Livro de Miqueias

Livro de Miqueias
O livro de Miqueias é o sexto livro dos doze profetas menores (terceiro no cânon grego).

Introdução

O povo a quem Miqueias profetizou era profundamente religioso. Assistiam aos cultos de programação com um colorido primoroso em um Templo magnífico. Entre suas atividades constava a observância dos dias santos divinamente designados, cujo propósito era lembrá-los da extensa fidelidade de Deus e do dever permanente de servi-lo. Participavam de numerosos ritos sagrados que apontavam para Cristo. Mas os contemporâneos de Miqueias não eram espirituais. Sentiam confiança na mera participação das cerimônias. Não lhes ocorria que fosse importante a forma como se comportavam fora do Templo. Esta situação de ser religioso e, ao mesmo tempo, impiedoso perturbava Miqueias. Foi contra tal atitude que ele clamou. Esta ação fala pungentemente de nossos dias. O profeta advertiu fielmente sobre o julgamento divino. Entretanto, ele é mais lembrado por sua definição indiscutível e abrangente da verdadeira religião.

Em uma única declaração concisa, engloba a ênfase de Amós na justiça (Am 5.24), a preocupação de Oseias por misericórdia (Os 6.6) e a súplica de Isaías por um andar humilde com Deus (Is 2.11; 6.1-8). Nas suas palavras: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a beneficência [misericórdia, ARA], e andes humildemente com o teu Deus?” (6.8) Assim, ensinou que a verdadeira religião leva a pessoa a uma comunhão íntima com o Senhor, e que, dessa comunhão, emana conduta íntegra para com os membros da raça humana. Miqueias, que viveu na última metade do século VIII a.C., era um dos integrantes da brilhante galáxia de profetas daquele século, entre os quais Isaías foi o mais insigne. As mensagens dos dois homens de Deus estão em harmonia. Certos expositores sugerem que Miqueias foi discípulo de Isaías, e é interessante notar a semelhança entre Miqueias 4.1-5 e Isaías 2.1-4. Mas os dois profetas são muito diferentes. Isaías era membro da aristocracia. Miqueias era homem do povo. Isaías era refinado, conhecia a fundo os costumes da capital e frequentava os círculos da corte. Miqueias era homem rude do interior, um profeta dos humildes.

Sua formação, provavelmente, o tornou sensível às opressões sofridas pelos pobres. Estava, sem dúvida, inteirado das políticas corruptas da capital, sobre as quais Isaías falou. Também deve ter sido do seu conhecimento algo do fausto e depravação oculto que vigoravam no Reino do Norte, contra os quais Amós e Oseias, dois dos seus contemporâneos, protestaram. Conhecia a apostasia religiosa da nação. Mas foi o sofrimento dos pobres oprimidos que lhe torcia o coração. Era natural de Moresete, cidade situada nos contrafortes de Judá a uns 32 quilômetros a oeste de Jerusalém, na extremidade da planície marítima, entre as montanhas de Judá e a Filístia junto ao mar. Ainda que a região fosse fértil e bem provida de água, lugar de plantações, pomares de olivas e pastos, os agricultores, entre os quais Miqueias fora criado, quase sempre estavam em dificuldades econômicas. Oprimidos pelas dívidas, eram força dos a hipotecar suas propriedades aos ricos de Samaria e Jerusalém, os quais lhes desapropriavam as terras. Assim, se tomavam arrendatários de fazendas, oprimidos por senhores gananciosos e insensíveis.

Esta exploração dos pobres foi, aos olhos de Miqueias, um dos crimes mais hediondos de seus dias, e ele bravamente denunciou estes exploradores (2.2) 0 mundo de Miqueias estava em revolução. E o profeta estava ciente da situação agourenta. Ele morava numa região de aldeiazinhas afastada das atividades políticas das capitais, mas era o seu vale amplo e aberto que tinha de suportar o ímpeto do ataque do invasor que empreendesse conquistar Judá. Foi por isso que, ele viu e sentiu os terrores da catástrofe espantosa de seu mundo. O meio-século de segurança e prosperidade desfrutado pelo Reino do Norte terminou com a morte de Jeroboão II e o avanço dos assírios em direção oeste. Damasco, capital da Síria, caiu em 731 a.C. (2 Rs 16.9). Samaria, capital de Israel, foi vencida em 721 a.C. pelos exércitos assírios sob as ordens de Salmaneser e Sargão (2 Rs 17.5,6). A queda da capital do norte deixou Jerusalém e a amada região rural de Miqueias expostas aos inimigos que destruíam tudo o que encontravam pela frente em sua determinação rumo ao Egito. O profeta deve ter sofrido uma angústia de espírito indescritível quando viu o rei Senaqueribe invadir Judá e, em 701 a.C., armar o cerco de Jerusalém (2 Rs 18.13-9.37). A impiedade predominante e a deterioração calamitosa contra Israel e Judá não levaram Miqueias ao desespero. Ele sabia muito bem que a última palavra não seria dada pelos usurários cruéis que mantinham a ele e seus vizinhos em escravidão, nem mesmo seria dos insensíveis reis pagãos e seus exércitos que arbitrariamente causavam devastação por todo o mundo do profeta. Ele estava certo de que Jeová ainda tinha uma palavra derradeira. Ele esperava uma nação purificada e restaurada. Miqueias viu o cumprimento do propósito do Senhor na vinda do Messias. E ele deve ter ficado extrema mente alegre ao saber que o Ungido nasceria na humilde região montanhosa de Judá, na pequenina aldeia de Belém.

Explicação: Miqueias 1 Miqueias 2 Miqueias 3 Miqueias 4 Miqueias 5 Miqueias 6 Miqueias 7

Data e Autoria

De acordo com a inscrição (Miq. 1:1), o livro compreende as declarações de Miqueias de Moresete durante os reinados dos reis Judaítas: Jotão, Acaz e Ezequias, ca. 740–687 a.C. Jer. 26:18-19 registra o julgamento de Miqueias contra Jerusalém durante o tempo de Ezequias (Mic. 3:12). No entanto, além de sua cidade natal, geralmente identificado com Moresete-gate (moderno Tell ej-Judeidé) na Sefelá de Judá perto de Gate Filisteu (cf. 1:14), não há detalhes específicos sobre o profeta Miqueias. Geralmente presume-se que ele não era um profeta profissional e que sua formação era agrícola.

Miqueias é considerado um contemporâneo de Isaías de Jerusalém. Seu ministério testemunhou o poder crescente do Império Assírio, que precipitou a guerra de rebelião siroefraim em 734 e foi sentido de maneira mais vívida na queda de Israel em Sargão II em 722/721 e na dispersão das tribos do norte. Judá em si foi invadido em 701, mas foi poupado mais do que pagamento de tributo à Assíria e alguma perda de território para os filisteus. O afluxo de refugiados, primeiro de Samaria e depois do território cedido à Filístia, ampliou o fosso econômico entre ricos e pobres.

Conteúdo e Composição

Tal como acontece com outros livros proféticos, Miqueias é uma compilação de vários oráculos, e talvez uma compilação de compilações. Várias tentativas foram feitas para discernir a estrutura geral do livro, com vários graus de sucesso. A maioria dos estudiosos a vê como composta por dois (geralmente, capítulos 1–5 e 6–7) ou três (caps. 1–2, 3–5, 6–7 ou 1–3, 4–5, 6–7), seções principais, alternando em várias combinações de ameaças de desgraça e promessas de salvação. No entanto, nenhum arranjo cronológico ou mesmo tópico claramente convincente é aparente, e muitos estudiosos veem isso como evidência para posterior edição e suplementação da coleção básica. Isto é ainda mais complicado por dificuldades textuais abundantes.

Seguindo a inscrição (1:1), o profeta pronuncia julgamento contra Samaria por causa da adoração idólatra (v. 2-7), o castigo de que ele lamenta chegará até Jerusalém (vv. 8-9). Além disso, a corrupção de Jerusalém condenará as cidades de Judá (vv. 10-16); O extenso jogo de palavras em vários nomes de lugares contribuiu para uma considerável dificuldade textual. Miqueias emprega um oráculo de infortúnios para delinear as causas da punição: a ganância dos ricos e poderosos, seu desprezo pela justiça social garantida pela antiga aliança israelita e sua resistência à verdadeira profecia (2:1-11). Em contraste, vv. 12–13 prometem salvação para “o remanescente de Israel”; alguns estudiosos veem aqui referência à invasão de Senaqueribe de 701. Cap. 3 retorna à profecia da desgraça: por causa dos maus tratos dos pobres pelos governantes e juízes de Judá e pelo mercantilismo dos profetas, o monte do templo “será arado como um campo” e Jerusalém em si “se tornará em montões de ruínas” (v. 12).

Em caps. 4–5 a ênfase está na esperança. Sião, “a montanha do Senhor”, será exaltada, e todos os povos virão em paz a Jerusalém para instrução (heb. tôrâ 4:1–5; cf. Is. 2:2–4). Yahweh estabelecerá como “o remanescente” de seus povos afligidos (Mq 4:6-7) e restaurará o reino davídico (v. 8); apesar de um período de dores de parto (o Exílio; vv. 9–10; cf. 5:1 [MT 4:14]), Israel triunfará sobre “muitas nações” (4:11–13). Novamente, o profeta proclama uma era de paz para um Israel reunificado sob o rei messiânico, que é descendente de Davi (5:2-15 [MT 1–14]).

Na seção final do livro, o profeta novamente adverte sobre o destino iminente (caps. 6–7). Usando a forma de um processo profético, ele relembra os últimos atos de libertação de Yahweh e encarrega as pessoas de enfatizar a justiça e a bondade em vez de rituais (6:1-8). Ele pronuncia o julgamento do Senhor contra “a cidade” (presumivelmente Jerusalém), pois os ricos corruptos seguem o precedente iníquo de Omride Samaria (vv. 9–16). Miqueias lamenta sua sociedade decadente, na qual “não há nenhum justo entre os homens” e nem mesmo uma família pode ser confiável (7:1-7). No entanto, o livro conclui com uma promessa de redenção, um salmo ou “liturgia profética” afirmando que Yahweh perdoará Israel e compassivamente pastoreará seu povo castigado (vv. 8–20).

Teologia

As profecias subjacentes de Miqueias que trazem desgraça, bem como suas proclamações de salvação, são o relacionamento histórico entre Yahweh e seu povo escolhido (cf. 2:8–9; 6:2–3, 5, “meu povo”). Pelo fato de o povo ter abandonado sua obrigação de salvaguardar a sobrevivência da comunidade, conforme estipulado no convênio do Sinai, Deus deve executar o julgamento sobre Israel/Judá (por exemplo, 1:5; 3:8; 6:13). No entanto, mesmo que devam primeiro “se contorcer e gemer... como uma mulher em trabalho de parto” (4:9-10), Israel será restaurado. Yahweh manterá sua responsabilidade de proteger e nutrir seus filhos (por exemplo, 5:2-4 [MT 1–3]), e eles serão vindicados perante as nações (vv. 7–9 [MT 6–8]; 7:8-10, 16-17).

A essência das estipulações da aliança é que o povo de Deus demonstra justiça e compaixão pelos seus semelhantes: “o que o Senhor requer de você, mas para fazer justiça, e amar a bondade, e andar humildemente com seu Deus?” (6:8; cf. Os 6:6). As acusações de Miqueias sobre as transgressões de Israel estão entre as representações proféticas mais vívidas da falta de justiça social (por exemplo, Mic. 2:1–2, 6–11; 3:1–11; 6:9–7:6).

Dois temas significativos na profecia israelita aparecem com destaque nas palavras de esperança de Miqueias. Primeiro, o Senhor erguerá dentre os mais desprezados de seu povo um remanescente que sob seu governo perpétuo virá a ser uma “nação forte” (4:6–7) que prevalecerá sobre as nações (5:7– 9 [MT 6-8]). Segundo, a comunidade restaurada será guiada por um descendente da casa de Davi, uma figura messiânica que “permanecerá e apascentará o seu rebanho na força do Senhor” (5:2–4 [MT 1–3]; cf. 2:12–13, onde o Senhor é retratado como o pastor-rei).

Yahweh não somente direciona ativamente eventos e circunstâncias concernentes ao seu povo do convênio (por exemplo, 1:6-7, a queda de Samaria; 4:9-10, o Exílio; 6:3-5, libertação de Israel; cf. 1:10–16), mas ele também inclui as fortunas das nações em seu plano divino para a história (por exemplo, 4:11–13; 7:11–13; cf. 1:2). Seu poder é universal (5:4 [MT 3]), e todos os povos podem vir a conhecê-lo e adorá-lo (4:2–3; 7:16–17).
Bibliografia 
L. C. Allen, The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah. NICOT (1976), pp. 237–404; D. R. Hillers, Micah. Hermeneia (1984); J. L. Mays, Micah. OTL (1976); H. W. Wolff, Micah the Prophet (Philadelphia:1981).