Estudo sobre Lucas 22

Estudo sobre Lucas 22



A conspiração dos sacerdotes e de Judas (22.1-6)

Lucas segue Marcos 14 de perto, mas omite a história em que Jesus é ungido em Betânia, provavelmente porque já descreveu cena semelhante em 7.36-50.

Os mestres da lei não ficaram ociosos desde que abandonaram o conflito de palavras no templo, e na aproximação de Judas com os chefes dos sacerdotes e [...] oficiais da guarda do templo eles tiveram, do seu ponto de vista, um raro momento de sorte. Gomo um dos Doze, ele está em condições de ajudá-los a prender Jesus em algum lugar sossegado, sem publicidade e possíveis demonstrações públicas. As multidões que saudaram sua entrada triunfal e aqueles que se ajuntaram em grandes grupos diariamente para ouvi-lo no templo mostram que ele desfruta de considerável apoio popular.

A traição realizada por Judas é o ato definitivo do próprio Satanás (v. 3). Mas como é possível que alguém que desfrutou do companheirismo diário de Jesus possa cometer tal ultraje? Será que ele percebeu que o barco estava afundando e foi depor contra um cúmplice para salvar a própria pele? Ele ficou desiludido quando Jesus não tomou a liderança de alguma insurreição nacionalista, como os messias da imaginação popular? Ou ele simplesmente era um mau-caráter? (João sugere que ele certamente era isso; 12.6.) Não importa o que aconteceu, a razão última de um ato tão sombrio continua sendo um mistério insolúvel e horrível.

Preparativos para a Páscoa (22.7-13)

Como no caso de sua montaria para a entrada na cidade alguns dias antes, Jesus fez preparativos secretos para o uso de uma sala especial em que, antes que sofra, ele possa desfrutar da última hora de comunhão íntima com os seus discípulos. Pedro e João são enviados adiante para fazer os preparativos necessários para a celebração da Páscoa; o seu guia será facilmente identificável pelo jarro de água que estiver carregando. Poucos homens gostam de ser vistos em público fazendo um trabalho feminino como esse!

VIII. AS ÚLTIMAS HORAS (22.14—23.56)

A última ceia (22.14-38)

Desejei ansiosamente comer esta Páscoa com vocês antes de sofrer. E como alguém que está para deixar a sua família, mas primeiro quer um encontro de despedida. “Quando vemos a glória divina na pessoa de Cristo, vemos que as afeições humanas transparecem” (J. N. Darby, p. 171). Os preparativos foram feitos, então chegou a hora, não somente para a festa mas também “o tempo em que deixaria este mundo” (Jo 13.1); Jesus senta com os Doze e lhes diz claramente que é a última vez antes do sofrimento. Ele lhes dá vinho e pão, advertindo-os de que um deles é o traidor. Nem mesmo essas circunstâncias solenes os impedem de brigar acerca de sua importância relativa, talvez com um olho na sucessão quando o seu líder tiver partido. Ele os chama de volta à realidade ao lembrá-los do futuro glorioso adiante, mas antes disso virão provações severas, especialmente para Pedro.

Dois problemas causados por esse trecho precisam ser mencionados: (a) a diferença entre o relato de Lucas e o dos outros, e (b) a pergunta sobre se eles de fato comeram a Páscoa ou não.

(a) O relato que Lucas faz da ceia sobreviveu em duas versões, a mais longa, como temos na NVI (e na maioria das versões em português), e a mais breve, em alguns manuscritos, omitindo os v. 19b e 20. Há bom apoio textual para ambas as leituras, talvez um pouco melhor para a mais breve. Tomando o texto mais breve como base de comparação, há diferenças marcantes entre Marcos e Lucas:

(1) Em Lucas, o cálice precede o pão (na leitura mais longa, um segundo cálice segue o pão). (2) A profecia da traição de Judas segue a instituição da ceia, em vez de precedê-la como em Marcos. (3) Lucas acrescenta um número de ditos não registrados na ceia por Marcos.

Teologicamente, a mais importante dessas diferenças certamente é a omissão da referência ao “sangue da aliança”, mais marcante ainda quando associada ao fato de que Lucas não inclui o trecho da redenção de Mc 10.45/Mt 20.28. Alguns afirmam que isso é evidência de que Lucas não tem doutrina da expiação substitutiva. Não se deve esquecer, no entanto, que até na versão mais breve a aliança não está totalmente ausente, pois no v. 29 o verbo traduzido duas vezes por ”designar” é etimologicamente cognato de ”aliança”. O texto mais longo (v. 19b) acrescenta à versão de Mateus/Marcos a orientação para que se perpetue o ritual: façam isso em memória de mim (cf. ICo 11.24).

(b) No v. 7, Lucas especifica que isso aconteceu no dia no qual devia ser sacrificado o Cordeiro pascal. No v. 15, Jesus diz: Desejei ansiosamente comer esta Páscoa com vocês.

Alguns comentaristas argumentam que a segunda afirmação sugere que a refeição para a qual sentaram para comer foi de fato a Páscoa; outros, que a primeira declaração quer dizer que eles se encontraram na véspera da Páscoa para fazer os preparativos para o dia da celebração em si, e que comeram uma refeição de comunhão. Para essas refeições de comunhão, havia rituais preestabelecidos, alguns dos quais sobrevivem até hoje. Provavelmente, há evidências insuficientes para tomarmos uma decisão final. G. Dix, em The Shape of the Liturgy (1945), fornece um relato interessante do ritual da refeição de comunhão e argumenta que a ceia seguiu esse ritual. J. Jeremias defende sua tese de forma convincente ao considerar a refeição como a Páscoa em The Eucharistic Words of Jesus (1955), p. 14ss. Balmforth também discute a questão em detalhes (p. 261-5).

E digno de observação que em nenhum dos relatos do NT (Sinópticos, João, ICo 11) há menção alguma de um cordeiro sendo sacrificado. Se a crucificação em si aconteceu na véspera da Páscoa (v. Jo 19.14), então Jesus estava na cruz na exata hora em que os cordeiros pascais estavam sendo sacrificados, fornecendo um rico significado a ICo 5.7: ”Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado”. Há algumas evidências da observância de diferentes calendários religiosos na Judéia nessa época; qualquer grupo que escolhesse observar a Páscoa segundo um calendário diferente que o do templo teria de prescindir do sacrifício do cordeiro. (O leitor também deve consultar a discussão do texto paralelo em Mateus.)

Lucas 22:17. Se, como tem sido sugerido, esse cálice é o último cálice da refeição anterior, não ajuda a decidir a questão, visto que tanto a Páscoa como os rituais de comunhão incluíam diversos cálices, v. 24-26. Marcos traz um texto semelhante (10.35-45), mais longo, e associado à terceira predição da Páscoa, v. 25. benfeitores (gr. euergetês). Um título favorito adotado por reis helenísticos. 

Lucas 22:27. Um dito parabólico que lembra Mc 10.45. 

Lucas 22:31-33. Pedro é exortado a permanecer firme, pois Satanás fez um pedido concernente a ele semelhante ao que fez concernente a Jó (1.9-12). 

Lucas 22:35-38. Quando pela primeira vez ele os enviou a pregar, eles foram bem recebidos em todos os lugares. Agora, ironicamente, ele sugere que vendam suas capas para comprarem espadas — pois vão precisar delas! Eles não percebem a ironia; Pedro o leva literalmente a sério a ponto de usar a sua espada.

No jardim (22.39-46)

O cenário muda do salão de hóspedes para o jardim; na crise máxima da vida de Jesus, Lucas mais uma vez nos mostra o nosso Senhor em oração. Ele não faz menção da posição especial de Pedro, Tiago e João, sendo a atenção concentrada no próprio Jesus; e, embora só uma oração seja mencionada, e não três, a intensidade da agonia dele é vista no suor que era como gotas de sangue e no anjo que o fortaleceu, aspectos peculiares ao relato de Lucas.

Lucas 22:39. O nome Getsêmani não ocorre aqui. Como nos dias anteriores, Jesus vai ao monte das Oliveiras (cf. 21.37), mesmo que isso signifique que Judas vai saber onde encontrá-lo.

Traição e prisão (22.47-53)

Os eventos se sucedem rapidamente. Judas chega com seus novos aliados e faz de conta que saúda o Senhor com o beijo do traidor. Jesus o faz lembrar que é o Filho do homem que ele está assim traindo. Pedro, com cócegas de fazer alguma coisa, arranca com a sua espada a orelha do servo do sumo sacerdote; o último milagre de cura de Jesus é restaurar esse ferimento. Sem resistir, e com majestade, Jesus pergunta por que eles estão trazendo essa turba armada, quando a qualquer momento poderiam tê-lo prendido no templo. Lucas sabia a resposta a essa pergunta; ele já a tinha dado em 22.2: eles “tinham medo do povo”.

Lucas 22:48. Lucas não relata o fato de que o beijo era um sinal arranjado de antemão, como fazem Mateus e Marcos, v. 52. Somente Lucas menciona que os líderes estavam presentes em pessoa.

Jesus em custódia (22.54-65)

Pedro nega Jesus (22.54-62)

Jesus é conduzido apressadamente à casa do sumo sacerdote para esperar o seu julgamento. Pedro segue, à distância, é verdade, mas ele ao menos tem a coragem de seguir. Depois de chegar ao palácio, ele senta entre um grupo de pessoas que se aqueciam ao fogo. Nessa atmosfera, a sua determinação se enfraquece, e quase sem perceber ele nega três vezes que tenha algum conhecimento de Jesus. O canto do galo o lembra das advertências de Jesus. Mas o ato está feito; tarde demais, ele se arrepende com amargas lágrimas.

As grosserias dos soldados (22.63-65)

A alegada e elogiada equidade da justiça romana e da lei judaica é reduzida à farsa pela bufonaria grosseira dos soldados enquanto passam as horas do seu turno de guarda.

Os julgamentos (22.66—23.25)

Entre os Sinópticos, Lucas fornece o relato mais abrangente dos julgamentos; somente ele conta o interrogatório diante de Herodes e o fato de que houve duas seções diante de Pilatos.

O julgamento diante de Caifás e do Sinédrio (22.66-71)

Assim que amanhece o dia, Jesus é interrogado pelo Sinédrio, e este tenta extrair dele a declaração de que é o Messias. Ele lhe dá a resposta que deseja e também diz que é o Filho de Deus (uma resposta que seus inquisitores creem que foi resultado da esperteza das suas perguntas.

Lucas 22:69, 70. Ele os adverte de que terão de enfrentar o Messias novamente, mas em condições totalmente diferentes. Mateus e Marcos colocam a negação depois do julgamento preliminar; Lucas a coloca antes. Provavelmente não há contradição. Um julgamento de noite, e diante do número relativamente pequeno de membros do Sinédrio que poderiam ser reunidos de imediato, não poderia reivindicar legalidade. Uma investigação informal, assim que teve o prisioneiro em suas mãos, foi muito provavelmente feita por Caifás e os líderes disponíveis, para ser confirmada por um julgamento formal em seção completa quando o raiar do dia tornasse o procedimento legal. Observe que Lucas não faz menção das testemunhas subornadas, mas incoerentes, citadas por Mateus e Marcos.