Adoração à Natureza — Enciclopédia Bíblica Online
ADORAÇÃO À NATUREZA
A adoração à natureza, também denominada naturismo ou fisiolatria, compreende um amplo espectro de práticas religiosas, espirituais e devocionais que se concentram no culto de uma divindade da natureza, entendida como a agência por trás dos fenômenos naturais observáveis em todo o cosmos [A Dictionary of Religion and Ethics, ed. Shailer Mathews, Gerald Birney Smith, p. 305]. Tal divindade pode ser concebida como responsável pela natureza em geral, por um lugar específico, por um biótopo, pela biosfera, pelo cosmo ou pelo universo. Não raramente, esse conjunto de práticas é apresentado como fonte “primitiva” de crenças religiosas posteriores (Uversa Press, 2003, pp. 805–810), manifestando-se, em registros etnográficos e tradições filosófico-religiosas, em formas de animismo, panteísmo, panenteísmo, politeísmo, deísmo, totemismo, xamanismo, taoismo, hinduísmo, certos teísmos e correntes do paganismo, inclusive a Wicca (Sanders, C., 2009, p. 13). Comum a muitas expressões de culto à natureza é o foco espiritual na conexão do indivíduo — e em sua influência percebida — sobre aspectos do mundo natural, bem como a reverência diante dele (Gilman, et al, 1922, pp. 288–289). Nesse horizonte, até obras e sensibilidades de autores como Edmund Spenser, Anthony Ashley-Cooper e Carl Linnaeus foram, em determinados contextos críticos, lidas como modalidades de “adoração da natureza” (Test, E. M. L., 2019, p. 111).
Em paralelo a esse panorama geral, fontes histórico-religiosas antigas atestam que, desde os primórdios, a deificação de forças naturais ocupou posição central em diversos sistemas cultuais. Documentos da Babilônia e de zonas de migração humana registram a proeminência de “deuses da natureza”, como o deus-sol Xamaxe, o deus egípcio da chuva e do trovão Tot e o cananeu Baal, associado à fertilidade. Tais divindades emergem como personificações de manifestações periódicas de poder — a emissão diária da luz solar, os efeitos sazonais dos solstícios e equinócios sobre verão e inverno, primavera e outono, a dinâmica dos ventos e tempestades, o regime das chuvas e seu impacto na fecundidade do solo. Dado que essas forças são impessoais, as culturas antigas preencheram a lacuna da agência atribuindo-lhes personalidade por projeção imaginativa, frequentemente resultando em deuses volúveis, sem propósito definido, moralmente degradados e, por isso, indignos de culto. Em contraste, “os céus e a terra” oferecem, já em seu caráter ordenado e inter-relacionado, sinais de uma Fonte superior de poder, que produz e sustém tais forças com finalidade inteligível; por isso, a resposta adequada é doxológica: “Digno és, Senhor, sim, nosso Deus, de receber a glória, e a honra, e o poder, porque criaste todas as coisas e porque elas existiram e foram criadas por tua vontade” (Apocalipse 4:11). Nesta chave, Deus não é regido por ciclos cósmicos nem confinado a eles; suas obras não são extravagantes ou incoerentes, mas revelam personalidade, normas e propósito.
A teologia bíblica, portanto, interpreta a adoração israelita a “deuses da natureza” como apostasia: suprimir a verdade e preferir a mentira, adorando a criação em vez do Criador. Paulo afirma que, embora Deus seja invisível, suas qualidades “são claramente vistas desde a criação do mundo em diante, porque são percebidas por meio das coisas feitas, mesmo seu sempiterno poder e Divindade, de modo que eles são inescusáveis” (Romanos 1:18–25). A idolatria naturalista, assim, não decorre de déficit de evidência, mas da recusa de ler o mundo criado como transparência do Deus vivo: “eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém” (Romanos 1:25). Em contraposição, o salmista confessa: “Eu sei que Yahweh é grande e que o nosso Senhor está acima de todos os deuses. Tudo o que Yahweh deseja, ele faz, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos” (Salmo 135:5–6).
Nesse quadro, o governo de Deus sobre as forças naturais se manifesta tanto na regularidade ordinária quanto, quando lhe apraz, no extraordinário vinculado à sua palavra. Sol, lua e estrelas seguem seus cursos; os sistemas atmosféricos obedecem a leis; gafanhotos e aves se movem segundo ritmos fixos. Por si sós, todavia, tais funções normais não bastam para santificar o nome de Deus frente à idolatria. Por isso, as Escrituras exibem ocasiões em que o Criador, sem violar o mundo que ordenou, liga elementos naturais a desígnios específicos e a tempos determinados, de modo que o evento, mesmo não sendo inédito em sua fenomenologia (seca, tempestade, anomalia climática), ganha caráter de sinal por cumprir a palavra profética (1 Reis 17:1; 18:1–2, 41–45). Em outros casos, o extraordinário reside na magnitude (“granizo, fogo misturado com granizo... como nunca houve no Egito”, Êxodo 9:24) ou no ineditismo (“farei maravilhas... coisa terrível”, Êxodo 34:10), bem como na pedagogia pública que vincula fenômeno e oração profética (1 Samuel 12:16–18). Essa lógica se estende a eventos de vida e morte: o nascimento de um filho por mulher estéril e idosa, como Sara (Gênesis 18:10–11; 21:1–2), e mortes ocorridas no tempo e modo preditos (1 Samuel 2:34; 2 Reis 7:1–2, 20; Jeremias 28:16–17). O efeito teológico é cumulativo: o Criador se revela como Deus verdadeiro, ao passo que os “deuses da natureza” se mostram “de nada valem” (Salmo 96:5).
A antropologia religiosa das fontes que tratam do culto naturalista ressalta uma ambivalência afetiva estruturante: dependência grata e temor reverente. Os seres humanos experimentam gratidão pelas provisões “gratuitas” — frutos, raízes, castanhas, água e ar — e, simultaneamente, pavor diante de fenômenos que excedem seu controle — tempestades, terremotos, relâmpagos e trovões, enchentes, erupções vulcânicas. O que escapa ao manejo humano adquire “certo senso de respeito” e motiva estratégias rituais de aplacamento (sacrifícios, orações, votos). A evolução histórica de tais disposições resulta, em numerosos contextos, na crença em “espíritos da natureza” vinculados a mananciais, cavernas, montanhas e bosques sagrados: uma escalada de ontologização do ambiente que, na perspectiva bíblica, constitui desvio provocado pelo pecado e é condenado por Deus — precisamente porque transfere ao criado a honra devida ao Criador (Romanos 1:25).
No contexto europeu antigo, a deificação de forças naturais estruturou a vida religiosa em várias culturas (York, M., 2003). Entre celtas e povos germânicos, deuses e espíritos eram associados a árvores, rios e montanhas; Thor, por exemplo, era vinculado ao trovão, e seu martelo, Mjölnir, tido como instrumento de controle de tempestades e relâmpagos. A deusa Nerthus, por sua vez, ligava-se à fertilidade e à terra, com rituais que incluíam o lavrar de campos sagrados para assegurar colheitas abundantes. A reverência por tais forças deificadas expressava-se em oferendas, sacrifícios e festivais, com bosques sagrados considerados moradas de divindades e acesso frequentemente restrito a oficiantes.
Na Grécia antiga, forças naturais foram personificadas e cultuadas como deuses e deusas (Burkert, W., 1985). Poseidon dominava o mar, as tempestades e os terremotos (e, por associação mítica, os cavalos); Deméter, deusa da agricultura, era responsável pela fertilidade da terra e pela cadência das estações. Rituais e festivais — como os Mistérios de Elêusis — celebravam a ciclicidade de vida, morte e renascimento, em estreita relação com o calendário agrícola, e reafirmavam a necessidade de honrar ritualmente os poderes percebidos na paisagem.
Entre povos indígenas das Américas, muitas tradições registram a reverência a forças naturais como potências espirituais. Em diversas nações, o “Grande Espírito” é concebido como criador e sustentador da vida, com domínio sobre o mundo natural, enquanto coletivos específicos — como os iroqueses — honram Entidades do Trovão, tidas como portadoras de chuva e fertilidade. Rituais como a Dança do Sol, praticada por várias tribos das planícies, combinam jejum, canto, dança e outras cerimônias em busca do favor do sol, concebido como vigor vivificante.
A reconstrução histórica do “culto à natureza”, contudo, é objeto de controvérsia. Ronald Hutton tem sido crítico quanto à antiguidade e à própria categoria de “adoração da natureza” ao tratar religiões do Mediterrâneo antigo, sustentando que tais deuses não seriam “deidades da natureza”, mas de “civilização e atividade humana”, ao passo que as supostas “Deusas-Mãe da Terra” seriam, em boa medida, construções literárias, desprovidas de templos ou sacerdócios dedicados; para Hutton, a autocompreensão neopagã e wiccana como culto essencialmente “à natureza” constitui fenômeno sem paralelo estrito na Antiguidade (Hutton, Ronald, 1998, p. 89). Tal posição recebeu críticas, como a de Ben Whitmore, wiccano neozelandês, que vê nela um risco de “desenraizar” neopagãos que se sentem em continuidade com deuses e cultos antigos (Whitmore, Ben, 2010, pp. 2-3). Hutton, todavia, reafirma substancialmente sua tese na segunda edição de The Triumph of the Moon (Hutton, 2019, p. 33). O debate historiográfico, assim, adverte contra generalizações simplistas e convida a distinguir, com precisão contextual, entre divindades funcionalmente ligadas a aspectos naturais e sistemas cultuais cujo núcleo identitário se define, de fato, como “adoração da natureza”.
O que ordinariamente se denomina “natureza” — o mundo físico, incluindo os seres vivos para além do controle da cultura humana — comparece com frequência, na consciência religiosa, como manifestação do sagrado. Pela natureza, modos de ser distintos do especificamente humano se revelam à imaginação religiosa: sol, lua e terra podem simbolizar realidades que transcendem a experiência humana. Ao longo da história das religiões, “natureza” é percebida como quem inicia uma relação com a humanidade, relação que fundamenta a existência e o bem-estar humanos; em grande medida, essa relação se expressa em formas de adoração, resposta da pessoa inteira, ou de comunidades inteiras, aos fenômenos naturais. O culto à natureza sublinha, assim, o paradoxo hierofânico: o sagrado pode manifestar-se em forma material sem perder o seu caráter essencial; níveis radicalmente distintos de existência são experimentados como interpenetrantes e coexistentes; a realidade profana pode tornar-se símbolo transparente de algo além de si, permanecendo o que é. Nesse horizonte, a natureza transcende a sua bruta fisicalidade, tornando-se cifra, símbolo de um além, e suas “modulações” como manifestação do sagrado convertem-se em recursos para compreender a condição religiosa humana. Muitas tradições elaboram, inclusive, uma crença no destino compartilhado de humanidade e natureza, atribuindo aos entes naturais qualidades tidas como humanas — afetos, ciclos vitais, personalidade e volição.
A fenomenologia cultual dessa percepção é vastíssima. O céu é amiúde venerado como manifestação da divindade ou como sede dos deuses: os Konde da África centro-oriental adoram Mbamba (Kiara/Kyala), que habita “acima do céu” e a quem se oferecem preces e sacrifícios, especialmente por chuva; povos samoiedos reverenciam Num, cuja morada é o “sétimo céu”, identificando-o ao céu, ao mar e à terra; entre mongóis e buriates, Tengri/Tengeri designa o Ser Supremo (Céu). Entre povos do sudeste australiano (Kamilaroi, Euahlayi, Wiradjuri), Baiame é Deus supremo: acolhe as almas junto ao “caminho leitoso” da Via Láctea, tem voz de trovão e onisciência, revela mistérios aos ancestrais e preside ritos iniciáticos, ainda que não domine a liturgia cotidiana.
Objetos vindos do céu — pedras, sílex, meteoritos — são integrados a cultos como fragmentos do locus sagrado celeste: os Numana, no vale do Níger, instalam “seixos sagrados” sobre cones de terra batida e lhes oferecem sacrifícios, por crerem que “caíram do céu”; “pedras do trovão” e “pedras da chuva” são tidas como pontas de flechas lançadas por divindades celestes. O culto solar é amplamente difundido, acentuando-se nos solstícios: os Chukchi, no norte da Ásia, sacrificam “à luz do sol”; entre os Chagga do Kilimanjaro, Ruwa (Sol) é o Ser Supremo, a quem se recorre em crises; em economias agrícolas intensivas, o sol associa-se à fertilidade dos cultivos e à regeneração cósmica (Inti, no panteão inca). Linhagens privilegiadas reivindicam ascendência solar — nobres incas, faraós egípcios, chefaturas em Timor —, e muitas culturas imaginam a travessia noturna do submundo pelo sol, que guia as almas dos mortos (nas Harvey Islands, o sol conduz grupos duas vezes ao ano, nos solstícios). Narrativas ameríndias atribuem ao sol feitos heroicos, inclusive a criação humana: entre os Apinagé, sol e lua criam os homens a partir de cabaças; entre os Desána (Tucano), o sol insemina a filha por luz “através do olho”, instaurando o universo.
A lua, por sua plasticidade simbólica (fases, ritmos), é uma das figuras religiosas mais ricas. Sin, deus babilônico da lua, vincula-se às águas (fluxos e refluxos) e à vegetação (cria as gramíneas). Em tradições quíchuas de Canelos (Equador oriental), Quilla ocupa lugar central: a lua “imatura” (llullu Quilla) é “pré-púbere”, incapaz de conceber ou “cozer cerâmica e preparar cerveja”; a lua adulta (pucushca Quilla), porém, figura masculina lasciva cujas aventuras incestuosas com a irmã (ave Jilucu) “geram as estrelas”, cujas lágrimas inundam a terra ao descobrirem sua origem (Whitten, 1976, p. 45). Entre os Sirionó (leste da Bolívia), Yasi (Lua) é a principal potência: teria vivido como chefe, criado os primeiros humanos e ensinado a cultura antes de ascender ao céu; seu “crescer” é o “lavar do rosto” após a caça; seus raios podem cegar, razão para abrigos de folhas sobre os dormidores; Yasi “provoca” trovões e relâmpagos lançando jaguares e queixadas à terra (Holmberg, 1960).
Montanhas são objeto ubíquo de culto. Na península de Kunisaki (Japão), desde o período Heian, estabelece-se relação sistemática entre imagem da montanha e potência salvífica do Sutra do Lótus (Grapard, 1986, pp. 21–50): a montanha representa as “nove regiões” da Terra Pura; os oito vales figuram as oito pétalas do lótus (Mandala do Diamante e do Útero), estruturando arquitetura de templos, divisão do texto e itinerário devocional; “esta montanha é morada permanente do coração-mente da Lei Maravilhosa (...) pedestal-lótus em que repousa o Buda” (versos atribuídos a Enchin, in Grapard, 1986, p. 50). O Monte Haguro, no norte de Honshu, centraliza quatro festivais sazonais; o de Ano-Novo dramatiza o combate entre velho e novo ano (Earhart, 1970; Blacker, 1975, cap. 2). Nos Andes, oferendas às montanhas sustentam a vida comunitária: a “montanha-corpo” fornece alimentos, verte fluidos (água, sêmen, leite, sangue) que vitalizam; sacrifícios em sítios específicos “reabastecem a gordura”, fonte de poder do corpo da montanha (Bastien, 1985, pp. 595–611).
As águas figuram como seres sobrenaturais dignos de culto: mitos de criação as tomam por origem de vida (no Enuma elish, Apsu e Tiamat — águas doces e salgadas do oceano primordial — “minglam” para gerar formas de vida). Nascentes, rios e canais de irrigação se tornam centros rituais vinculados ao ciclo agrícola e a ritos de iniciação (imersões, permanência sob cachoeiras, provações aquáticas). Entre Akwê e Xavante (Brasil), longas exposições à água reatualizam o tempo em que heróis míticos criaram os conteúdos do mundo por ocasião do dilúvio. No mito nórdico, Ægir (Mar) é o oceano ilimitado; Ran, sua esposa, lança rede que arrasta humanos como oferendas; suas nove filhas figuram modos do mar; caldeirões depositados no fundo de lagos e mares se associam a esse imaginário. “Monstros aquáticos” são apaziguados ou combatidos para impedir novo dilúvio; dragões aquáticos condensam princípios férteis da umidade: Yin, dragão chinês, reúne “todas as águas” e controla a chuva; suas imagens são moldadas em secas e no início das chuvas (Granet, 1926, vol. 1, pp. 353–356).
A terra é sagrada em inúmeras tradições e foco de devoção afetiva. Pachamama, nos Andes, é cultuada ao longo do ano; calendários agrícolas se articulam a “períodos menstruais” da terra — “aberturas” para concepção. A terra figura como parceira fecunda do céu (ou de outra divindade celeste): entre Kumana (África austral), o “matrimônio” céu–terra fertiliza o cosmo; entre povos norte-americanos (Pawnee, Lakota, Huron, Zuni, Hopi), a terra é parceira do céu e fonte de abundância, recebendo cuidado ritual complexo. Por ser locus de sepultamento, a terra simboliza regeneração por “devoração”: tudo o que nela é enterrado e volta à vida passa pela decomposição da semente; orgias agrícolas podem reencenar ritualmente essa “degeneração furiosa” como imitação do destino da semente.
Plantas e árvores ocupam papel central: a “árvore do mundo” exprime a sacralidade do todo. O mito escandinavo oferece Yggdrasill: raízes cravadas na terra e no submundo dos gigantes; junto a ela, deuses “julgam” diariamente; jorram a Fonte da Sabedoria e a da Memória; embora Níðhöggr roa suas raízes, Yggdrasill se renova e o universo perdura; uma águia imensa a defende; Óðinn amarra seu cavalo aos galhos. Na tradição védica e purânica, o lótus flutuante manifesta a divindade e o universo. Ritos de primavera concentram-se em plantas e ramos; a fertilidade cósmica simboliza-se na união “masculino–feminino” de plantas ou no florescimento de um ramo específico; o ciclo agrícola é “cercado” de atos religiosos para fomentar poderes férteis das colheitas; semeadura e ceifa implicam “mortes sacrificais” das sementes e espigas; “primícias” e “último feixe” ensejam festas. Animais — aves, peixes, serpentes, insetos — inflam a imaginação religiosa e recebem culto, muitas vezes enquanto “corpos transformados” de seres sobrenaturais das origens (Goldman, 1979). Em suma: dificilmente há objeto do cosmos natural que não tenha sido centro de culto em algum tempo ou lugar.
A interpretação moderna desse vasto arquivo é delicada. O próprio termo “natureza” carrega conotações que obscurecem o sentido de objetos sagrados em culturas diversas. Correntes teóricas dos últimos 150 anos fizeram da “adoração da natureza” elemento-chave para pensar a religião: para Frazer, culto da natureza e culto dos mortos seriam formas fundamentais da religião natural (1926, pp. 16–17); Max Müller fundou sua escola comparativa na tese de que os mitos “falam da natureza”; Tylor formulou o animismo como projeção de qualidades “animadas” humanas sobre o mundo (sonhos, explicações racionais da morte); Lévi-Strauss radicalizou a tese, vendo na religião uma “humanização das leis da natureza” (1966, p. 221). Leituras político-econômicas salientam a unidade intrincada entre natureza e humanos e a mediação ritual: Taussig (1980) descreve ritos que alinham humanos a “espíritos ajudantes” da natureza — estendendo-se a “ritos laborais” modernos (mineiros, camponeses) — e entende o culto à natureza como palco de criação e renovação de princípios cosmológicos. Outras vertentes investigam “natureza” como categoria nativa em esquemas conceituais (Ortner, 1974; MacCormack Strathern, 1980). E parte da autocompreensão moderna ocidental nasceu do esforço de “dessacralizar” a natureza e de atribuir a percepção do sagrado a “povos primitivos” (Cocchiara, 1948).
À luz dos testemunhos bíblicos já mencionados, bem como das fontes históricas que descrevem o surgimento e a evolução de cultos centrados em forças naturais, a avaliação teológica é nítida: a natureza, em sua regularidade e esplendor, não é sujeito de culto, mas teatro da glória do Criador. O reconhecimento das dádivas — frutos, raízes, água, ar — só é pleno quando transita do dom ao Doador; o temor diante de tempestades e terremotos só se torna sabedoria quando conduz ao temor do Senhor, não à sujeição supersticiosa a espíritos locais. Quando Deus vincula sinais às suas promessas — seja ao suspender ou restaurar chuvas (1 Reis 17:1; 18:1–2, 41–45), seja ao produzir fenômenos intensificados (Êxodo 9:24) ou inéditos (Êxodo 34:10), seja ao cumprir, no tempo indicado, palavras de vida e morte (Gênesis 21:1–2; 1 Samuel 2:34; 2 Reis 7:1–2, 20; Jeremias 28:16–17) —, não se trata de rivalizar com “deuses da natureza”, mas de educar o culto, reconduzindo o olhar do povo a quem “criou todas as coisas” (Apocalipse 4:11) e “faz tudo o que quer, nos céus e na terra” (Salmo 135:5–6). Em termos teológicos, a fisiolatria erra no objeto e no fim: confere divindade ao que é criatura e desvia a finalidade do culto, que é a glória do Criador; em termos históricos, ela é inteligível como resposta humana à dependência e ao risco, mas, para a fé bíblica, permanece um desvio que deve ser rejeitado em favor da adoração daquele que, por meio das “coisas feitas”, se dá a conhecer como soberano e bendito para sempre (Romanos 1:18–25).
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GALVÃO, Eduardo. Adoração à Natureza. In: Enciclopédia Bíblica Online. [S. l.]: 23 Jul. 2015. Disponível em: [cole o link aqui]. Acesso em: [coloque aqui a data que você acessou a página].