Estudo sobre Apocalipse 13:13-17
Estudo sobre Apocalipse 13:13-17
Aos sinais milagrosos dos verdadeiros profetas e testemunhas de Jesus, em Ap 11.5,6, esse pseudoprofeta contrapõe, como imitação, sinais dele próprio.624 Também opera grandes sinais, de maneira que até fogo do céu faz descer à terra, diante dos homens. Foi assim que os magos de Faraó imitaram os sinais de legitimação de Moisés e Arão (nota 622).
“Fogo do céu“ constantemente se reveste de importância quando é preciso decidir infalivelmente entre mentira e verdade e demonstrar verdadeira autoridade.625 Aqui parece que a besta da terra está produzindo essa prova, e de agora em diante uma oposição a essa reivindicação perde o fundamento na opinião dos assistentes.
A Antiguidade estava repleta de relatos de milagres.626 Um milagreiro gentio, Simão, o mágico, aparece em At 8.9ss, e outro, de nome Elimas, em At 13.8. Reporta-se também que, em relação com o culto à serpente salvadora (Asklepios), aconteceram fatos admiráveis (cf. o exposto sobre Ap 2.13; 9.21), e se apelou para a magia e truques justamente para a implantação do culto ao imperador. Nesse contexto talvez possamos recordar a história de uma máquina de tempestades do imperador Calígula, que imitava o deus que arremessa relâmpagos. Até mesmo aquele que é capaz de explicar sua fabricação pode ficar impressionado com um fogo de artifício.627
Seduz os que habitam sobre a terra por causa dos sinais que lhe foi dado executar diante da besta. No AT e também já em Ap 2.14,20 a sedução possui o significado especial: desencaminhar para a idolatria. A idolatria, por sua vez, é adoração de imagens, com o que transgride um mandamento fundamental do AT: “Não farás para ti imagem de escultura para adorá-la!” [Êx 20.4,5]. Como em Dt 13.2-4 emite-se, com a autoridade dos sinais, a ordem de fazer uma imagem à besta, àquela que, ferida à espada, sobreviveu (“revivera” [NVI]).
Essa imagem é citada ainda oito vezes com tremor no Ap como o ápice da blasfêmia, de maneira muito similar ao livro de Daniel (Dn 11.31; 12.11; cf. Mt 24.15; 2Ts 2.3,4). Dessa forma o Ap transmite como ele imagina o cumprimento dessas palavras de Daniel, a saber, dissociado do templo e de uma reconstrução de Jerusalém.
Assim como os antigos profetas costumavam denunciar que as próprias pessoas criavam a imagem à qual depois adoravam de modo tão submisso, assim também acontece agora. À pergunta sobre o modelo usando pelas pessoas para repetidamente formar seus ídolos podemos responder tranquilamente com L. Feuerbach: “O ser humano criou deus à sua própria imagem”. O ser humano que sofre e se sente magoado com o quadro da sua realidade revela através de seu ídolo a imagem ideal que ele constrói para si mesmo e ao qual ele serve plenamente com saudade e disposição de sacrifício. O ser humano adora o ser humano. Com certeza a afirmação de Feuerbach atinge um elemento essencial de todas as religiões. Mas efetivamente não atinge a Bíblia. Pois ela ensina a adoração daquele que permanece santamente soberano perante todas as nossas imagens e concepções. É por isso que a adoração a Deus e adoração a imagens se opõem diametralmente.628 Quanto à descrição da primeira besta aqui, cf. o comentário a Ap 13.1-3.
Entretanto, a idolatria possui um calcanhar de Aquiles, reconhecido de forma certeira pelos profetas do at. Os ídolos consistem de material inanimado. É por isso que não ouvem, nem vêem, nem falam.629 Contudo, o profeta de mentira parece conseguir dissimular esse ponto fraco. E lhe foi dado comunicar fôlego (“espírito” [rc]) à imagem da besta. A ação relembra diretamente Gn 2.7: primeiro Deus molda o ser humano, depois lhe sopra o fôlego da vida. Em decorrência, a imagem está viva, como parece ser comprovado por intermédio de duas habilidades.
Primeiramente a imagem da besta falou (“para que… a imagem falasse”). Havia muitas lendas naquele tempo que relatavam acerca de imagens de deus que falam.630 Sacerdotes egípcios gozavam da fama de serem capazes de conferir fôlego às estátuas.631 Igualmente recordamos as imagens de Maria, nos locais de peregrinação da Idade Média, que choravam, falavam e realizavam milagres. Stauffer reproduz, à pág. 185, a cerimônia cultual em torno da imagem do imperador, durante a qual os adoradores lançavam seus grãos de incenso nas chamas do candelabro, de modo que se formava forte fumaça. “A trepidante música de flautas e harpas inebriava os sentidos. A imagem do imperador desaparecia na fumaça que enchia o pavilhão do templo. Esta era a hora propícia para todo tipo de truques em torno da figura da graça imperial. Podiam-se ouvir vozes, perceber movimentos…”
No entanto, esta imagem também dispunha de uma visão aguçada. Imediatamente ela notava aquele que não caía de joelhos com reverência por saber conservar sentidos lúcidos e talvez também porque ousasse levantar perguntas críticas. De imediato ele tombava mortalmente. A besta fez morrer quantos não adorassem a imagem da besta. Caíam mortos, vitimados pelo golpe das adagas da polícia do templo, distribuída entre os visitantes. Contudo os executores davam o golpe com base num gesto da efígie que acreditavam ter visto claramente. Pela experiência, um exemplo desse tipo bastava. Imediatamente o fato se espalhava, e o medo e o pavor cobria a multidão. Era dessa maneira que o terror servia como reforço, quando o simulacro dos milagres não surtia efeito. Existem antigos exemplos dessa prática (Dn 3.5-7,15). Do mesmo modo, quem se negava a prestar culto ao imperador romano era réu de morte.632
Será que a presente passagem (e também Ap 11.7; 13.7) pressupõe uma situação em que os cristãos, sem exceção, se tornam mártires, restando tão somente não-cristãos e cristãos apóstatas? O teor do texto é implacável: quem não adora, é morto. Portanto, quem está vivo, adorou a besta. Não obstante, essa leitura está equivocada, pois os versículos seguintes somente fazem sentido se ainda houver cristãos. A profecia jamais é uma fotografia que registra todos os detalhes. Ao contrário, ela capta as linhas essenciais e opera com simplificações. Nesse momento enfoca-se, pelo olhar profético, uma época em que toda pessoa que é cristã se situa sob o prefixo do martírio, e ninguém é cristão sem a prontidão fundamental para o ato extremo. Mas nem por isso todos os cristãos se tornam de fato mártires, porque Deus não requer de todos a comprovação dessa disposição (cf. o comentário a Ap 2.10). Até a vinda do Senhor haverá comunidades cristãs, ainda que se utilizasse um sistema perfeito para o extermínio dos fiéis. O sistema mais perfeito ainda seria furado por causa dos milagres de preservação de Deus e de Cristo.
Elias estava deitado sob o zimbro, pensando que Jezabel dominava a situação e que todos os fiéis estavam exterminados ou tinham apostatado: “Eu fiquei só!” (1Rs 19.14). Então Deus lhe revela que ainda vivem outros sete mil que não dobraram os joelhos diante de Baal. Além disso, quando Sadraque, Mesaque e Abede-Nego são lançados na fornalha ardente por causa de sua fé (Dn 3), não ouvimos nada sobre Daniel. Ileso, ele se encontra num lugar qualquer. Quando, por sua vez, Daniel foi lançado entre os leões (Dn 6), parece que a provação, aleatoriamente, deixou de lado seus amigos. Assim Deus sempre tem redutos nos quais sua gente canta: “Apesar do velho dragão, apesar do fosso da morte, e do medo que traz! Esperneia, mundo, empinando; eu fico aqui cantando em segurança e paz. A força de Deus guia os passos meus. Terra e abismo hão de temer, por mais que me queiram premer.”633
O v. 16 relata a formação da “igreja” do anticristo, trazendo inicialmente sua composição. E fez com que se dobrassem unanimemente a todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos. Essa agora é a “grande apostasia” de 2Ts 2.3. Ela abrange a todos. A homogeneização de toda a sociedade foi bem-sucedida. O medo faz com que as resistências se dissipem como água. As persistentes diferenças sociais634 deixam de ser diferenças diante dessa efígie. Os grandes, ricos e livres renunciam da forma mais indigna possível à sua magnitude, seu orgulho e sua liberdade, tornando-se submissos como os pequenos, pobres e escravos.
Todos eles se acotovelam para ingressar nessa “igreja” pela obtenção de uma marca de identificação. A besta faz que lhes seja dada (“que eles próprios se dessem”) certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte. A marca de identificação (ocorre também em Ap 14.9; 20.4) está contraposta ao lacre de Ap 7.2,3. Num ato de consagração ela é afixada num local visível. Dessa maneira o profeta de mentira impele para a confissão pública. Cada um precisa expressar-se positivamente, de forma que silenciar já torna alguém perfeito. Não se tolera mais uma massa indiferente, em que ainda podem se ocultar nichos de resistência.
Depois que a besta surgida da terra providencia que se destaquem os que confessam a Cristo, ela os submete à discriminação social. E fez que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca. Os cristãos não compravam nada, nem por dinheiro, nem por trabalho, nem por negociação, a não ser pela aceitação da marca da besta. Os adoradores da besta contrapõem-se aos adoradores do Cordeiro num acirramento extremo. Agora não há mais como se desviar do tema: “Cai de joelhos e adora a besta!” Para os santos, porém, isso seria mais terrível que morrer. Para eles, a oração seguinte não é uma empolgação poética: “Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre” (Sl 73.25,26).635
A frase final esclarece que a marca consiste num nome tatuado na testa ou na mão, numa total correspondência com o selo em Ap 7.3, do qual é dito em Ap 14.1: “Tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai”. No presente texto repete-se, pois, em concordância com Ap 14.11: a saber, o nome da besta. Esta informação é acrescentada em seguida: ou636 o número do seu nome. Portanto, o nome aparece não em forma de letras, mas na forma de um número. Naquele tempo era frequente reproduzir nomes por meio de um número. A equação que se estabeleceu agora é: marca = nome = número. No v. 18 ela é prolongada mais uma última vez.
Aqui está a sabedoria (“É o momento de ter discernimento!” [teb]). Assim João começa em vista do dado numérico que vem de imediato. Nem todos saberão o que fazer com ele. O próprio número constitui apenas uma revelação condicional do mistério. Para certas pessoas ele deve permanecer oculto.
Aquele que tem entendimento637 calcule o número da besta, pois é número de homem. Esse é o quarto elemento daquela equação. Tanto a marca quanto o nome quanto o número apontam todos para uma pessoa, para um determinado indivíduo humano. É assim que devemos entender a explicação, como o faz a maioria dos comentaristas.638
Em meio à tensão cada vez maior pronuncia-se agora o número: e seu número é seiscentos e sessenta e seis. Já no século ii os intérpretes encontravam-se sem solução diante desse dado.639 Essa aporia prosseguiu e produziu um número tão grande de interpretações que hoje poderia ser evidência de sabedoria confessar simplesmente a própria ignorância e suspender humildemente todas as tentativas restantes. Ireneo conformou-se após algumas tentativas, afirmando não haver solução. Essa sabedoria, no entanto, certamente terá de vigorar apenas depois que tomarmos conhecimento das tentativas de solução.640
Notas:
624. Prática anticristã de milagres também em Mc 13.22; 2Ts 2.9.
622. Cf. os sinais milagrosos que os magos faziam “diante de Faraó”: Êx 7.11,22.
625. 1Rs 18.24-39; Lc 9.54.
626. Exemplos em Bousset, pág. 426.
627. Outras interpretações desses sinais milagrosos: Rissi supõe uma imitação do milagre do Pentecostes, a saber, batismo com o espírito e com fogo, agora como inspiração anti-sagrada; Klumbies pensa numa imitação do juízo de Deus em Gn 19.24,25.
628. É óbvio que também nós, por natureza, inegavelmente fabricaremos nossas próprias imagens de Deus, correndo também o perigo de adorar a essas imagens, ao invés de permitir que em cada celebração voltem a ser queimadas, para podermos adorá-lo em Espírito e em verdade [cf. nota da nvi].
629. P. ex., Is 44.9-20; Sl 115.5; Jr 10.3-5,13-15; cf. Ap 9.20.
630. Hadorn e também Rissi apresentam exemplos disso.
631. Sem continuar elaborando essa questão, não queremos deixar de apontar para a possibilidade do ludíbrio: na parte interior oca da estátua escondia-se uma pessoa ou um ventríloquo se postava ao lado dela.
632. Assim escreve Plínio numa carta ao imperador Trajano (cf. nota 12): “Entrementes observei a seguinte tramitação em relação aos que foram acusados diante de mim como cristãos: Pergunto-lhes se são cristãos. Quando confessam que sim, apresento-lhes a pergunta uma segunda e terceira vez mediante ameaça da pena de morte. Quando perseveram na declaração, ordeno que sejam levados (para a execução)… Aos que negavam que fossem ou tivessem sido cristãos considero que posso soltá-los novamente, quando… invocam aos deuses e adoram… tua imagem com incenso e doações de vinho, além de amaldiçoarem a Cristo. Essas são todas ações para as quais, como se diz, cristãos autênticos simplesmente não se deixam forçar” (citado segundo F. Zange, Zeugnisse der Kirchengeschichte, Gütersloh 1912, p. 7). É muito significativa a última frase. Interceder pelo imperador era para muitos cristãos a expressão mais sincera de sua fidelidade ao Estado. Contudo, uma vez que somente a adoração a ele valeria como fidelidade ao Estado, eles tinham de confessar sua infidelidade ao Estado. Do ponto de vista do Estado, eles constituíam elementos hostis a ele apenas por serem cristãos, sem gravames adicionais.
633. Logo é injusto acusar os cristãos sobreviventes em geral de que sobreviveram, e exigir deles explicações porque não sofreram o martírio.
634. Listagens similares em Daniel e Ap 6.15; 19.18.
635. A história fornece todo tipo de ilustrações para esses versículos. De acordo com 3Macabeus 2.29, Ptolemeu iv (222-204 a.C.) grassava contra os judeus no Egito. Fechou as suas sinagogas e tentou forçá-los a tatuar na pele a folha de hera como sinal do deus Dionísio, aderindo dessa maneira a esse culto. Aos que se opunham ele os ameaçava com a morte. – Segundo Bill iv, pág. 250ss, os judeus usavam (mais tarde apenas durante a oração) correias de oração, tephilim. Talvez a expressão tenha parentesco com “testemunho”, “prova”. Uma eles traziam em torno da cabeça, de modo que a cápsula em forma de dado se encontrava entre os olhos e sobre o nariz afixado na testa, uma segunda no antebraço esquerdo à altura do coração. Elas eram consideradas um símbolo da fidelidade à lei e tornaram-se prerrogativa dos círculos de orientação farisaica. Quem não os usava era para eles como rejeitado por Deus e era boicotado economicamente (cf. Êx 13.9; Mt 23.3). – Holtz, Stauffer e Halver ponderam uma eventual relação com moedas que mostravam a efígie do “imperador Domiciano, digno de adoração”. Quem não a tomava nas mãos não podia comprar nada. Stauffer informa que o sumo sacerdote imperial trazia uma imagem de césar na testa e um anel de selar na mão, marcando os devotos com o sinal do imperador. Cullmann escreve: “Sabemos que nas perseguições posteriores aos cristãos eram fornecidos certificados aos que haviam prestado sacrifício. Aqui se diz – provavelmente uma ilustração – que o carimbo lhes é impresso sobre a fronte” (Der Staat im Neuen Testament, 2ª ed. Tübingen, 1961, pág. 56). – Finalmente informemos ainda sobre a interpretação adventista. Segundo Kobs, o v. 17 é uma indicação para o domingo e o fechamento do comércio. A santificação do “domingo”, que teria sido instituída pelo anticristo (= Papa), seria a marca da besta e significaria adoração do deus Sol. Em contrapartida, cumprir o sábado seria o mesmo que ater-se ao nome de Iahweh. A decisão entre sábado ou domingo faria parte das decisões substanciais do fim dos tempos.
636. A conexão “ou” não tem sentido alternativo, porém explicativo. Nesse sentido solto, a palavra “ou” também ocorre no v. 16 e em Ap 14.9; em Ap 20.4 está no lugar dela “e”.
637. A conjugação de sabedoria e entendimento ocorre mais uma vez em Ap 17.9.
638. É o que informam Bousset, Hadorn, Zahn, Rissi, Halver, e também Kühle, em Ki-ThW vol. i, pág. 463. – Em contrapartida, p. ex., Stokmann entende “número de homem” como número humano, profano, contrastando com números sagrados e simbólicos.
639. Essa situação possivelmente já se espelha nos manuscritos gregos. O número “666” ocorre num dos melhores e mais antigos manuscritos que possuímos do nt (Chester Beatty), e além disso no Códice Sinaítico e no Códice Alexandrino, em Ireneo, Orígines, Hipólito, sem contar uma multidão de testemunhas posteriores. Contudo, Ireneo já tinha conhecimento do número “616” nesse local. Ele explicava esse fato como um erro de cópia; provavelmente, porém, trata-se de uma correção intencional, para chegar a uma interpretação histórica. O número “646” no presente texto, trazido por uma tradução latina do século ix, deveria ser um equívoco de cópia. O quatro pode ter escorregado do versículo subsequente para esse local.
640. Não consideramos digna de apreciação a solução de Bengel, que refere o número a um período de 666 anos, durante os quais a besta teria poder. Ele alega que na Idade Média essa foi a opinião predominante durante trezentos anos. – Alguns manuscritos não apresentam o número por extenso, mas em símbolos numéricos, a saber, “ch” para 600, “x” para 60 e “s” para 6. Uma vez que “ch” e “s” são ao mesmo tempo as letras inicial e final de “Cristo” e que na escrita grega em minúsculo o “x” intercalado tem semelhança de cobra, viu-se nisso um sentido profundo: a serpente satânica reveste-se de Cristo. Contudo, no tempo de João as letras minúsculas ainda não haviam sido inventadas.