Apocalipse 20 — Comentário Bíblico Online

Apocalipse 20

João viu descer (lit.: descendo) do céu um anjo que tinha a chave do abismo (aqui significando lugar de castigo) e uma grande cadeia na sua mão (1). Acerca do “abismo” já foi comentado anteriormente (9.1-2, 11; 11.7; 17.8). A palavra ocorre nova­mente no versículo 3. Afora essa passagem no Apocalipse, essa palavra é encontrada (no NT) somente em Lucas 8.31 e em Romanos 10.7. Nesse último texto, “abismo” parece significar “o reino dos mortos”, mas nas ocorrências restantes, o “lugar de aprisionamen­to dos espíritos desobedientes”. O anjo tinha uma grande cadeia, porque iria amar­rar um grande inimigo, isto é, o próprio Satanás.

Satanás é aqui chamado de o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás (2). Exatamente os mesmos quatro nomes são usados para ele em 12.9 (veja comentários ali). O arquiinimigo de Deus e dos homens é amarrado por mil anos. Essa expressão significativa é usada seis vezes em seis versículos (vv. 2-7).

A palavra grega para mil é chilia. Assim, aqueles que creem em um reino literal de Cristo e seus santos na terra por mil anos são muitas vezes chamados de “quiliastas”. A palavra latina para mil anos é millennium.' Em relação ao significado desse termo há três interpretações principais. Os pré-milenaristas' entendem que Cristo voltará antes do milênio e vai ele mesmo iniciar o seu reino de mil anos sobre a terra. Os pós-milenaristas acreditam que Cristo retornará depois que um milênio tenha ocorrido na Igreja. Os amilenaristas rejeitam a ideia de qualquer reino literal de Cristo na terra por mil anos.

Um exemplo típico dessa última interpretação é encontrado em Swete: “Mil anos, i.e., um longo período de tempo, uma longa época na história humana”. Lenski define esse período de maneira mais precisa: “Esses mil anos se estendem desde a encarnação e a entronização do Filho (12.5) até a queda final de Satanás no inferno (20.10), que representa todo o período do Novo Testamento”. Proponentes desse ponto de vista ressaltam a ideia de que todos os números em Apocalipse deveriam ser entendidos de forma simbólica e não literal.

Satanás é retratado como sendo preso e selado como prisioneiro no abismo durante mil anos, para que mais não engane as nações (3). Mas, depois importa que seja solto por um pouco de tempo; ou seja, por um breve período. Lemos mais acerca disso nos versículos 7-10.

Agora vem uma descrição do reino do milênio. João viu tronos; e assentaram-se sobre eles aqueles [...] (4). A figura aqui é tirada de Daniel 7.9, em que lemos: “foram postos uns tronos, e um ancião de dias se assentou”. Aqueles aqui evidentemente se refere a Cristo e seus santos. A quem foi dado o poder de julgar é uma repetição de Daniel 7.22: “Até que veio o ancião de dias, e foi dado o juízo aos santos do Altíssimo; e chegou o tempo em que os santos possuíram o reino”. Julgar evidentemente significa “o direito de julgar” (cf. 1 Co 6.2-3).'

Então apareceram as almas dos santos martirizados (cf. 6.9). Degolados é “lit., `golpeado com machado', o antigo modo romano de execução, após a condenação pelo magistrado supremo”.196 Swete observa: “O vidente ainda tem em mente os mártires da sua época, as vítimas de Nero e Domiciano”.197

E que (kai hoitiness) não adoraram a besta. Swete escreve: “Kai hoitiness introduz uma segunda classe de pessoas, os ‘’confessores’, e outros que foram fiéis no período da perseguição, com uma referência especial àqueles que nos dias de João se negaram a adorar a César”.198 Esses não foram necessariamente degolados. Eles haviam se recu­sado a adorar a besta ou receber seu sinal (cf. 13.15-18; 14.9-11; 16.2; 19.20).

Todas essas pessoas viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Esse período geralmente é conhecido como o reino do milênio. Cristo (gr., christos) significa “o Ungido”. Isso espelha Salmos 2.2.

A respeito da última parte desse versículo, João Wesley comenta: “E eles viveram ­suas almas e corpos unidos novamente. E reinaram com Cristo — não na terra, mas no céu. O ‘reinar na terra’, mencionado em Apocalipse 11.15, é completamente diferente disso”.1” Wesley também apresenta uma interpretação um tanto curiosa, a saber: “dois milênios distintos são mencionados ao longo dessa passagem [...] o milênio no qual Sata­nás é amarrado (vv. 2, 3, 7); o milênio no qual os santos reinarão (vv. 4-6)”.” O primeiro precede o segundo cronologicamente. Wesley acrescenta: “Durante o primeiro milênio, as promessas concernentes ao estado próspero da Igreja (Ap 10.7) serão cumpridas; no segundo milênio, enquanto os santos reinam com Cristo no céu, as pessoas da terra estarão despreocupadas e seguras”.’

O relato continua dizendo que os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a primeira ressurreição (5) Geralmente, entende-se desse versículo que a ressurreição dos justos ocorrerá antes do milênio, enquanto a ressurreição dos ímpios ocorrerá depois do milênio (cf. vv. 7, 13). Essa interpreta­ção tem sido, e continua sendo, fortemente combatida por muitos comentaristas de­votos e estudiosos. Desde a época de Agostinho, que foi influenciado contra o milenarismo por Jerônimo, os teólogos da igreja católica romana têm geralmente defendido a ideia de que a primeira ressurreição significa uma ressurreição dos mor­tos do pecado para uma vida de justiça. Simcox opõe-se a essa interpretação espiritualizada. Ele entende que, uma vez que uma ressurreição literal é reconhecidamente indicada no versículo 12, assim aqui “qualquer interpretação que não seja a literal parece exposta a insuperáveis dificuldades exegéticas”.202

Aquele que tomar parte na primeira ressurreição é bem-aventurado e santo (6). Wesley traduz essa frase por “feliz e santo” (veja comentários acerca de bem-aventura­do em CBB, vol. VI). Esse texto pode sugerir: “A Felicidade dos Santos”: 1) sobre estes não tem poder a segunda morte; 2) Eles serão sacerdotes de Deus e de Cristo; 3) Eles reinarão com ele mil anos.

Acerca do significado da segunda morte veja os comentários no versículo 14 (abai­xo). A combinação de Deus e de Cristo implica fortemente a divindade co-igual do Pai e do Filho. A ideia de que os crentes são sacerdotes já ocorreu em Apocalipse (cf. “reis e sacerdotes”, 1.6; 5.10). Aqui os sacerdotes também reinarão. Sacerdócio e realeza ­que privilégio para aqueles que seguem a Cristo!

6. A Batalha de Gogue e Magogue (20.7-10)

Esse evento geralmente é distinguido da batalha do Armagedom, que ocorre antes do milênio (19.19-21). Lá o líder do exército inimigo é o Anticristo; aqui é Satanás. Le­mos: E acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão (cf. vv. 1-3) e sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha (7-8).

Os termos Gogue e Magogue vêm de Ezequiel 38-39.203 O profeta recebe a ordem de dirigir o rosto “contra Gogue, terra de Magogue”, declarando em nome do Senhor: “Eis que eu sou contra ti, ó Gogue, príncipe e chefe de Meseque e de Tubal” (Ez 38.2-3). Isso sugere que Gogue é o governante e Magogue, o território. Josefo entende que Magogue em Ezequiel são os citas,' que surgiram na Ásia em 630 a.C., pouco antes de Ezequiel escrever a sua profecia. Antes da época de Cristo, no entanto, Gogue e Magogue repre­sentavam diferentes nações. Charles diz: “No segundo século a.C., essa invasão da Pa­lestina pelos dois povos, Gogue e Magogue, era claramente esperada”.' Os escritos rabínicos fazem referências frequentes a Gogue e Magogue como nações que marcha­rão contra o Messias. Com referência ao uso desses nomes no livro de Apocalipse, Charles escreve: “Os termos `Gogue e Magogue' incluem todos os incrédulos da terra”.'

A expressão Gogue e Magogue tem sido aplicada algumas vezes à Rússia de hoje. É verdade que o antigo povo de Magogue provavelmente esteve localizado, pelo menos em certo momento, a sudeste do mar Negro. Mas a identificação com a Rússia moderna não tem um fundamento seguro. Alguns têm identificado rosh, a palavra hebraica para “chefe” em Ezequiel 38.3, com a Rússia, e Meseque com Moscou. Mas essa é uma exegese extremamente fantasiosa, sem fundamento etimológico.

Um fato simples mas significativo é, com frequência, negligenciado. No versículo 8, Gogue e Magogue estão em aposição com as nações que estão sobre os quatro cantos da terra. As duas expressões referem-se aos exércitos inimigos reunidos de to­dos os lugares para a batalha. Portanto, dizer que Gogue e Magogue representam a Rússia é negar a clara instrução das Escrituras.

Esses exércitos inumeráveis (cf. v. 8) subiram sobre a largura da terra (9). A mesma palavra grega (ge) significa terra e “país”. Nesse caso refere-se provavelmente à terra de Israel, coberta pelos exércitos invasores. Isso é sugerido pela afirmação seguin­te de que cercaram o arraial dos santos e a cidade amada (Jerusalém). Mas desceu fogo do céu e os devorou (cf. Ez 39.6). No tempo oportuno, Deus pode sem muito esforço destruir os inimigos do bem.

O clímax foi que o diabo, que os enganava (cf. v. 8), foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta (cf. 19.20); e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre (10). A última frase também pode ,ser traduzida como: “pelos séculos dos séculos”, que é “a expressão mais forte possível para a perpetui­dade absoluta que a linguagem bíblica fornece”.207

7. O Grande Trono Branco (20.11-15)

O trono de julgamento era branco (11), simbolizando a absoluta pureza do Juiz. O que estava assentado sobre ele se refere ao Pai ou ao Filho? Paulo declara que “todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo” (2 Co 5.10), e “todos havemos de compa­recer ante o tribunal de Deus” (Rm 14.10, melhor texto grego). Foi o próprio João que registrou as palavras de Jesus: “E também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo” (Jo 5.22). Mas ele também registrou o seguinte: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30). Nesse caso, pensa-se que o Juiz é Deus (cf. v. 12).

De cuja presença fugiu a terra e o céu. Swete comenta: “A não-eternidade do estado ou natureza exterior é ensinada no AT [...] e o NT confirma essa doutrina”.2” No entanto, ele acrescenta: “Somente o estado exterior do mundo deve ser mudado e não a sua substância ou material”.109 Da terra e do céu (físico) é dito o seguinte: e não se achou lugar para eles (cf. Ap 12.8; Dn 2.35).

Então João escreve: E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se os livros (cf. Dn 7.10) — o arquivo da vida dos homens é manifesto — E abriu-se outro livro, que é o da vida (cf. 3.5; 13.8) — “a lista dos cidadãos vivos da Nova Jerusalém”?' O julgamento era baseado nas coisas que esta­vam escritas nos livros, segundo as suas obras (cf. Mt 16.27; Rm 2.6).

O que geralmente se entende como “a ressurreição geral” é descrito com estas pala­vras: E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno (Hades, a sepultura) deram os mortos que neles havia (13). Os gregos e romanos, bem como os judeus, colocavam grande ênfase no enterro do próprio corpo. Era, portanto, considerado uma grande desgraça estar perdido ou ser enterrado no mar. Hades era o nome para o lugar de espíritos de pessoas mortas (veja comentários em 1.18; 6.8). Swete observa: “A morte e o Hades formam um par inseparável [...] representando os dois aspectos da morte, o fato físico e sua consequência espiritual”.211

Não tem como escapar do julgamento. Lemos que cada um foi julgado de acordo com as suas obras. Hebreus 9.27 afirma: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo”. Nesta vida não há nada mais certo do que a morte. Cada pessoa deve morrer em dado momento. Mas, tão certo quanto a morte é o julgamento.

Finalmente, a morte (cf. 1 Co 15.26) e o inferno (Hades) foram lançados no lago de fogo (14). Essa declaração mostra claramente que é errado traduzir a palavra grega hades por inferno. Porque “inferno” é o termo geralmente usado para o tormento eter­no. Mas aqui lago de fogo é o lugar de tormento (cf. v. 10), e o hades é lançado nele. O lago de fogo é então definido como a segunda morte (cf. 2.11; 20.6; 21.8). Isso é morte eterna — não aniquilação, mas separação para sempre de Deus e de todo bem. A declaração final no registro do tempo de João é esta: E aquele que não foi acha­do escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo (15). O significado dessa advertência séria dificilmente pode passar despercebido. O visto de entrada para o céu é indicado claramente: ter o nosso nome escrito no livro da vida. Isso significa aceitar a Jesus Cristo como Salvador e Senhor. Manter o nome nesse livro exige que sejamos vencedores (Ap 3.5). Em última análise, essa é a única coisa que realmente importa.

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