Evangelho de João — Autoria [Evidência Interna]

EVANGELHO DE JOÃO, ESCRITOR, AUTOR, EVIDENCIA INTERNA, ESTUDO, TEOLOGIA
Evangelho de João — Autoria [Evidência Interna]: O argumento clássico em favor da autoria joanina encontra-se no comentário de B. F. Westcott, The Gospel According to St. John (O Evangelho Segundo São João). Embora este seja um comentário antigo (escrito na última década do século passado), os argumentos são ainda irrefutáveis, e muito pouco material novo foi encontrado para negar sua apresentação. Aliás, as recentes descobertas arqueológicas reforçariam estes argumentos. Ao argumentar que João, o filho de Zebedeu, escreveu o quarto Evangelho, Westcott encontra evidência interna para substanciar várias declarações. Primeiro, ele proclama que o autor do quarto Evangelho foi um judeu. Esta conclusão é baseada em sua familiaridade com os costumes judaicos, suas características judaicas e seu espírito da dispensação judaica. Ele é capaz de apresentar um impressionante esboço das expectações messiânicas contemporâneas, bem como detalhes precisos das observâncias judaicas. A forma do Evangelho de João, no tocante ao vocabulário, estrutura das orações, simetria e simbolismo numérico da composição, e a expressão e disposição dos pensamentos, é essencialmente hebraica. Também é mantido que o Velho Testamento é a fonte da vida religiosa do autor. Embora suas opiniões e esperanças judaicas sejam absorvidas e transfiguradas por sua fé cristã, o alicerce judaico é ainda subjacente em seu livro.

Westcott, então, diz que o autor do quarto Evangelho foi um judeu da Palestina. É inconcebível que um gentio que viveu a alguma distância da localidade onde os eventos deste Evangelho ocorreram pudesse ter conhecido os vários movimentos e relacionamentos políticos e religiosos no país naquela época. O escritor fala de lugares e acontecimentos como se estivesse inteiramente familiarizado com eles. Ele está inteiramente familiarizado com a topografia de Jerusalém e com a adoração no Templo. Isto teria sido impossível para qualquer pessoa depois da destruição de Jerusalém pelos romanos, em 70 d.C. As citações do Velho Testamento encontradas no Evangelho mostram que o escritor não dependeu da Septuaginta e sugere que ele estava familiarizado com o hebraico original.

Cf. Cristologia: Estudo sobre Jesus Cristo
Cf. Teologia Bíblica e o Cânon
Cf. Literatura no Judaísmo
Cf. Tradição Apocalíptica

A seguir, é ressaltado, por Westcott, que o diminuto detalhe de pessoas, tempo, número, local e maneira leva à conclusão óbvia de que o autor do quarto Evangelho foi uma testemunha ocular do que ele descreve. O caráter das cenas que ele descreve e as estreitas relações que ele evidentemente teve com o Senhor levaram Westcott a contender que o autor esteve em relação estreita com o círculo íntimo dos doze apóstolos. A conclusão natural, em sua série de pensamentos, é que o autor deste Evangelho foi o apóstolo João. Nas narrativas dos Sinópticos havia três discípulos que estavam, num sentido especial, próximos a Jesus. Eram Pedro e os filhos de Zebedeu, Tiago e João. Há uma forte indicação de que um destes três foi o evangelista. Pedro não precisa ser considerado, devido à falta de qualquer indicação ou associação de seu nome com este Evangelho. Tiago foi martirizado cedo, e não há nenhuma ligação de seu nome com a autoria deste Evangelho na tradição da igreja. Também o “Apêndice” do capítulo 21 pareceria eliminar ambos, Pedro e Tiago. “Só resta, portanto, João; e ele satisfaz completamente as condições necessárias de serem satisfeitas pelo escritor, de que ele devia estar em estreita ligação com Pedro, e que também era uma pessoa admitida na intimidade peculiar com o Senhor” (p. xxii).

A escola moderna em geral ignorou os argumentos de Westcott; eles não foram refutados tanto quanto foram ignorados. Mesmo os argumentos para se rejeitar a autoria joanina com base na evidência interna foram conhecidos e rejeitados por Westcott. Nos anos passados, novas informações que substanciaram as conclusões de Westcott vieram à luz. Foi argumentado que João dependeu dos outros três Evangelhos (os Sinópticos) para seu material, que há diferenças irreconciliáveis entre os Sinópticos e João, e que não é provável que um autor teria elevado a si próprio à posição de “o discípulo a quem Jesus amava”, sem apresentar seu nome. Westcott levou em consideração estas idéias, mas disse que elas foram excedidas, em peso, por outras considerações, e, com a evidência disponível, seria mais fácil ficar com a tradição de que o apóstolo João foi o autor.

O primeiro comentário histórico encontrado acerca da autoria vê-se no próprio Evangelho. No que os críticos denominavam o “Apêndice” (capítulo 21), depois de uma referência ao “discípulo a quem Jesus amava”, está escrito que “este é o discípulo que testifica destas coisas e as escreveu” (21:24). Depois segue uma interessante afirmação: “E sabemos que o seu testemunho é verdadeiro.” Como esta afirmação é encontrada nos mais antigos manuscritos, não se pode dizer que seja uma interpolação posterior. Esta menção, contemporânea da escrita, insiste que o autor é aquele “a quem Jesus amava”. Ao tentar isolar “o discípulo a quem Jesus amava”, deve-se notar que ele tomou parte da última Ceia e reclinou-se no seio de Jesus (13:23,25). Este discípulo foi o único dos doze presente na Crucificação, e a ele Jesus confiou o cuidado de sua mãe (19:26 e s). Ele foi uma testemunha ocular real do traspassamento do lado de Jesus e da mistura de sangue e água que escorreu (19:32-37). Ele correu com Pedro até o túmulo vazio, após ouvir as palavras de Maria (20:2-8). Ele também foi um dos que foram pescar depois da ressurreição de Jesus (21:2) e foi o primeiro a reconhecer Jesus (21:7). Da lista apresentada em João 21:2, ele deve ter sido ou um dos filhos de Zebedeu ou um dos dois discípulos cujos nomes não foram mencionados, porque Tomé foi o último dos doze a ver Jesus após a ressurreição (20:24) e Natanael não foi contado no círculo interno de três, e a maneira pela qual ele (Natanael) é chamado sugere que ele é diferente do “discípulo amado” (ver também João 1:45-51). Como Tiago morreu no início da vida da igreja que surgia (At. 12:2), somente João resta, para ser seriamente considerado, dos relacionados em 21:2. De acordo com os Sinópticos (Mat. 26:20; Mar. 14:17,20; Luc. 22:14,30), somente os doze estavam presentes na última Ceia. Isto necessariamente afastaria qualquer sugestão acerca de Lázaro ou João Marcos ou qualquer outra pessoa. Segundo a informação dada no Evangelho, “o discípulo a quem Jesus amava” tinha estreita relação com Pedro (João 13:23 e ss.; 20:2; 21:7); e o livro de Atos relata a obra de Pedro e João juntos (3:1,11; 4:13; 8:14; cf. Gál. 2:9). Os Sinópticos também testificam da intimidade de Pedro e João (juntamente com Tiago), embora às vezes João não seja visto de modo muito favorável (Mar. 9:38; 10:35 e ss.; 13:3 e ss; Luc. 9:54).

Surge uma pergunta sobre por que um discípulo que tão freqüentemente é mencionado nos Sinópticos não seja mencionado no quarto Evangelho. Deve-se observar que neste Evangelho o autor, mui cuidadosamente, fez distinções entre pessoas (1:40,44; 6:71; 11:16; 13:2,26; 14:22; 20:24; 21:2); ele somente chama o Batista de João (1:6, 15, 19, etc). Certamente qualquer escritor cristão do primeiro ou segundo séculos saberia acerca dos dois homens bem conhecidos, com o mesmo nome, que tinham estreita relação com Jesus. Chamar o Batista de João e não dar o nome do filho de Zebedeu só faz sentido se o próprio autor é esse outro João.

O argumento de que o autor do quarto Evangelho usou os Sinópticos (especialmente Marcos e talvez Lucas) e, conseqüentemente, não poderia ter sido um apóstolo, não é mais mantido pela maioria dos estudiosos modernos. O argumento antigo é que este Evangelho dependeu dos outros três, para sua informação básica, e nenhum apóstolo teria tomado material emprestado de escritores não-apostólicos (Marcos e Lucas). A crítica moderna está mudando para a posição de que isto não é necessariamente verdadeiro. Se Pedro está por trás de Marcos, e se Lucas foi diligente em sua pesquisa, não haveria razão por que um apóstolo não teria tomado emprestado destes. Por outro lado, é altamente improvável, como muitos críticos estão começando a achar, que o material do quarto Evangelho depende da tradição sinóptica. As áreas para comparação são demasiadamente poucas para confirmar a dependência, e as diferenças, demasiadamente grandes e numerosas para argumentar em favor da dependência. Se os Sinópticos fossem conhecidos quando o quarto Evangelho foi escrito, então somente a autoridade apostólica reconhecida poderia explicar tais histórias divergentes acerca do ministério de nosso Senhor Jesus Cristo.

A objeção de que seria impossível, para um apóstolo, identificar-se com a expressão singular “o discípulo a quem Jesus amava” ainda tem algum apoio entre os críticos. Será possível alguém usar tal expressão com referência a si mesmo? Não parece ser uma maneira natural de se descrever uma pessoa. Todavia, deve ser lembrado que Jesus constantemente se referia a si mesmo como “o Filho do Homem”. Acerca disto, William Sanday diz:

“O discípulo amado teve uma razão especial para não querer intrometer sua própria personalidade. Ele estava consciente de um grande privilégio, de um privilégio que o separaria, por todos os tempos, de entre os filhos dos homens. Ele não pôde resistir à tentação de falar acerca desse privilégio. O impulso de afeição que respondia à afeição fez com que ele o declarasse. Mas a consciência de que fazia isto e a reação de modéstia levaram-no, ao mesmo momento, a suprimir o que um egoísmo vulgar poderia ter acentuado: o plano inferior de sua própria individualidade. O filho de Zebedeu (se era ele) desejou ficar misturado e perdido na expressão “o discípulo a quem Jesus amava” (William Sanday, The Criticism of the Fourth Gospel — A Crítica do Quarto Evangelho, p. 79-80).

Desta forma, é possível alguém referir-se a si mesmo de tal maneira, embora não seja natural. Aqueles que se opõem a tal identificação procuram encontrar uma solução por outras maneiras. Foi sugerido que “o discípulo a quem Jesus amava” era o jovem príncipe rico que, em Marcos 10:21, é identificado como um a quem Jesus amou. Como não existe nenhuma menção no Novo Testamento acerca de este jovem ter-se tornado um discípulo, e como somente os doze estavam presentes na última Ceia, esta sugestão não é provável. Alguns tentaram dizer que Lázaro, irmão de Marta e Maria, é este “discípulo amado”. Esta conjetura é baseada em João 11:36; contudo, Lázaro não foi contado entre os doze, e, portanto, não estava presente no cenáculo na última Ceia. Ainda outra idéia é concluir-se que um seguidor de João (filho de Zebedeu) escreveu o quarto Evangelho, e, nos lugares onde o nome de João normalmente apareceria, o escritor usou a locução. Isto identificaria “o discípulo amado” como o apóstolo João, e esse é exatamente o ponto desta discussão. Outra ramificação disto é ver o “discípulo a quem Jesus amava” como a figura ideal de um seguidor de Jesus. Ele então seria uma pessoa não-histórica, e é visto como sendo a testemunha da igreja, para ela mesma e para seu Senhor. A crítica moderna, entretanto, está reconhecendo mais e mais o valor histórico do quarto Evangelho, e isto impediria qualquer tentativa de extrair-se da tradição da igreja uma pessoa não-histórica.

Devido à evidência preponderante em favor da visão tradicional de que o filho de Zebedeu deve ser identificado como “o discípulo a quem Jesus amava” e que ele está por trás da narrativa do quarto Evangelho, não há razão lógica para se negar sua mão em sua composição. Ambas as evidências, interna e externa, são tais, que concluir-se de outra maneira é agarrar-se a qualquer coisa. Admite-se que há áreas problemáticas, mas a solução mais lógica e óbvia, e que apresenta menos dificuldades, é dizer-se que João, o filho de Zebedeu, é o autor do nosso quarto Evangelho.