Crítica Textual do Antigo Testamento
Crítica Textual
Esses diversos tipos de texto em hebraico, agora revelados, realçam o valor da crítica textual e complicam sua prática. O objetivo dessa arte é recuperar tanto quanto possível as palavras do autor ou a primeira forma escrita do livro em estudo. Os erros que se introduziram ao longo de séculos de cópias precisam ser detectados e corrigidos sempre que possível, acréscimos precisam ser descobertos e removidos e outras alterações precisam ser substituídas. Se não forem fundamentadas em evidências de manuscritos, essas atividades são meramente teóricas e podem se tornar muito subjetivas. Comparar uma cópia com outra pode revelar os erros de um escriba; quando todas as cópias estão de acordo, a descoberta dos erros é mais difícil. Sinais de que algo pode estar errado são palavras gramaticalmente incorretas ou ininteligíveis, divergências com as versões antigas (v., a seguir, p. 19) ou com citações antigas, e características singulares que destoam do texto como um todo.
Nenhum desses sinais é conclusivo por si só; cada caso precisa ser analisado individualmente. Os tradutores antigos talvez tenham parafraseado, as citações podem ser inexatas e uma peculiaridade irregular ou ininteligível pode mostrar-se aceitável por meio de uma nova descoberta. Mesmo assim, a crítica textual tem tido muito sucesso, dando-nos um texto mais claro, com maior probabilidade de ser autêntico, e uma compreensão melhor das palavras existentes. Alguns exemplos vão demonstrar os métodos. Entre os erros simples, temos: a) Confusão de letras semelhantes como d e r. Gn 10.4: “Dodanim”; lCr 1.7: Rodanim”. b) Transposição de letras, como em SI 49.11, em que o qirbãm do TM é traduzido por “pensamento interior” pela ARC (significa “interior”, “entranhas”), mas deveria ser lido qibrãm, “seus túmulos” como está na NVI. c) Repetição por engano (“ditografia”), e.g., 2Rs 19.23 TM brkb rkby, em vez de brb rkby “com meus carros sem conta”. d) Omissão por engano (“haplografia”) exemplificada em muitas cópias que om item Js 21.36,37 com um salto das palavras “tribo de Rúben “ para “tribo de Gade”, cf. lCr 6.63,64. O manuscrito A de Isaías do mar Morto tem um bom exemplo: o escriba saltou de “templo do Senhor”, no final de 38.20, para “templo do Senhor”, no final de 38.22, omitindo completamente os v. 21, 22; eles foram acrescentados mais tarde numa nota marginal. e) Separação incorreta de palavras. Um exemplo excelente é Am 6.12 TM bbqrym AV, RV, NVI, ACF: “lavrar-se-á nela com bois?”, a ser lido bbqrym “será que os bois podem puxar o arado no mar?” como a BLH em português, e também expressões equivalentes em inglês (RSV, NEB), dando sentido e poética melhores. O grau de incerteza cresce com a extensão e a complexidade de qualquer suposto erro. Suponha que a haplografia em Is 38 (no item d citado) tivesse prevalecido em todas as cópias posteriores; seria muito difícil corrigir o erro com base som ente no texto hebraico. Além de mudanças resultantes de erros, pode ter havido alterações intencionais feitas para “melhorar” o texto. Substituições bem-intencionadas de “amaldiçoe a Deus” por “abençoe a Deus”, além das que estão registradas na tradição, vistas anteriormente, podem ser observadas em Jó 1.11; 2.19; lRs 21.10 etc., e do nome do deus Baal por “vergonha”, nos nomes pessoais Is-Bosete (2Sm 2; cf. lC r 8.33) e Mefibosete (2Sm 9.6; cf. lCr 8.34). A nota parentética, “esses nomes foram mudados”, em Nm 32.38 pode ser uma orientação ao leitor para evitar nomes de divindades pagãs.
Notas desse tipo, denominadas “glosas”, podem acrescentar informações de atualização, embora seja muitas vezes impossível decidir se são obra do autor ou de um escriba posterior. Podem os ver alguns casos em Gn 14.2,3,7,8,17 (“que é...”); em Rt 4.7; e lRs 8.2 “o sétimo mês”. A possibilidade de rearranjos mais significativos nos textos, acidentais ou intencionais, como faz a NEB (em Is 27; 38; 53, por exemplo), deve ser admitida, mas é uma questão de opinião e não pode ser comprovada. Descobertas em outros documentos antigos podem lançar luz sobre passagens em que um erro textual não parece existir, mas mesmo assim o texto permanece obscuro, contendo, talvez, uma das 1.500 palavras que só aparecem um a vez no texto hebraico. O ugarítico, uma língua próxima do cananeu e do egípcio, preservou uma palavra para navio que nos permite traduzir Is 2.16, “e contra todas as pinturas desejáveis” (ARG), de forma mais satisfatória por “e todo barco de luxo” (NVI) ou por “toda bela embarcação” (RSV). Todos esses métodos têm de ser usados com prudência, com atenção a cada alternativa, com cuidado para não impor um sentido estranho ao texto. O texto tem sido preservado de forma extraordinária ao longo de muitas gerações; é um tesouro a ser valorizado, estudado e reparado nos lugares em que o tempo causou pequenas imperfeições. Não pode ser distorcido ou remodelado para agradar gostos e opiniões sempre em mudança. A todos os que estão dispostos a ouvir de forma reverente e atenciosa, ele transmite sua mensagem eterna.
Fonte: Alan R. Millard, Comentário Bíblico NVI, pp. 17-18.