs. - Editor), então os líderes de Jerusalém aprovaram em princípio a missão de Paulo aos gentios e não insistiram na circuncisão para os convertidos gentios. Pedro concordou com essa política; pois algum tempo depois, quando ele foi à Antioquia, demonstrou ter aprendido a lição que lhe foi ensinada pela visão do céu, e ele comeu livremente com os gentios convertidos (Gl. 2:11, 12). Duas igrejas diferentes existiam agora: a igreja judia em Jerusalém, na qual os cristãos judeus, tinham a liberdade de continuarem praticando a lei do V.T. como judeus, entretanto, não como cristãos; e a igreja gentia de Antioquia, onde nenhuma das exigências cerimoniais judias eram praticadas. Pedro aprovou a liberdade gentia quanto à Lei; e quando se encontrava em ambiente gentio deixava de lado suas práticas judias por amor da comunidade cristã.

O partido “da direita” em Jerusalém viu algo que ainda não se tornara evidente a Pedro: que o crescimento da igreja gentia devia significar a morte inevitável da igreja judia. Quando o relacionamento entre as duas igrejas se intensificasse, os cristãos judeus teriam de seguir o exemplo de Pedro deixando de lado suas práticas judias. Portanto, quando certos homens de Tiago vieram a Antioquia (Gl. 2:12) acusaram Pedro de abandonar a Lei e fizeram ver que suas atitudes significavam o fim do Judaísmo. Pedro não tinha aquilatado as consequências de suas atitudes. Por isso evitou comer com os gentios para refletir sobre o assunto. Isso causou uma divisão imediata na igreja de Antioquia. Paulo reconheceu imediatamente as implicações do afastamento de Pedro; significava nada mais nada menos que duas igrejas separadas - uma judia e outra gentia. Ou os cristãos judeus tinham de deixar de lado suas práticas judias para comer com os gentios, ou os gentios teriam de aceitar toda a lei de Moisés; caso contrário haveria uma igreja dividida. Paulo estava completamente de acordo que os judeus, na qualidade de judeus, praticassem a lei de Moisés. Mas ele insistia que se um judeu entrasse em uma igreja gentia, tinha de deixar de lado seus escrúpulos judeus participando livremente da comunhão com os gentios. Uma igreja dividida era coisa que não se podia imaginar e fazer os gentios aceitar a Lei significava o fim da salvação pela graça. Parece que o ponto de vista de Paulo prevaleceu, mas os do partido judeu em Jerusalém não ficaram satisfeitos. Voltaram à Antioquia novamente insistindo que os gentios fossem circuncidados para se tornarem cristãos.

15:2 Isso causou tal dissensão que a igreja de Antioquia achou necessário levar a questão à Jerusalém para ser resolvida. Portanto, foi eleita uma delegação para ir ter com os apóstolos e presbíteros para resolver o assunto.

15:3 Nada sabemos sobre as igrejas da Fenícia. Não era propósito de Lucas transmitir toda a história da igreja primitiva, mas apenas traçar as linhas principais do seu surgimento e desenvolvimento.

15:4, 5 A igreja em Jerusalém recebeu bem a delegação e ouviu sua história sobre o sucesso da igreja gentia em Antioquia e a missão gentia na Galácia. Os convertidos fariseus fizeram suas críticas, mantendo sua posição que os convertidos gentios deviam se tornar judeus e aceitar a lei de Moisés.

15:6 Isso provocou uma assembleia formal dos apóstolos e presbíteros com a delegação de Antioquia. Os versículos 12, 22, entretanto, dão a entender que a igreja participou como um todo na decisão.

15:7-9 A censura que Paulo fez a Pedro em Antioquia (Gl. 2:11) fizera seu efeito. E Pedro, na qualidade de líder dos apóstolos, voltou à sua posição tomada depois da missão à casa de Cornélio – que Deus aceitara os gentios como gentios tão somente pela fé e não nos termos judeus.

15:10, 11 Um jugo no pensamento judeu não significava necessariamente um fardo mas uma obrigação. Pedro afirma aqui que o legalismo judeu era uma obrigação e um fardo que os judeus não foram capazes de suportar. Em contraste com o peso da Lei, a salvação é pela graça tanto para gentios como para judeus. Quando os judeus guardam a Lei, não o fazem como meio de salvação.

15:12 Logo a seguir a assembleia ouviu o relatório de Barnabé e Paulo sobre a obra maravilhosa que Deus operava entre os gentios.

15:13-16 A última e decisiva palavra foi proferida por Tiago, o irmão do Senhor, que assumira o cargo de liderança entre os anciãos e apóstolos em Jerusalém. Ele mencionou a missão de Pedro à casa de Cornélio e fez ver que a missão gentia estava nos planos de Deus, citando uma passagem de Amós 9:11, 12. Alguns mestres da Bíblia têm visto nessa citação o programa de Deus para o fim dos tempos. Cumprida a missão gentio Deus reconstruirá o tabernáculo caído de Davi, restaurando a sorte da nação judia (Atos 15:16). O resultado da restauração de Israel no fim dos tempos será uma salvação mais extensa dos gentios (v. 17). Esta interpretação vê aqui três estágios no programa divino: 1. O chamamento de um povo pelo seu nome (dispensação da igreja). 2. A restauração e salvação de Israel. 3. A salvação final dos gentios.

Entretanto, a citação de Amós foi feita para dar um exemplo e sustentar biblicamente a missão de Pedro aos gentios (v. 14). O verso 15 refere-se à missão de Pedro à casa de Cornélio. E com isto, isto é, como Deus primeiro visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome, concorda a profecia de Amós. Se a salvação dos demais homens (v. 17) se refere a um acontecimento no final dos tempos, a citação de Amós nada tem a ver com a presente visita aos gentios. Mas Tiago citou o V.T. precisamente com esse propósito - para mostrar que a presente salvação dos gentios está no predito propósito de Deus e que os gentios deviam, portanto, ser livremente aceitos na igreja. Um povo para o seu nome (v. 14). A palavra que o V.T. costumava usar em relação a Israel, o verdadeiro povo de Deus. Os gentios estavam agora incluídos nesse povo. A reconstrução do tabernáculo de Davi deve, portanto, se referir à salvação do remanescente judeu crente, “Israel em Israel” (veja Rm. 9:8; 11:1-5). As Escrituras, em outras passagens, tornam claro que promessas feitas a Israel cumpriram-se na Igreja. “Os que são da fé são filhos de Abraão” (Gl. 3:7). “É judeu o que o é no interior, é circuncisão a que é do coração; no coração, não na letra” (Rm. 2:28, 29). Isto não significa que Israel como nação não tenha futuro. Romanos 11 afirma claramente que todo Israel será salvo; Deus ainda tem um futuro para o Israel nacional. Entretanto, essa não era a preocupação de Tiago; ele citava Amós para provar que o sucesso na missão aos gentios estava no propósito de Deus e foi predito no V.T.

15:19 Tiago, portanto, foi de opinião que não deviam mais perturbar os gentios exigindo que aceitassem a circuncisão e a lei de Moisés.

15:20 Havia ainda um outro problema, relativo à comunhão entre judeus e gentios. Os costumes gentios eram muito ofensivos aos judeus e aos cristãos judeus. Portanto, Tiago aconselhou que os cristãos gentios adorassem um outro modus vivendi, abstendo-se de certas práticas que ofendiam seus irmãos judeus.

Contaminações dos ídolos descreve-se em 15:29 como coisas sacrificadas a ídolos. A carne vendida no mercado era muitas vezes carne de animais sacrificados, nos templos pagãos, às divindades pagãs. O comer de tal carne ofendia a sensível consciência dos judeus, pois tinha um resquício de participação no culto às divindades pagãs. As relações sexuais ilícitas pode se referir tanto à imoralidade em geral ou à prostituição religiosa nos templos pagãos. Tal imoralidade era tão comum entre os gentios que mereceu atenção especial. Sufocadas. Carne cujo sangue não foi devidamente removido. Esse tipo de sangue era considerado como iguaria especial para muitos pagãos. Sangue se refere ao costume pagão de usar o sangue como alimento. As duas últimas exigências envolviam a mesma ofensa, pois o judeu que cria que “a vida está no sangue” (Lv. 17:11) considerava particularmente ofensivo o comer de qualquer tipo de sangue. Esse regulamento foi divulgado entre as igrejas gentias não como meio de salvação mas como base de comunhão, no espírito da exortação de Paulo de que aqueles que eram fortes na fé deviam estar prontos a restringir sua liberdade nessas questões para não ofender o irmão mais fraco (Rm. 14:1 e segs.; I Co. 8:1 e segs.).

15:21 Os cristãos gentios deviam se abster das práticas ofensivas aos judeus porque os judeus encontravam-se em cada cidade, e tanto nas sinagogas da Palestina como nas da Diáspora Moisés onde é lido aos sábados e as exigências da Lei estritamente observadas.

15:22. Judas, chamado Barsabás. Ao que parece irmão de José, chamado Barsabás (1:23). Silas. O Silvano de I Ts. 1:1; II Co. 1:19; I Pe. 5:12, que mais tarde foi companheiro de Paulo.

15:23 A saudação da carta designa dois grupos e não três: os apóstolos como presbíteros aos irmãos ou os apóstolos e irmãos presbíteros.

15:24 Transformando as vossas almas é uma tradução forte demais; perturbam vossas mentes é melhor. A igreja de Jerusalém como um todo não apoiava a posição do extremado partido judaizante.

15:31-33 A decisão da igreja de Jerusalém e a carta a Antioquia parece que resolveu o problema. Depois de um intervalo, Judas e Silas retornaram a Jerusalém, enquanto Paulo e Barnabé permaneceram em Antioquia.

15:34 Este versículo não aparece nos textos mais antigos.

15:36–18:22 Agora Lucas passa a registrar os preparativos para o que podemos chamar de segunda viagem missionária. Depois de um período indefinido, Paulo determinou tornar a visitar e confirmar as igrejas já organizadas. Uma infeliz desavença surgiu entre Paulo e Barnabé. Barnabé queria levar com eles João Marcos, que os acompanhara na primeira viagem missionária mas os abandonara quando chegaram ao continente da Ásia Menor, retornando a Jerusalém. Paulo considerou essa atitude como evidência de séria instabilidade e por isso não o aceitou. O resultado foi que Paulo e Barnabé se separaram. Barnabé e João Marcos navegaram para Chipre a fim de visitarem as igrejas organizadas na primeira viagem missionária. Paulo mandou buscar Silas em Jerusalém, o qual recentemente visitara Antioquia e no qual o apóstolo reconhecia um homem promissor.

15:41 Em vez de viajar de navio, Paulo e Silas foram por terra na direção da Galácia. Nada sabemos a respeito da organização de igrejas na Síria e Cilícia, mas sabemos de 15:23 que essas igrejas existiam. Possivelmente foram o resultado do trabalho de Paulo antes de ser levado a Antioquia.

Índice: Atos 1 Atos 2 Atos 3 Atos 4 Atos 5 Atos 6 Atos 7 Atos 8 Atos 9 Atos 10 Atos 11 Atos 12 Atos 13 Atos 14 Atos 15 Atos 16 Atos 17 Atos 18 Atos 19 Atos 20 Atos 21 Atos 22 Atos 23 Atos 24 Atos 25 Atos 26 Atos 27 Atos 28