Estudo sobre Romanos 1:5

Romanos 1:5

Depois da importante inclusão dos v. 2-4, Paulo dá seguimento à sua auto-apresentação do v. 1. Agora tem condições de falar de forma mais significativa do seu apostolado. Sua vocação foi uma decisão desse “Senhor” há pouco mencionado: por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado. É evidente que ele descreve uma mesma questão com dois termos. Ele forma em muitas passagens esta dupla de conceitos “graça e apostolado”[1]. “Graça” corresponde ao grego cháris, do qual se origina o termo “carisma”. Em decorrência, Paulo se considera como um apóstolo carismático especial num momento historicamente relevante. De acordo com Gl 2.9 também os demais apóstolos o reconheceram e admitiram como tal.

No entanto, esse Senhor não somente o proveu de dons e autoridade, mas também determinou a finalidade e o alvo da sua atuação. Ele recebeu a incumbência de conduzir os gentios para a obediência por fé. Pela sua posição na auto-apresentação, esta informação adquire um peso elevado, que ainda é potencializado pela repetição literal no final da carta em 16.26 (cf 15.18; 16.19). Ela emoldura todo o escrito como uma presilha. É por isso que lhe cabe uma atenção especial[2]. Não há dúvida de que simplesmente poderia constar que Paulo quer conduzir os gentios “à fé”. Então, que significa a ênfase da “obediência por fé”? Em 10.16 lemos: “nem todos obedeceram ao evangelho”, e com maiores detalhes em 2Co 9.13: “obediência da vossa confissão quanto ao evangelho de Cristo”. A obediência consiste, portanto, na sujeição voluntária ao evangelho ouvido, na primeira invocação, como Senhor, do Cristo anunciado.

Este resultado precisa ser aplicado em três aspectos. Primeiro reside nele uma pronta resposta aos judaístas, que suspeitavam de que Paulo estivesse propugnando uma oferta barata e irresponsável[3]. Contra isso fica evidente que o ato de crer é uma troca integral de senhorio, abrangendo o coração e os lábios (Rm 10.9,10). Quem fosse “crer” sem isso, permaneceria na escravidão do pecado (Rm 6.12,16,17).Para a mesma direção leva também o presente contexto. O ponto de partida foi, no v. 4, o senhorio do Ressuscitado. Na missão proclama-se seu nome de Senhor, a fim de ser invocado pelos que crêem (10.9-13). Se esse for o processo central da experiência da salvação, a obediência está profundamente contida na fé. Nesse aspecto é preciso que fiquem completamente de fora experiências repulsivas com exigências humanas por obediência. Tampouco se deve pensar em renunciar ao uso da inteligência em favor de uma “fé” distorcida, por exemplo diante de textos bíblicos complicados (sacrificium intellectus). Por se referir ao Senhor revelado, a fé não acontece cegamente, e sim com entendimento, e porque a mensagem ouvida é de alegria, a fé não é forçada, mas grata.

Ao mesmo tempo essa exacerbação também constitui a única maneira eficaz de assegurar que a fé não se distorça em obra meritória[4]. A fé não é um esforço humano direcionado para Deus, porém submissão ao processo empreendido por Deus em Cristo, da forma como nos é anunciado. Precisamente a obediência que ouve é renúncia radical à glória própria (Rm 3.27).

Finalmente, essa fórmula também aponta para a responsabilidade humana no despertamento da fé. O ouvinte do evangelho não deve ficar à espreita, vendo se a fé surge por si, se sobe por suas pernas ou se o toma de assalto. Pelo contrário, a fé lhe é ordenada[5]. Como criatura caída, ele experimenta diante de Deus a sua própria resistência, ou seja, sua falta de fé. Com essa aflição cabe-lhe refugiar-se em Deus, sujeitando-se a ele e sua palavra: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (Mc 9.24). O homem incapaz não é eximido dessa sujeição total ao Onipotente. Ainda que com a máxima deferência, o evangelho não deixa de solicitar dele uma resposta pessoal (2Co 5.20). Vigoram os termos de Ap 22.17: “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida”.

Esta soberania universal de Jesus proporcionava, ainda, abrangência universal ao apostolado de Paulo: atuar entre todos os gentios (os povos não-judaicos) em favor da glorificação de seu nome.


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Romanos 1:5

Notas
[1]Rm 12.3; 15.15; Gl 2.9; 1Co 1.18; 15.10; 2Co 1.12; 12.9; Ef 3.7-9.

[2]“Essa obediência por fé constitui o objeto de toda a carta aos Romanos” (Michel, pág. 329). “Obediência, obedecer” (hypakoé) não é apenas imprescindível ao se ingressar na fé, mas também para o cotidiano do cristão (cinco vezes em 6.12,16,17). Toda a seção dogmática desemboca neste conceito (quatro vezes apeitheia em 11.30-32). Observe também 5.19.

[3]Gl 1.10; Tg 2.14-20.

[4]Assim o judaísmo entendia equivocadamente a fé de Abraão como devoção exemplar, que Deus premiava declarando-o justo (cf. Gálatas, CE, pág. 104).

[5]Ou seria a nossa fé simplesmente decisão de Deus, “unicamente obra de Deus e exclusivamente dádiva de Deus” (O. Hofius, pág. 304)? Sobre isso F. Neugebauer (pág. 165ss) remete ao fato de que jamais Paulo desafiava: “Creiam!” Essa inferência, porém, é um curto-circuito. Sim, porque ele tampouco escreve: “Obedeçam ao evangelho!” Ele escreve cartas comunitárias a pessoas que ouvem e creem.