Estudo sobre Gálatas 6:2

Estudo sobre Gálatas 6:2


Paulo insere a instrução no seu nexo cristológico: Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo. Também o mundo gentílico conhecia e conhece a ideia de carregar as cargas um do outro. “Levem entre amigos todas as cargas em conjunto” (Menandro, século iii a.C.). Amigos compartilham a dor, amigos buscam alívio junto de seus amigos. Também o Talmude cita como dever do aluno de um rabino que ele “carregue o jugo com o seu próximo”. Logo é inegável que também existem fora do cristianismo percepções boas e úteis das condições da convivência humana. A pergunta é tão somente se Paulo queria passar adiante nessa exortação uma sabedoria geral de vida, ou seja, se ele lança o v. 2 sem uma correlação, ou se ele está dando seguimento ao tema do irmão caído. Dificilmente “carga” poderia significar aqui o fardo geral da vida, p. ex., a carga do trabalho segundo Mt 20.12, o encargo da lei como em At 15.28, ou o fardo do sofrimento como em Ap 2.24, mas sim o ônus da culpa. Nesse caso, porém, quando afinal se trata de reciprocidade (“levai as cargas uns dos outros”), a comunhão cristã é para o apóstolo uma comunhão de culpa – uma notável contribuição para a questão dos pecados existentes entre os crentes. Com essa visão o apóstolo está ao mesmo tempo postado bem perto de seu Senhor, que considerou necessário ensinar aos seus discípulos (!) que peçam por perdão como se pede pelo pão de cada dia: “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (Mt 6.11,12).

Nas cartas paulinas às igrejas o “uns aos outros” (allélon) exerce um papel duradouro. A comunhão cristã é um intervir abrangente recíproco de uns em favor dos outros, uma ação em que cada membro é uma vez servidor e outra vez servido:

• amar uns aos outros (Rm 12.10; 1Ts 3.12; 2Ts 1.3);
• servir uns aos outros (Gl 5.13);
• consolar uns aos outros (Rm 1.12);
• suportar uns aos outros (Ef 4.2);
• ser membros uns dos outros (Rm 12.5; Ef 4.25);
• sujeitar-se uns aos outros (Ef 5.21);
• considerar os outros superiores a si mesmo (Fp 2.3);
• edificar uns aos outros (Rm 14.19);
• acolher uns aos outros (Rm 15.7);
• consolar uns aos outros (1Ts 4.18);
• exortar uns aos outros (1Ts 5.11 [rc, nvi]);
• ser benignos, compassivos uns aos outros (Ef 4.32);
• prestar assistência uns aos outros (1Co 12.25);
• seguir o bem de uns para com os outros (1Ts 5.15).

Esse “uns aos outros” recebe, agora, a coroação. Ele também resiste na situação em que o irmão está exposto na sua falta. No meio da briga dos irmãos, ele irrompe na força do Espírito Santo: Um pelo outro em vez de um contra o outro, pois Cristo é a nossa paz. Essa paz escolhe qualquer um como instrumento. Não precisa ser sempre o mesmo que medeia essa paz. Porém um na roda acalorada, ora um, ora outro recebe o impulso espiritual e age de acordo com Gl 5.25: “Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito”. Não há nada mais belo entre seres humanos. O que antes era tão sagrado para nós, nosso pouquinho de razão, nossa inveja, o prazer com a desgraça alheia, a necessidade de vingança, nossa satisfação, dissipa-se sob a gloriosa soberania de Jesus e na força de seu Espírito.


Na continuação (v. 2b) Paulo alicerça esse processo na cristologia e provavelmente de modo especial na cruz (estaurologia, de staurós, “cruz”), ao referir à cruz de Cristo aquele agir espiritual em relação ao irmão: assim, cumprireis a lei de Cristo. Novamente é pouco plausível que o pensamento se refira a uma instrução genérica (lei do amor ao próximo). Muito mais trata-se da lei à qual Cristo se submeteu no seu batismo no rio Jordão, que ele viveu depois durante todos os dias de sua vida, e que ele cumpriu integralmente na sua morte, a saber, de ser o servo que “carrega” por nós a carga do pecado, que a leva embora, que a elimina (Jo 1.29; Is 53.4; cf. Mt 8.17: “Ele… carregou as nossas enfermidades” [blh], com o verbo bastázo, como no presente texto). Esse “por nós” estaurológico também é um compromisso para os fiéis entre si. O “por nós” deve tornar-se o “uns pelos outros” dos irmãos, mesmo quando pela falta do irmão a prova extrema está diante da porta. Paulo não se deteve de estabelecer um nexo entre aquilo que Jesus fez pelo nosso pecado e o que nós devemos fazer em prol do irmão sobrecarregado. Repetidamente lemos o seguinte: “Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós” (Cl 3.13); “Andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício” (Ef 5.2; cf. Rm 15.7). A lei da vida de Cristo torna-se lei da vida e da sobrevivência da sua igreja.