Estudo sobre Romanos 8:19-22

Estudo sobre Romanos 8:19-22

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Romanos 8:19-22

Paulo principia com um olhar lateral para a “criação”. Para suas afirmações a esse respeito ele não se baseia nas capacidades sensitivas de um poeta que percebe o rumor da natureza, nem obviamente no que as ciências naturais podem captar. Com o “porque sabemos” (v. 22) ele aponta, antes, para tradições reconhecidas em todas as igrejas, sobretudo para o AT. Trata-se de um saber que cresce a partir da fé em Deus, registrada na Bíblia. Quem crê em ídolos, fala de maneira muito diferente sobre a natureza. Muitas vezes não “sabemos”! Em grande extensão as influências culturais e filosóficas nos cortaram das correlações com tudo que foi criado. Resta, para o pensamento formado pela Era Moderna, como realidade última, o indivíduo na sua escrivaninha, um lugar no qual ele faz de si a medida de todas as coisas. – Lá fora, experimenta, indefeso, sua pobreza de contato com a natureza, com o próximo, a igreja e o cosmos.

O sentido do termo “criação” – um vocábulo que ocorre em cada um dos quatro versículos! – abrange primeiramente tudo o que foi criado, embora tenhamos de contar com restrições em casos concretos. Em nosso caso está excluída a igreja que crê, uma vez que segundo o v. 23 ela se contrapõe nitidamente à criação. De acordo com o v. 20, porém, as pessoas como tais ficam de fora, pois ali tem-se em mente apenas aquelas criaturas que sem culpa pessoal foram desafortunadamente submetidas à vaidade (ou nulidade). Entretanto, em última análise isso não acontece com nenhuma pessoa (Rm 1.19-21; 5.12). Logo, no texto em análise, o termo não possui nenhuma característica de indefinição. Não se fala do mundo caído, e sim do mundo subjugado. Não depõe contra essa compreensão o fato de que se atribuem a essa criação extra-humana atos pessoais como esperar, perseverar e gemer. No AT isso ocorre com copiosa frequência. É verdade que o AT se serve de uma linguagem dramática, artisticamente elaborada, mas encontra-se nesses textos mais que poesia para o nosso deleite. A capacidade que os seres humanos têm de falar sobre o que está fora da esfera humana esbarra em insuficiência, porque podem servir-se apenas de termos que obtiveram do fato de serem humanos. Tão somente é importante que tenhamos consciência dessa limitação. Os autores bíblicos jamais confundiram ser humano e animal, ou ser humano e planta. Por isso lhes era permitido falar espontaneamente da natureza de forma humana, contando também com leitores compreensivos.

Paulo atribui, portanto, à criação irracional uma “ardente expectativa”. Não está contente com sua condição atual. Segundo Gn 1.31 ela foi, certa vez, como tudo, “boa”. Para quem foi ela boa? Seguramente para o ser humano, mas também para Deus. Ela não somente existe por meio de Deus, mas também para ele (Rm 11.36). Foi-lhe infundida uma disposição interior para glorificação dele. Porém, foi justamente nisso que ela sofreu interrupção. Um evento singular tirou-a da trajetória e forçou-a a girar no ponto morto (v. 20). Ela busca impetuosamente sair desse distúrbio, a fim de voltar a cumprir sua determinação original. Como isso poderá acontecer? De acordo com o v. 19, pela “revelação dos filhos de Deus” (cf o v. 21: por meio da “gloriosa liberdade” deles). Logo, sua história está incorporada à história da humanidade.

Os v. 20,21 elucidam essa realidade. A condição atual da natureza não é decorrente de culpa ou castigo, mas é destino: não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou. Se essa explicação constitui uma alusão à palavra de condenação de Gn 3.17 (“maldita é a terra por tua causa”), uma referência da qual dificilmente poderemos esquivar-nos, então foi Deus quem agiu como juiz na criação extra-humana por causa do ser humano. Não se pode afirmar um ato desses a respeito de Adão. Deus havia entregue tudo fiduciariamente ao ser humano, coroara-o como rei sobre a terra. Essa atribuição do ser humano era tão válida e essencial que o fato de ele se rebelar contra Deus tinha de trazer conseqüências à esfera de sua responsabilidade. A coroa da criação tornou-se a catástrofe da criação. Agora a natureza em torno do ser humano está turbada, reprimida, atrofiada, exaurida. Porém, se a história da natureza está tão estritamente acoplada à história humana, não é nada mais que coerente que o ser humano tenha de estar novamente em ordem se queremos que a natureza volte a estar em ordem. É justamente esse o seu clarão de esperança (início do v. 21). Se o ser humano caído, rebelde, não se rebelar mais, mas tornar a brilhar na verdadeira condição de filho, também céu e terra, com tudo que há entre eles, terão um novo brilho. Portanto, a doutrina da salvação na Bíblia não está orientada segundo o indivíduo isolado. Sendo Cristo a revelação do Criador de todas as coisas, a redenção vinda dele não pode permanecer restrita ao ser humano individualmente, nem à humanidade como tal.

No v. 22 Paulo solidifica seu veredicto do v. 20. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias (“sofre como uma mulher que está em trabalho de parto [BLH]”) até agora. A criatura na sua totalidade entoa sua saudosa expectativa no “gemer” que clama aos céus. Suas “dores de parto”c pressupõem de uma ou outra forma uma participação no “renascimento” das antigas condições do mundo (Mt 19.28). Decididamente o “gemer” tem outro conteúdo que quatro versículos adiante, onde se lê que o Espírito “geme”105. No presente texto o termo adquire seu perfil pelo fato de que esse clamor brota da boca de subjugados (v. 20). Norteador para a compreensão é o “gemer” de Israel sob o Faraó. Lá estava em questão mais do que rejeitar instintivamente um peso físico extremo. Pôs-se a clamar um povo que, por princípio, não queria nem devia identificar-se com seu modo de existir (cf Rm 7.15). Enquanto pessoas convocadas para a liberdade, os escravizados ajuizavam uma demanda legal por meio do seu “gemido”. Foi assim que Moisés a traduziu incansavelmente em nome de Deus: “Deixa ir o meu povo, para que me sirva!” É assim que também a terra clama a Deus. Paulo traduz sua dor, seu direito divino e sua ardente expectativa de libertação.

Por razões temáticas, Paulo traz aqui somente um recorte da doutrina bíblica sobre a criação. No entanto, a sinfonia cósmica do gemido absolutamente não é tudo o que cabe dizer sobre ela. Já em Gn 3 Deus mesclou suas condenações com provas de sua fidelidade continuada. De acordo com At 14.17 ele preenche os corações humanos com “alimento… (e) alegria” (BLH). Fora do âmbito da revelação de salvação também há uma justificada alegria de existir.

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Estudo sobre Romanos 8:19-22