Lamentações 2 — Comentário Teológico

Lamentações 2 — Comentário Teológico

Lamentações 2 — Comentário Teológico





Lamentações 2

Segunda Lamentação: Manifestação da Ira Divina contra Jerusalém
(Lm 2.1-22).
Este capítulo registra o sofrimento do povo; o desprezo dos observadores; a alegria dos inimigos de Judá diante de suas calamidades. Várias ideias do capítulo 1 se repetem. O poeta é o orador do começo ao fim. O tempo é a retribuição divina contra a idolatria-adultério-apostasia de Judá-Jerusalém. Os vss. 1-10 fornecem um excelente quadro da ira de Deus, quando Ele desmantelou, sistematicamente, a cidade. Os vss. 11-19 retratam o choro do profeta diante da cena. Os vss. 20-22 mostram seu clamor ao povo implorando a misericórdia divina. Em meio a grandes aflições, ultrajes foram cometidos, como mulheres que comiam os filhos diante da ameaça de morte por fome (vs. 20).
Palavras de Condenação. Este capítulo emprega uma variedade de palavras para indicar sofrimento e condenação: 1. devorar (vss. 2 e 5); 2. destruir, derribar, lançar por terra (vs. 2); 3. demolir (vs. 6); quebrar e despedaçar (vs. 9). A confusão e o caos eram totais. A cidade foi deixada em escombros, e Yahweh aparece como o autor da miséria, castigando os pecados dos homens.
Lm 2.1-22
2.1 Como cobriu o Senhor de nuvens. Jerusalém é de novo personificada como uma mulher, pois é a filha de Sião (ver virgem, filha de Judá, no vs. 15). Ver no Dicionário o verbete chamado Filha de Sião. Essa mulher já estivera andando nas nuvens, mas agora estava debaixo de uma nuvem de condenação. Ela foi precipitada do céu à terra, foi humilhada e esmigalhada. O céu era bom demais para ela, embora ela tivesse elevadas pretensões. Ter sido ela destruída na terra, mediante queda, estava de acordo com seu estado pecaminoso. Ela fora antes o escabelo de Deus, o lugar onde Ele se manifestava na terra. No entanto, perdeu a posição e foi apagada da memória divina, por causa de sua idolatria-adultério-apostasia.
O Senhor derrubou por terra a grandeza de Israel, do céu para a terra. Ele não se lembrou do templo, Seu escabelo, no dia de Sua ira.
(NCV)
Lembremo-nos das palavras de Esclus, pathei mathos, que significam “é através do sofrimentos que uma pessoa aprende”. Todos os julgamentos de Deus são remediais.
A arca da aliança era o escabelo de Deus porque ali Sua presença se manifestava. Ver I Crô. 28.2; Sal. 99.5. Na destruição do templo, a arca se perdeu. O Targum faz o escabelo de Deus, neste caso, ser o templo de Jerusalém.
Nos países do Oriente Próximo e Médio, as mulheres usavam véus. Provavelmente é isso o que está por trás da figura da nuvem, aqui. Yahweh, pois, cobriu Jerusalém com um véu de vergonha e desprezo.
2.2,3 Devorou o Senhor todas as moradas de Jacó. Jacó foi devorado. A ira divina é aqui retratada como um monstro que ataca sua presa, despedaçando-a e devorando seus pedaços mutilados. Havia fortalezas para proteger Jerusalém, mas elas se mostraram ineficazes porque Yahweh se tornou o General do exército babilônico, pelo que coisa alguma podia resistir ao ataque. Os governantes e o reino inteiro foram despedaçados e desonrados, tendo sido esmagados no chão pelos pés de Deus. Os governantes (príncipes) foram as vítimas notáveis da matança. Zedequias e seus subordinados, e a maior parte de sua família, foram levados ao cativeiro. Os filhos do rei foram executados diante de seus olhos. Em seguida, ele foi cegado e ficou apodrecendo em uma masmorra babilônica até a morte. Os príncipes judeus foram executados em Ribla. Ver Jer. 52.9-11. A ira feroz do Senhor foi uma grande conflagração que queimou tudo. Sua fúria foi como fogo consumidor (vs. 3), uma poderosa corrente que a tudo crestou. Jerusalém foi deixada desolada e essencialmente desabitada. Os poucos sobreviventes foram transportados para a Babilônia, onde a miséria continuou até o decreto misericordioso de Ciro, que os libertou, depois que o centro de poder foi transferido da Babilônia para a Média-Pérsia.
Toda a força de Israel. Ou seja, não restou a Israel nenhum poder. A figura foi extraída do fato de que certos animais usavam seus chifres (símbolos de poder) como armas ofensivas e defensivas. Cf. esta parte do versículo com I Sam. 2.10; Sal. 132.17; Jer. 48.25, Ao redor do mundo, cabeças de animais cornudos têm sido usadas para retratar poder, autoridade e majestade. Ver Dan. 7.24.
2.4 Entesou o seu arco qual inimigo. Yahweh, que também é Sabaote, o General dos Exércitos, por algum tempo foi o líder do exército da Babilônia. O arco divino atirava flechas de terror, as quais traspassaram o exército e os habitantes de Judá com grande matança. Ele também empregou Sua espada (símbolo da guerra) e matou “o orgulho dos olhos de Judá’, ou seja, todos os elementos desejáveis, militares ou civis. A ira de Deus derramou-se como se caísse de um grande vaso, ou fluiu como um rio que tivesse sido derramado dos céus, varrendo todo o território de Judá. A torrente de fogo queimou todas as tendas de Israel, todas as habitações do povo. Alguns estudiosos retêm a forma singular, “a tenda” (conforme diz nossa versão portuguesa), dando a entender que o templo. O templo foi incendiado (ver Jer. 52.13), mas não parece ser isso o que está em pauta aqui.
2.5 Tornou-se o Senhor como inimigo. Adonai recebeu o crédito por haver destruído Israel, visto que o teísmo bíblico (ver a respeito no Dicionário) retrata Deus a controlar os eventos da história humana. Ele atua em acordo com Sua lei moral, e Sua lei moral está alicerçada sobre a legislação mosaica. Desobedecer é ser castigado, afinal. Por 13 vezes no livro de Lamentações, o nome divino menos usado, Adonai, substitui o mais comum, Yahweh. Este versículo mostra uma dessas substituições, mas é uma exagerada sofisticação tentar encontrar uma razão para isso. Ver no Dicionário o verbete intitulado Deus, Nomes Bíblicos de. A ideia de devorar é aqui repetida. O monstro aniquilou sua vítima, Adonai aniquilou completamente a Judá. Suas fortalezas foram destruídas, conforme declarado no vs. 2. A filha de Judá (chamada de filha de Sião, no vs. 1) foi deixada a chorar e a lamentar-se, o que o capitulo 1 ilustrou tão bem, com várias repetições. Ver os vss. 20 e 21.
É coisa terrível quando Deus se torna inimigo de um homem. E isso é algo que o homem espiritual pode evitar.
O pranto e a lamentação. Estes dois substantivos hebraicos são formados da mesma raiz, pelo que são escritos e pronunciados de maneira similar.”... uma lamentação realmente grande em vista da destruição de suas cidades, aldeias, vilas e seus habitantes” (John Gill, in loc.).
2.6 Demoliu com violência o seu tabernáculo. Temos aqui a menção ao templo, que lembra o tempo em que o santuário era uma tenda móvel, além de fazer alusão às tendas da festa dos tabernáculos, quando o povo celebrava os lugares de habitação temporários durante os anos de perambulação pelo deserto. O templo, que parecia uma estrutura permanente, um agente de proteção, dando segurança ao povo israelita (ver Lam. 7.2-15; 26.2-11), mostrou não ser mais substancial que as estruturas temporárias e fracas da tenda da congregação. Na época da colheita, os agricultores construíam cabanas temporárias para fazer sombra, o que nos dá outra ilustração. As festas e celebrações determinadas terminaram abruptamente quando o templo foi reduzido a um montão de pedras. Os gritos de alegria das festividades transformaram-se em lamentos. A feroz ira de Yahweh obliterou a tudo, e tanto o rei quanto os sacerdotes foram desprezados, tornando-se vítimas, juntamente com o povo comum, dos ataques desfechados pelos babilônios. O que parecia permanente mostrou ser apenas uma “tenda de jardim” (NCV), uma estrutura temporária para o tempo da colheita, que os agricultores usavam como sombra e para guardar seus instrumentos agrícolas. Os pecados do povo tinham provocado esse tipo de situação.
2.7 Rejeitou o Senhor o seu altar. Yahweh (Adonai) foi o poder destruidor por trás das potências humanas que destruíram Jerusalém e o templo. Mas agora Adonai substitui o nome Yahweh, o que ocorreu 13 vezes neste livro. Mas o sentido em coisa alguma se altera pelo uso de nomes divinos diferentes. O altar do Senhor estava no templo, mas por causa da apostasia de Judá esse lugar foi desprezado pelo Ser divino e entregue para ser destruído pelos babilônios. As paredes de todos os edifícios importantes e de todos os edifícios privados foram niveladas. Um grande grito de desespero subiu do antigo local de sacrifícios, no lugar dos gritos de alegria que acompanhavam o culto. Alguns tomam esse clamor como se fossem os gritos de vitória dos babilônios, enquanto eles aniquilavam a tudo. “Os gritos dos inimigos, em seu triunfo... tomaram o lugar dos aleluias das festas solenes” (Ellicott, in loc.). Os sons dos instrumentos do templo usados no culto foram substituídos pelo tiniao das armas que se entrechocavam. O Targum diz que o povo de Jerusalém, chorando e orando, é que gritava, na aflição daquele momento terrível.
2.8 Intentou o Senhor destruir... Foi Yahweh quem determinou a destruição do lugar. Deus arruinou o lugar para castigar a idolatría-adultério-apostasia de Jerusalém. Ele derrubou as muralhas que protegiam a filha de Sião (ver sobre esse título no vs. 1, e ver no Dicionário o artigo chamado Filha de Sião). Deus fez com que o lugar fosse destruído com seu prumo, que os homens usualmente usam nas construções. Ver Amós 7.7-9; II Reis 21.13; 34.1. O uso do prumo fala de uma cuidadosa e completa destruição. Cada centímetro do lugar estava condenado. As muralhas e as defesas caíram juntamente, personalizadas e pintadas como clamando porque a Babilônia as tinha demolido, o que é um toque patético na descrição. Ver Hab. 2.11; Luc. 19.40.
Jerusalém, antes gloriosa, foi cuidadosamente demarcada para ser destruída pela “linha da devastação” (Adam Clarke, in loc.). “Os povos orientais usavam a linha de medir não apenas nas suas construções, mas também ao destruir edificações (ver II Reis 21.13; Isa. 34.11). Isso implica uma rigidez que nada poupava, com a qual Yahweh aplicaria Sua punição” (Fausset, in loc.).
2.9,10 As suas portas caíram por terra. As portas da cidade, feitas de bronze, que davam a aparência de uma proteção confiável, caíram por terra diante das pancadas do inimigo. O hebraico original é vivido aqui, dizendo que as portas afundaram ”no” chão, como se tivessem sido socadas de cima para baixo. As barras de proteção foram despedaçadas. O rei e os príncipes de Judá foram objetos especiais da ira dos babilônios. Os que não foram mortos acabaram cativos entre os gentios (ou seja, foram dispersos por todo o território babilônico). A lei de Moisés cessou de funcionar juntamente com as instituições. Era a lei de Moisés que tornava Israel um povo distintivo (ver Deu. 4.4-8). O ofício profético foi abolido. Yahweh não continuou a conceder visões, para servir de instrumentos especiais que guiavam o povo. O versículo diz que as instituições religiosas de Judá foram aniquiladas com o material físico e os habitante do lugar, “Yahweh abandonou totalmente o Seu povo e não se manifestou mais a ele em nenhum sentido” (Theophile J. Meek, in loc.). “‘Aqui as condições lamentáveis são vistas como devidas principalmente ao fracasso dos líderes religiosos (cf. Lam. 4.12-16)” (William Pierson Merrill, in loc.). Cada tipo de pessoa que tinha uma posição de liderança, como o rei, os príncipes, os sacerdotes e os profetas, foi dizimada. O vs. 10 descreve as várias cenas de lamentação. A filha de Sião estava sentada no chão, em típica posição de tristeza (ver Jó 2.12,13).
Havia também o pano de saco (ver no Dicionário) e as cinzas lançadas sobre a cabeça, que eram símbolos comuns de lamentação. As jovens pendiam a cabeça até o chão. Ver no Dicionário o verbete chamado Filha de Sião, e ver também Lam. 1.6; 2.1,4.
2.11 Com lágrimas se consumiram os meus olhos. Os vss. 11-19 falam da tristeza do profeta em vista do que sucedera. Ao observar a cena, ele clamou de angústia. Então traçou cinco retratos para descrever as deploráveis condições de Jerusalém. O coração do profeta estava perturbado (ver Lam. 1.20, quanto a essa expressão). O seu fígado se derramou no chão. O fígado era considerado, pelos hebreus, a sede das emoções, conforme dizemos acerca do coração, que é o termo empregado aqui pela maioria das traduções. Cf. Sal. 62.8. O povo de Judá é pintado como uma mulher, uma filha, o que se vê por todo este livro. Ver Lam. 1.6,15; 2.1,2,4,5,8-11,13,15,18; 3.48,51; 4.6,10. Uma tristeza especial foi ocasionada pela inanição dos infantes e dos bebês pelas ruas da cidade e, naturalmente, das mulheres e da população masculina. O primeiro retrato que o profeta pintou sobre as misérias de Jerusalém foi exatamente esse: o sofrimento de crianças inocentes, abandonadas nas ruas da cidade. A maior parte dos pais estava morta, e os poucos que sobreviveram não conseguiam alimentar bs'filhos famintos. O vs. 12 dá prosseguimento a esse primeiro retrato.
2.12 Dizem a suas mães: Onde há pão e vinho? Os filhos choravam, pedindo de suas mães um pedaço de pão ou um gole de vinho para satisfazer a sede.
Eles eram como os muitos soldados feridos que jaziam pelas ruas, impotentes e sofrendo dores. Além disso, havia crianças que morriam nos braços das mães, por causa de ferimentos, sede ou fome. “Instintivamente, eles buscavam leite nos seios de suas mães, mas, nada encontrando, davam o último suspiro encostados aos seios delas” (Fausset, in loc.). “Como soldados feridos, que se esforçam por respirar o ar, soltavam seu último suspiro, agarrados, em desespero, aos seios de suas mães” (Ellicott, in loc.). Esse primeiro quadro causa dó, para dizermos o mínimo. “Quantas e quão temíveis aflições!” (Adam Clarke, in loc.).
2.13 Que poderei dizer-te? Temos aqui o segundo retrato dos sofrimentos de Jerusalém — a imagem de uma vasta área, tão vasta que nenhum homem pode ver o outro lado, nem mesmo imaginar onde ela terminaria. Assim eram os sofrimentos da cidade: vastos e incomensuráveis. O povo de Judá é aqui chamado de ”filha de Jerusalém”. Ver sobre os vários títulos femininos dados ao povo de Jerusalém, no vs. 11, onde ofereço uma lista de referências. “Tua ruína é tão vasta como o mar” (NCV). “A magnitude dos julgamentos foi tão grande que nenhuma consolação pôde ser dada” (Charles H. Dyer, in loc.). Os sofrimentos foram imensos. Ver Lam. 1.12; Dan. 9.12. A calamidade foi ilimitada e, portanto, irremediável. “... um dilúvio de aflições; um mar de tribulações; um oceano de misérias” (Adam Clarke, in loc.). Diz aqui o Targum: “A tua destruição é tão grande como a grandeza dos mares empolados em tempo de tempestade. Quem é o médico que poderá curar-te de tal enfermidade?”.
Eu gostaria de ser forte, pois há muito para sofrer. Eu gostaria
de ser bravo, pois há muito para ousar.
(Howard Arnold Walter)
2.14 Os teus profetas te anunciaram visões falsas e absurdas. O terceiro dentre os cinco retratos descreve a obra deletéria dos falsos profetas, os quais insuflavam falsas esperanças no povo de Israel, dizendo que Jerusalém estava imune a ameaça babilônica. Esse ludibrio enevoava a questão e impedia que o povo realmente se arrependesse, com a exceção de alguns poucos profetas independentes (como Jeremias), que contradiziam a palavra da vasta maioria das escolas proféticas. Quanto aos profetas falsos, que enganavam os judeus, ver Isa. 3.12; 9.15,16; Jer. 23.23 e Eze. 13.8-10. Aqueles falsos profetas enganavam a si mesmos, e muitos tinham visões que distorciam a verdade dos fatos.
Os próprios místicos verdadeiros duvidam de suas visões, porque as visões são muito difíceis de interpretar e, com frequência, são guias duvidosos. Muitas visões, até de homens bons, nada são senão impulsos psíquicos não inspirados pelo Espírito de Deus. Ver no Dicionário o verbete chamado Visão (Visões). Ademais, podemos estar certos de que os falsos profetas mentiam desbragadamente, pois nem ao menos haviam tido visões. Esses falsos profetas diziam que não havería nenhum ataque nem cativeiro babilônico. E alguns deles tinham visões psíquicas para confirmar isso, como sonhos acordados. Outros meramente diziam ter recebido visões confirmadoras. Esses enganadores não desvendavam os pecados do povo, nem pregavam o arrependimento. Estavam por demais envolvidos na boa vida terrena. Não queriam ouvir falar em calamidades. Cf. Jer. 28.1-4,10-11; 29.29-32. Seus oráculos eram “falsos e enganadores” (Revised Standard Version). “Eles enganavam as pessoas” (NCV). Em vez de advertir o povo, proferiam lisonjas.
2.15 Todos os que passam pelo caminho batem palmas. O quarto retrato do profeta, descrevendo as misérias de Jerusalém, ocupa os vss. 15-17. Encontramos aqui o retrato de um inimigo vitorioso a zombar do povo derrotado. Insultos foram adicionados às injúrias. Os que passavam — soldados vitoriosos ou viajantes que trafegavam por ali — batiam palmas diante da miséria que viam, e expressavam feroz alegria, em vez de consternação. Eles assobiavam diante dos poucos judeus que tinham sobrevivido, sacudindo a cabeça em gestos zombeteiros. Eles perseguiam Jerusalém (personalizada como uma mulher; ver as notas no vs. 11). Jerusalém tinha sido uma mulher graciosa e bela, uma princesa. A cidade tinha sido centro da adoração religiosa e sítio de peregrinações. Isso tudo foi uma alegria para a terra. Agora, porém, a cidade'era uma desgraça, pois estava abandonada por Deus e pelos homens; era um montão de ruínas, um lugar de morte essencialmente desabitado. Até os antes amigos tornaram-se agora inimigos (ver Lam. 1.7-9). A beleza da cidade transformou-se em fraqueza e desolação. Quanto ao bater de palmas em derrisão, cf. Jó 24.3-7 ; 27.23. Quanto ao sacudir escarnecedor da cabeça, ver II Reis 19.21; Sal. 44.14. Quanto a Jerusalém como alegria e beleza, ver Sal. 48.2. Jerusalém, a Dourada, era agora um monte de ruínas. Destroços tomaram o lugar das riquezas.
2.16 Todos os teus inimigos. Continua aqui o quarto retrato. O profeta começou a chorar quando observou a desolação do lugar. Em vez de zombar, ele chorava diante do que via, embora estivesse plenamente cônscio de como a apóstata Jerusalém sofrerá justo julgamento às mãos de Yahweh. Eles colheram o que haviam semeado (Sal. 6.7,8). Tal como a filha de Siâo (Lam. 1.16), o profeta não encontrava consolo para sua tristeza. A desolação era como um vasto oceano que não admitia remédio algum (vs. 13). Entrementes, os destruidores se regozijavam diante da destruição e da miséria, assobiando e rilhando os dentes em zombaria. Esses gestos eram acompanhados por gritos perversos de triunfo. “Nós engolimos Judá. Este era o dia pelo qual estávamos esperando. Finalmente, vimos o mesmo acontecer” (NCV). A cena pintada está cheia de ódio e perversão, revelando o coração debochado dos conquistadores. “A exultação do inimigo é expressa por cada característica na fisionomia e no ódio maligno, a boca aberta, os assobios, o rilhar dos dentes em ódio e ira” (Ellicott, in loc.).
2.17 Fez o Senhor o que intentou. O quarto retrato é completado pela segurança de que Yahweh era a causa real por trás da devastação de Jerusalém, por ser Ele o Sabaote, o General dos Exércitos, Aquele que liderava as tropas babilônicas. É posição do teísmo bíblico (ver a respeito no Dicionário) que o Criador continua presente em Sua criação, recompensando e punindo, intervindo nos negócios humanos, e que os homens se tornam instrumentos de suas obras. Em contraste, o deísmo (ver também no Dicionário) crê que a força criadora abandonou sua criação aos cuidados das leis naturais. Aqui, Yahweh deixa de lado toda a piedade, pois a hora da retribuição tinha chegado. Judá, nação idólatra, adúltera e apostatada, merecia o que os babilônios lhe serviam. O Senhor até fez o inimigo alegrar-se sobre suas obras temíveis. Em outras palavras, o que lemos no vs. 16 foi inspirado por Yahweh! É difícil, para mentes treinadas no Novo Testamento, concordar com essa forma radical de teísmo, mas a lei da colheita segundo a semeadura é, realmente, terrível. Ver no Dicionário o verbete chamado Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura.
Quanto aos atos sem dó de Yahweh, ver os vss. 2 e 21; e também 3.43. Em meio a tais descrições, devemos lembrar a nós mesmos que todos os juízos de Deus são meios de restauração, e não apenas de retribuição. O julgamento é um dedo da amorosa mão de Deus. Através do castigo, Deus pode fazer mais coisas do que por qualquer outro modo. Em meio a tantas cenas destruidoras do Antigo Testamento, temos de lembrar a verdade do que Orígenes disse; “Ver somente retribuição no juízo, e nenhum remédio, é descer a uma teologia inferior”. Ver na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia o verbete chamado Julgamento de Deus dos Homens Perdidos, onde sigo essa maneira de pensar.
2.18 O coração de Jerusalém clama ao Senhor. O quinto retrato do profeta sobre as misérias de Jerusalém ocupa os vss. 18 e 19. O angustiado profeta encorajou incessante lamentação por parte do remanescente, como petição a Deus por misericórdia. Ele lhes ordenou que clamassem a Adonai, derramando diante Dele toda a tristeza. Talvez todo aquele choro e lamentação tocasse o coração de Deus e causasse uma medida de misericórdia. Por 13 vezes Adonai substitui o nome divino mais familiar, Yahweh, mas isso não implica nenhuma mudança no sentido. Ver no Dicionário o artigo chamado Deus, Nomes Bíblicos de. A filha de Sião (ver esse título no Dicionário, bem como uma lista de referências da personalização de Jerusalém, no vs. 11) foi chamada a chorar tão copiosa-mente a ponto de imitar um rio que flui noite e dia. A cidade foi invocada a não descansar e a não permitir que seus olhos parassem de chorar, porque assim poderia tocar o coração divino e receber alguma misericórdia.
As meninas de teus olhos. Diz aqui o hebraico, literalmente, “a filha de teu olho”, indicando a pupila (ver Sal. 17.8). A pupila reflete imagens que podem ser vistas por outra pessoa, e tais imagens podem parecer pessoas em miniatura nos olhos de quem as vê. A pupila, neste caso, representa o olho, o qual é encorajado a continuar chorando, em uma oração a Deus rogando misericórdia.
2.19 Levanta-te, clama de noite. O choro não podia cessar nem mesmo à noite. A mulher tería de erguer-se e derramar suas lágrimas como se fossem um rio. Deveria continuar chorando nas várias vigílias da noite e levar suas lágrimas à presença de Adonai (ver sobre isso no vs. 18). Ela teria de erguer as mãos em intensa oração, porquanto a vida de seus filhos foi apagada como a chuva de uma vela. Alguns poucos filhos continuavam vivos, mas estavam morrendo de fome. Podiam ser encontrados a chorar em todas as ruas e esquinas. Cr. as dolorosas descrições dos vss. 10 e 11. Ver também Naum 3.10.
No princípio das vigílias. Os hebreus dividiam a noite em três vigílias, mas os romanos a dividiam em quatro. Ver Jui. 7,19. Ver no Dicionário o verbete chamado Vigílias. A noite é o tempo próprio para dormir e descansar. Para Jerusalém, todavia, a noite se tornara um tempo de lamentar as calamidades que tinham devastado a nação. Quanto ao ergueras mãos em oração, cf. Lam. 3.41 e I Tim. 2.8. Esse é um gesto que significa súplica intensa.
MISERICÓRDIA NO MEIO DO DESESPERO
As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos porque as suas misericórdias não tem fim.
Lamentações 3.22
Longe de ti o fazeres tal cousa, matares o justo com o ímpio; como se o justo fosse igual ao ímpio; longe de ti. Não fará justiça o Juiz de toda a terra?
Gênesis 18.25
AINDA PODEMOS CONFIAR
Oh, podemos ainda confiar que de algum modo O bem será o alvo final do mal.
Das dores da natureza, dos pecados da vontade, Dos defeitos da dúvida, e das manchas de sangue.
Que nada caminha sem alvo,
Que nenhuma única vida será destruída,
Ou lançada como refugo no vazio,
Quando Deus completar a pilha.
Que nem um verme é ferido em vão,
Que nem uma mariposa com vão desejo É lançada em uma chama infrutífera.
Senão para servir o ganho de outra.
Eis que de coisa alguma sabemos;
Penso tão-somente confiar que o bem sobriverá Finalmente - de longe - finalmente, para todos,
E que todo inverno se tornará em primavera.
Assim se descortina o meu sonho:
Porém, quem sou eu?
Um infante a clamar à noite;
E sem linguagem, mas apenas com um clamor.
Alfred Lord Tennyson
Os Apelos de Jeremias (Lm 2.20-22)
2.20 Vê, ó Senhor, e considera. Os vss. 20-22 fornecem a expressão de tristeza de Jerusalém, a par dos seus apelos. Ou então trata-se dos apelos do profeta. Seja como for, o profeta convocou Jerusalém a fazer suas petições a Deus, pedindo-Lhe misericórdia.
“Este versículo, bem como os dois versículos seguintes, foram postos na boca da cidade como respostas ao apelo feito pelo profeta, no vs. 19. Este versículo indica que Jerusalém estava reduzida ao canibalismo no cerco de 586 A. C. (cf. Jer. 19.9)’’ (Theophile J. Meek, in loc.). Cf. Lev. 26.29; Deu. 28.56,57. Que as crianças morressem de fome já era algo demais para suportar, mas uma mãe comer um próprio filho, por causa da fome, era algo impensável. Ver II Rei 6.24-31.
As crianças do seu carinho. Temos aqui uma tradução provavelmente melhor que “crianças com um palmo de comprimento”. Até mesmo um bebê recém-nascido já tem mais de um palmo de comprimento. A Revised Standard Version diz aqui: “crianças de seu temo carinho”. O cerco de Jerusalém (em 70 D. C.) produziu o canibalismo, conforme nos informou Josefo (Guerras, vs. 12).
Outro ultraje provocado pelo ataque dos babilônios foi a morte de sacerdotes e profetas no santuário, um sacrilégio supremo.
2.21 Jazem por terra pelas ruas o moço e o velho. Jovens e velhos jaziam nas ruas, sangrando; donzelas e homens eram alvos especiais da espada. Yahweh é quem os matava em Sua ira, por causa de seus pecados. Ver as notas sobre Lam. 2.17 quanto ao teismo bíblico, que atribui a Deus as coisas más que fazem os homens, como instrumentos de Seus julgamentos. “Visto que tudo quanto acontece foi decretado por Deus como punição pelo pecado, tudo era ato divino, até a matança entre o povo. Essa é a interpretação profética regular da história” (Theophile J. Meek, in loc.).
2.22 Convocaste de toda parte terrores contra mim. A matança é comparada a um dia de festejos solenes, quando os cidadãos como um todo são chamados ao banquete, conforme sucedia nas três festividades religiosas anuais: a páscoa, o Pentecoste e os tabernáculos. Mas aqui os sacrifícios oferecidos, em torno dos quais os babilônios estavam festejando, eram os cidadãos de Jerusalém! Eles estavam sendo sacrificados a Yahweh, que lhes tinha decretado a miséria, por causa de seus pecados inumeráveis. “Ninguém escapou ou permaneceu vivo no dia da ira do Senhor. Meu inimigo matou aqueles a quem dei à luz e criei” (NCV). Temos aqui outro toque quase insuportável de emoção. O inimigo, em tal breve tempo, aniquilou todos aquelas crianças (muitas das quais agora estavam chegando à idade adulta), cujos pais tinham passando tantos anos a criá-las e a quem devotaram tanto amor e sacrifício.
Foram necessários 30 meses para que os babilônios quebrassem as defesas da cidade de Jerusalém. E, quando finalmente conseguiram, precipitaram-se contra os cidadãos do lugar em feroz ira. Não fizeram distinção entre jovens e idosos, homens e mulheres, adultos e crianças, sacerdotes e povo comum. E assim aniquilaram a muitos milhares de pessoas.
Terceira Lamentação: Resposta de Jerusalém. Reconhecimento da Justiça de Deus (Lm 3.1-66)
Os temas principais deste capitulo são; aflição, resignação, arrependimento e oração. Este capítulo toma a forma de uma lamentação pessoal, presumivelmente do profeta Jeremias. “No capítulo 3, a tristeza do povo desolado e o reflexo sobre o significado do desastre foram expressos por um indivíduo. Os primeiros quatro capítulos foram compostos no estilo de um acróstico alfabético. Nos capítulos 1 e 2, cada estrofe começa por uma letra hebraica, na ordem em que essas letras aparecem no alfabeto. Mas este longo terceiro capítulo tem três estrofes para cada letra hebraica. Existem vários estilos de poemas acrósticos. Discuto sobre isso na introdução ao Salmo 34. Vários dos salmos também foram compostos nesse estilo.
Este capítulo fala da confiança pessoal em Deus, a despeito das circunstâncias, e dessa maneira é similar ao Salmo 56. Relembra a terminologia de algumas das passagens de Jó.