Teologia do Livro de Malaquias

A espiritualidade refletida no livro de Malaquias assemelha-se muito àquela que transparece nos livros dos profetas dos séculos VIII e VIII A.C., isto é, Joel, Amós, Oseias, Isaías, Miqueias, Naum, Sofonias, Jeremias e Habacuque. Malaquias reconhece a soberania absoluta do Deus de Israel, bem como o que está implicado nas relações do pacto com Deus, tendo em mira o desenvolvimento e o bem-estar da comunidade teocrática que voltou do exílio babilônico.

Fundamentos Teológicos

Somente o cometimento pessoal às reivindicações justas de Deus poderia assegurar a bênção e a tranquilidade para a nação e para cada indivíduo. Se, juntamente com Ezequiel, Malaquias dá considerável importância ao correto proceder no campo da adoração ritual, como meio seguro de preservar uma nação pura e santa, por outra parte, ele nunca tentou substituir um coração obediente por meras cerimônias. O verdadeiro serviço que o homem deve prestar a Deus inclui a retidão moral, a justiça e a misericórdia, e isso paralelamente a corretas formas rituais.

Igualmente importante, na teologia expressa no livro de Malaquias, é a sua insistência sobre o fato de que o primeiro passo na direção de uma apropriada relação espiritual com Deus é o arrependimento, embora ele mesmo não tenha usado nenhum dos vocábulos hebraicos que são assim traduzidos no Antigo Testamento, a não ser shub, por três vezes (37, 18). Mas, a ideia de arrependimento, de voltar-se para Deus de todo o coração, transparece continuamente no livro de Malaquias. Ver o artigo sobre o Arrependimento, no tocante às palavras correspondentes no hebraico.

Devido às muitas objeções que tinham sido levantadas contra a abordagem tradicional ao problema do mal, Malaquias sentiu ser necessário enfatizar o fato de que a iniquidade jamais haveria de passar sem punição, posto que o castigo divino fosse sendo postergado, devido à entranhável misericórdia de Deus. O Senhor, pois, continha-se, não descarregando imediatamente a sua ira. É o que diz, por exemplo, em Mal. 3:6: “Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos”.

Escatologia

No tocante aos ensinos escatológicos, Malaquias segue bem de perto os pensamentos de Amós e Sofonias, ao esboçar as condições que haveriam de imperar durante “o dia do Senhor”. Para Malaquias, esse dia é insuportável: “Mas quem pode suportar o dia da sua vinda? e quem subsistir quando ele aparecer? (Mal. 3:2).

Esse dia também é consumidor: “...Porque ele (o dia da sua vinda) é como o fogo do ourives e como a potassa dos lavandeiras” (Mal. 3:2b). Esse dia é purificador: “Assentar-se-á como derretedor e purificador de prata; purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata”. (Mal. 3:3).

Esse dia também é seletivo: “Eles serão para mim particular tesouro naquele dia que prepararei... Então vereis outra vez a diferença entre o justo e o perverso entre o que serve a Deus e o que não o serve” (Mal. 3:17,18).

Esse dia é dia de julgamento: “Pois eis que vem o dia, e arde como fornalha; todos os soberbos, e todos os que cometem perversidade, serão como o restolho; o dia que vem os abrasará, diz o Senhor dos Exércitos, de sorte que não lhes deixará nem raiz nem ramo” (Mal. 4:1).

Aquele é um dia de vitória para os que temem ao Senhor: “Pisareis os perversos, porque se farão cinzas debaixo das plantas de vossos pés, naquele dia que prepararei, diz o Senhor dos Exércitos” (4:3).

Aquele é um dia memorável e espantoso, dentro da teologia de Malaquias: “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor” (Mal. 4:5).

É muito apropriado que o livro de Malaquias, o último livro profético do Antigo Testamento, tenha voltado a vista tão decidida e insistentemente para o dia do Senhor dos Exércitos. Toda a literatura apocalíptica da Bíblia — Antigo e Novo Testamentos — confirma essa propriedade!

O “dia do Senhor”, ao contrário do que andavam pregando os falsos profetas, no dizer de Malaquias será um tempo de calamidade, e não de bênçãos. Pois será, então, que pecadores auto iludidos haverão de ser castigados por haverem violado o pacto com o Senhor e abusado de sua misericórdia e longanimidade!

É grato observarmos que Malaquias introduziu um tema original, sem igual em todo o Antigo Testamento, a saber, um livro de memórias de Deus, onde os atos dos justos ficam eternamente registrados. Isso transparece em Mal. 3:16: “Então os que temiam ao Senhor falavam uns aos outros; o Senhor atentava e ouvia; havia um memorial escrito diante dele para os que temem ao Senhor, e para os que se lembram do seu nome”.

A impressão que se tem é que a fé tornar-se-á tão rara, a justiça andará tão escassa entre os homens, que Deus considerará os justos dos tempos do fim uma autêntica preciosidade, chegando a mostrar-se atento aos diálogos entre eles e anotando por escrito todos os seus atos de justiça. Com essa ideia devemos comparar o que disse o Senhor Jesus, em certa oportunidade: “Contudo, quando vier o Filho do homem, achará porventura fé na terra?” (Luc. 18:8). E é notável que ele tenha proferido essas palavras, tão esclarecedoras sobre as injustiças que prevalecerão no tempo do fim, após ter contado a não menos esclarecedora parábola do juiz iníquo.

Em termos absolutos, durante o “dia do Senhor”, haverá a maior colheita de almas de todos os tempos, segundo se pode depreender de Apocalipse 7:4-9. Nessa passagem do último livro da Bíblia fala-se sobre os cento e quarenta e quatro mil israelitas salvos durante a Grande Tribulação e de “grande multidão, que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos...” Mas, em termos relativos, o número dos que temerão a Deus será diminuto.

A humanidade inteira estará seguindo ao anticristo, com a única exceção daqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida. Ver Apo. 13:8. É evidente que Malaquias não tinha em vista todo esse dantesco quadro escatológico, mas também não se deve duvidar de que o Apocalipse mostra-nos um desdobramento de tudo quanto a Bíblia dissera anteriormente sobre o “dia do Senhor”; e, com toda a certeza, nesse desdobramento temos de incluir a contribuição de Malaquias para as ideias escatológicas. De fato, Malaquias é citado por duas vezes no livro de Apocalipse, segundo se vê na lista seguinte: em Apo. 6:17 (Mal. 3:2); e em Apo. 11:3ss (Mal. 4:5, no tocante a Elias, que muitos pensam que será uma das duas testemunhas do fim).

No primeiro desses dois casos temos uma citação bastante direta, alusiva ao caráter consumidor e insuportável do “dia do Senhor”. Já o segundo caso é mais problemático. Todavia, é inegável que o livro de Malaquias contém uma preocupação escatológica muito grande, conforme vimos acima.

O desenvolvimento da ideia do “dia do Senhor”, tomando-se por base o que Malaquias tinha a dizer a respeito, tornou-se importante na doutrina da vida além-túmulo, tão bem desenvolvida no Novo Testamento, embora de forma alguma desconhecida no Antigo Testamento, mormente nos livros poéticos e proféticos,

Precursor Messiânico

Outra ênfase característica de Malaquias é aquela sobre a personagem de um “precursor”, que anunciava a vinda do Senhor, ao tempo do julgamento final. Visto que esse indivíduo é identificado com um Elias redivivo (cf. II Reis 2:11), parece provável que esse precursor é concebido por Malaquias como uma figura profética que haveria de oferecer, a um povo desobediente, uma última oportunidade de arrepender-se, antes da eclosão do julgamento divino.

Não podemos olvidar que nosso Senhor, Jesus Cristo, considerou essa profecia de Malaquias como predição que encontrou cumprimento na pessoa e na obra de João Batista (ver Mar. 9:11,13); e também que a Igreja primitiva via o cumprimento dessa predição de Malaquias na relação entre o trabalho desenvolvido por João Batista e aquele do Senhor Jesus (ver Mar. 1:2; Luc. 1:17). No entanto, muitos eruditos têm opinado que a profecia de Malaquias a respeito de Elias não se consumou no ministério de João Batista, mas que só encontrará seu cabal cumprimento na pessoa de uma das testemunhas do Apocalipse (cap. 11).

Essa não é uma questão tão um importância como alguns têm dito, porquanto há muita coisa que depende da correta compreensão dessas predições para o fim. Aqueles que pensam que Elias voltará uma terceira vez (a segunda teria sido no caso de João Batista), ainda que não sob a forma de reencarnação, mas apenas como atuação espiritual, apontam para o fato de que Malaquias diz: “...enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor” (Mal. 4:5).

No entanto, visto que o ministério de João Batista ocorreu entre os dias de Malaquias e a segunda vinda do Senhor Jesus, outros pensam que a obra do precursor de Jesus Cristo esgotou aquela predição de Malaquias. Esses têm como seu argumento definitivo outra declaração do Senhor Jesus, em Mar. 9:13: “Eu, porém, vos digo que Elias já veio, e fizeram com ele tudo o que quiseram, como a seu respeito está escrito”. Ao que parece, só os próprios acontecimentos apocalípticos do fim poderão esclarecer essa dúvida!

Bibliografia

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