Gênesis 3 — A Queda do Homem
A Queda do Homem
Gênesis 3
O Homem Alienado de Deus. O autor sagrado tenta descrever outro princípio. É
óbvio que o homem caiu no pecado, a menos que concordemos com os antropólogos,
que supõem que a natureza pervertida do homem é meramente resultante de seu
passado animalesco. A fera selvagem tomou-se o homem selvagem.
As cosmologias antigas, entretanto, que pintam o homem como uma espécie
distinta dos animais, emprestam-lhe uma queda distintiva. Platão pensava
que a queda humana ocorrera através tanto da curiosidade quanto de certa
tendência interior para a perversão, que o homem resolve satisfazer.
O relato da queda do homem, no livro de Gênesis, tem
paralelo na mitologia babilônica, conforme demonstro nos artigos Jardim do
Éden; Eva e Criação. Ver também o artigo intitulado Origem
do Mal, o qual é instrutivo quanto à questão da queda do homem,
incluindo um sumário de ensinos bíblicos sobre o assunto (em sua terceira
seção).
A Queda Primitiva dos Anjos. Alguns intérpretes judeus situavam essa queda no
segundo dia da criação (Gên 1.6-8), por ser esse o único dia em que não há
o comentário de que Deus viu que isso era bom. Mas essa é uma observação
trivial. Os trechos de Isa. 14.22 e Apo. 12.14 favorecem a idéia
da preexistente queda dos anjos, antes da criação física. Alguns pais
alexandrinos da Igreja acreditavam na preexistência da alma humana,
pensando que a queda espiritual do homem tivera lugar junto com a queda
dos anjos. Nesse caso, isso foi transferido para a esfera terrena, quando
o homem recebeu um corpo físico.
A História Modelo da Tentação. À medida que
avançarmos na exposição, descobriremos que estamos manuseando uma história
modelo da tentação, cujos fatores são verazes no caso de qualquer época da
história humana. Ver um sumário sobre esses fatores em Gên. 3.24.
A Árvore da Vida Também é Proibida. Segundo se vê em Gên. 2.16,17, a proibição era
aplicável somente à árvore do conhecimento do bem e do mai. Mas Gênesis
3.22 expande essa proibição, por implicação, para a outra árvore, a da
vida. Alguns intérpretes supõem que essa extensão tenha-se originado no
folclore babilônico, e não na versão original do autor sagrado. Porém, o
sentido desse versículo pode ser que, uma vez no estado pecaminoso, teria
sido um erro imenso que o homem fosse imortalizado. Uma vez que ocorreu a
queda, a imortalidade teria de operar através da espiritualidade do homem,
e não através de seu estado corpóreo.
O vs. 22 implica em certo “temor”, da parte de Deus,
de que o homem viesse a tornar-se “como um de nós”, ou seja, dotado de pleno
conhecimento do bem e do mal, além de tomar-se imortal, em seu estado
pecaminoso. A remoção do primeiro casal do jardim do Éden pôs fim a essa
ameaça. Alguns estudiosos pensam que essa ameaça era contra a supremacia
de Deus, e outros ajuntam que isso se derivaria dos mitos babilônicos.
Todavia, talvez não devamos pensar em supremacia, e, sim, na obtenção da
imortalidade no estado pecaminoso, uma situação simplesmente intolerável.
Destarte, o homem tentaria aproximar-se de Deus pelo lado errado, O evangelho é
que provê o caminho certo de abordagem.
Gn 3:1-13
3.1 A Alienação do Homem. Na teologia, a crença de que o homem caiu, e, em consequência,
tornou-se um ser alienado, carente de restauração, reconciliação
e salvação. A teologia localiza a alienação do homem em sua condição
moral, provocada pela sua revolta espiritual (Rom. 3.9 ss.). O modernismo
e todos os tipos de liberalismo, abandonando a explicação sobrenatural da
alienação humana, retrocederam para um evangelho social, cujo intuito é ajudar
o homem a assumir o seu lugar em uma sociedade utópica. A medida que
guerras, pobreza, ódio e violência generalizada embotam essa visão, a
neo-ortodoxia postula um abrigo na reação existencial interna do homem à
realidade transcendental. Entrementes, o homem não pode entender esse tipo
de conceito, e continua alienado. O existencialismo declara que a
alienação é uma piada da natureza, por ser a própria substância do
não-sistema mundial, O cosmos seria apenas uma existência caótica e
irracional; através da “piada” da evolução, fomos envolvidos nesse caos. O
homem só pode vencer a alienação forçando os seus próprios valores sobre este
mundo amoral.
A Bíblia oferece uma declaração mais esperançosa. O
homem caiu, mas Deus não o abandonou. O homem retém a imagem de Deus, e a
imagem espiritual de Deus contínua podendo ser implantada nele. A missão
de Cristo no mundo teve por finalidade reverter todos os vestígios da
queda, além de conferir a genuína imortalidade, por meio da qual os homens
podem vir a compartilhar da natureza divina (II Ped. 1.4).
Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais
selváticos. Os intérpretes judeus posteriores diziam que a serpente era o diabo
disfarçado (daí a declaração cristã, em Apo. 12.9 ; 20.2). Mas essa doutrina
surgiu relativamente tarde nas crenças judaicas. Temos diante de nós uma serpente,
classificada entre os “animais selváticos”, e não entre os seres
sobrenaturais. No entanto, Gên. 3.15 certamente demonstra que algum
grande princípio maligno pulsava por trás da serpente, Esse versículo
dificilmente fala sobre uma mera serpente literal. Para se livrarem
do problema de serpentes que falam, muitos intérpretes antigos e modernos
preferem pensar em uma história alegórica. Mas alguns estudiosos
conservadores pensam que Satanás é capaz de agir por intermédio de
serpentes vivas.
O texto dá a entender que essa serpente não era como
as que conhecemos hoje. A serpente tena sido reduzida à sua atual forma
humilde como um juízo divino contra a espécie, por ter-se envolvido na
queda do homem. Alguns intérpretes têm chegado a imaginar uma serpente capaz de
caminhar, mas que veio a perder as pernas, sendo forçada a arrastar-se à
superfície do solo. Algumas vezes, a fé acredita em algo que simplesmente
não é verdade, e penso que muitas das explanações do texto presente
requerem esse tipo de fé.
Mais sagaz. O texto pinta a serpente como o mais
inteligente de todos os animais irracionais. É verdade que provérbios e ditos
populares afirmam que a serpente é sagaz, embora maliciosa. Adam Clarke (in
loc.) simplesmente não conseguia ver como a serpente poderia ser
sagaz, nem agora nem primitivamente. Assim sendo, ele propôs que o animal em
foco seria alguma espécie de símio. Não há que duvidar de que os
símios são mais inteligentes que as serpentes, mas ninguém haverá de levar
a sério Adam Clarke, neste ponto. Clarke descobria evidências em palavras
árabes (um idioma cognato ao hebraico), em favor dessa especulação. John
Gill (in loc.} admitia que as serpentes podem fazer alguns truques
sagazes, mas afirmava que a raposa é mais inteligente que ela. E encontra a
solução dizendo que aquela serpente, embora não a espécie inteira,
era sagaz. Mas isso não se ajusta ao fraseado do versículo. Outros supõem
que a inteligência da serpente envolvida foi dada por Satanás, que
a empregou com tanta astúcia. Mas isso também não se ajusta bem ao
fraseado do versículo. Ellicott (in ioc.) pensa que é inútil falar
sobre serpentes inteligentes, em confronto com outros animais, e afirmou
que é melhor deixar “sem resposta” perguntas dessa ordem, sem importar se
aceitamos o ponto de vista alegórico ou literal sobre o texto.
O Caminho da Tentação. O primeiro passo
dado nesse caminho é que algo inteligente, racional ou respeitado. . . torna-se
um instrumento na tentação de pessoas.
É assim que Deus disse...? O segundo passo no
caminho da tentação é que a autoridade respeitada e de confiança, que tenta,
contradiz a ordem divina, procurando anulá-la por raciocínios falazes.
Essa autoridade é um mentiroso sutil. Não beneficia realmente o
homem, embora finja fazê-lo. Um Deus de bondade poderia mesmo negar a você
essa coisa tão boa? A bondade de Deus é posta em dúvida. Busque a sua
própria felicidade. Não se restrinja àquilo que, presumivelmente, Deus
disse. Satanás, desde o princípio, é homicida e mentiroso (João 8.44). A
serpente não mentiu devido à falta de informações. Mas
enganou deliberadamente a mulher. Ver o artigo geral no Dicionário
intitulado Satanás.
3.2 Podemos comer. A mulher não havia entendido mal as
instruções divinas. Antes, repetiu a instrução recebida. Podemos pensar que
esse é o terceiro passo na tentação. Por muitas vezes, as pessoas
caem em tentação sob a plena luz do conhecimento. Há tentações sutis que
assaltam de súbito as pessoas. Usualmente, porém, sabemos a natureza do mal que
estamos prestes a cometer.
A serpente não pareceu repulsiva à mulher. Ela dizia
coisas lógicas. A mulher sabia quais eram as instruções de Deus, Embora Eva
tivesse falado em ter sido ”enganada”, parece que sua dificuldade estava
em sua fraqueza interior, em meio mesmo à sua inocência.
3.3 Disse Deus. Aquela árvore, a do conhecimento
do bem e do mal, fora proibida por ordem divina. De acordo com alguns críticos,
o vs. 22 amplia essa proibição à árvore da vida, e isso concorda com a versão
da história segundo o folclore babilônico. Pelo menos neste ponto (vs. 3), o
fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal estava fora de cogitação.
Nem tocareis nele. Alguns eruditos pensam que a
mulher adicionou isso à proibição divina, visto que esse item não é
mencionado antes. Mas há quem suponha que temos ai um detalhe simples, sem
maior significado, adicionado pelo autor sacro. Se foi a mulher quem fez
tal adição, então podemos considerar isso um quarto passo no
caminho da tentação. Os homens fazem adições à Palavra de Deus,
pervertendo-a ou dificultando a obediência a ela, e isso só aumenta o peso da
tentação. O grande exemplo clássico de adição à Palavra de Deus é a dos
fariseus, que acrescentavam à lei tantos mandamentos, positivos e
negativos, que ninguém à face da terra era capaz de suportar a carga.
Para que não morrais. Ver Gên. 2.16,17 onde fora dado
esse mandamento, e onde apresento notas completas a respeito. O pacto edênico
era condicional. O homem tinha várias responsabilidades, e tinha de realizar
certas coisas positivas. Mas havia uma única coisa que ele não podia
fazer. Contudo, embora inocente, não foi capaz de evitar a única coisa que
lhe fora vedado fazer. Ver no Dicionário o artigo intitulado Pactos
(o oitavo), e também Pacto Edênico, nas notas sobre Gên. 1.28.
O autor sacro tentou aqui explicar a origem da mortalidade.
Ele não entendia que o homem já fora criado mortal, ou que evoluirá como tal.
Simplesmente aceitava que um ser criado por Deus não poderia ser mortal.
Os antropólogos e os críticos em geral supõem que a mortalidade do homem é
uma simples consequência da mortalidade animal. Mas o autor sagrado busca uma
resposta divina para esse problema humano.
3.4 É certo que não morrereis. Temos aqui o quinto
passo no caminho descendente da tentação. A autoridade respeitada
contradiz abertamente a Palavra de Deus e instila uma dúvida fatal na mente da
pessoa tentada. Se no vs. 1 vemos a serpente dando a entender que a
proibição divina não deveria ser levada a sério, aqui vemo-la a apresentar
astutamente uma ousada contradição com àquela injunção divina,
A Autoridade Respeitada. Desde o início da história das culturas antigas, vemos que a serpente
não somente era respeitada, mas até adorada. O deus egípcio Thoth atribuía
qualidades divinas à serpente ou ao dragão. Cneph era o deus-serpente na
concepção dos egípcios. Na mitologia fenícia, a serpente representava um
demônio benévolo, um deus de classe inferior. Heródoto mencionou várias
serpentes sagradas entre os povos que ele investigou. Justino Mártir mencionou
pinturas pagãs que retratavam deuses-serpentes (Apol. 2 par, 71). A
teologia judaica posterior fez a serpente da história da tentação significar o
próprio Satanás, sendo ele o “deus deste século” (II Cor. 4.4). Há
muitos livros importantes escritos por reais ou alegadas “autoridades”. Alguns
desses livros desafiam a hígida moral, e assim tornam-se instrumentos de
tentação.
Uma autoridade respeitada pode tomar-se causa
da morte. A serpente-divindade tomou-se a causa da morte espiritual da
humanidade. Aquilo que os homens perdidos veneram lhes é prejudicial. As
crenças e os símbolos pagãos desviam e matam.
Uma Impossibilidade? Alguns estudiosos supõem que a serpente implica aqui que o homem,
criado por Deus, não poderia morrer, pois seria imortal. Nesse caso, o
grande mentiroso enganou de novo a mulher.
3.6 Porque Deus sabe. Temos aqui o sexto passo na
vereda da tentação. A serpente disse uma verdade, mas com uma distorção. A
verdade pode ser usada de forma errônea. Comer do fruto abriria os olhos
de Adão e Eva, e isso parecia uma coisa boa. O conhecimento é bom, mas
somente quando é corretamente aplicado. Neste caso o conhecimento seria
aparentemente obtido com um bom propósito. Mas no fim resultou na morte
espiritual.
Como Deus, sereis. O homem foi criado à imagem de
Deus, pelo que, de certo modo, ele já era como Deus. Ver o artigo sobre
a Imagem de Deus, o Homem Como, no fim das notas sobre Gên. 1.26.
Paulo anuncia que haveremos de compartilhar da imagem do Filho (Rom. 8.29).
O trecho de Lev. 19.1 ensina que o povo de Deus deve ser santo, e
isso em emulação à santidade de Deus. A transformação moral produz a
transformação metafísica. O trecho de II Ped. 1.4 alude à nossa
participação na “natureza divina.” Nosso mais sublime conceito religioso
consiste em como os salvos haverão de participar da natureza divina. Isso
sucederá em um sentido finito, é verdade, mas bem real. Todavia,
não podemos olvidar que essa participação gradual na natureza divina opera
através da vontade do Senhor. Mas a serpente sugeriu que isso poderia ser
conseguido graças à desobediência à vontade de Deus, um pensamento oposto
àquele. O próprio Satanás havia aspirado a ser semelhante ao Altíssimo, e
esse orgulho foi o principal fator de sua queda (Isa. 14.14).
Os homens deiUcam a si mesmos por meio da
concupiscêntia e do poder. De acordo com certas filosofias, ter poder é ter
direitos. Para muitas vidas, o que funciona, embora seja algo errado,
toma-se a norma. Existe um patriotismo estúpido, como o que transpira nas
palavras de Stephen Decatur: “Nosso país... que sempre esteja com a
razão... pois é a nossa pátna... sem importar se estiver ou não com a razão”. As
pessoas pensam desse jeito; as pessoas e as nações agem dessa maneira.
Na mente de algumas pessoas há uma filosofia
constante que diz que bons alvos podem ser atingidos por quaisquer
meios. Foi assim que surgiram os lamentáveis exemplos de Hitler e Stalin, que
cometeram homicidios sem conta, para promoverem suas causas. Há muitas
pessoas que continuam adorando a esses deuses falsos. Historicamente, o
comunismo vinha sendo promovido mediante o genocídio. No entanto, há
pessoas, que até se dizem parte da Igreja, que servem a essa falsa
divindade!
Elohim. Aqui
traduzido por “Deus”. No relato da criação do primeiro capítulo do Gênesis,
essa palavra (que está no plural, no hebraico), é usada para indicar Deus. Ver
as notas sobre Gên. 1.1. Mas o segundo relato da criação prefere “Senhor Deus”,
Yahweh-Elohim, o que é discutido em Gên. 2.4. Nessa mudança de
nomes, os críticos vêem uma fonte (autor ou autores) diferente. No A. T., elohim
também é termo usado para indicar os anjos. A serpente, pois, sugeriu que
os deuses são muito parecidos com Deus, particularizando um ponto,
o pleno conhecimento do bem e do mal, que o homem, em sua inocência, não
tinha, O vs, 22 reitera a ameaça de o homem tentar aproximar-se de
Deus da forma errada, mas ali a ameaça é proferida por Deus. A tentação
era a de que o homem obtivesse a onisciência, um atributo divino.
Ver no Dicionário o artigo intitulado Onisciênda.
3.6 Vendo a mulher. Achamos aqui o sétimo passo no
caminho da tentação. A coisa desejada parecia boa: a concupiscência dos
olhos (i João 2.16). O homem bom (mas que está sendo tentado) diz: “Sei
que isto é errado, mas assim mesmo vou praticá-lo. Amanhã vou ajoelhar-me
e pedir perdão”. Mas o homem mau já caiu no pecado, antes de dar-se ao
trabalho de racionalizar. O que a mulher via servia tanto para alimento
quanto para torná-la sábia. Os alegados benefícios do pecado avultaram em
sua mente. O engano levou a maior engano. O ludibrio vindo de fora agora
era ajudado pelo autoludibrio. A mulher disse a si mesma que seus desejos
eram legítimos, e que esses desejos deviam ser satisfeitos.
O Desejo de Sabedoria e de Conhecimento é Nobre.
O conhecimento é uma das duas grandes colunas da espiritualidade. Essas colunas
são o amor e o conhecimento. A ignorância nada nos confere. Ela é inútil.
Mas no nosso texto, o conhecimento foi pervertido, e seu objeto fora
proibido. Paulo comentou sobre o dom do conhecimento, o instrumento
especial do mestre (I Cor. 12.8). Mas esse texto deixa claro que é o
Espírito Santo quem controla essa questão.
Eva Não Percebeu o Perigo. O fruto era bom; prometia ser saboroso. Mas continha
em si mesmo o poder da morte. Uma vivida ilustração disso pode ser vista
na AIDS, sobre a qual nem precisamos comentar. Isso serve de
vivido lembrete de que aquilo que parece bom pode trazer a morte. Teu
prazer pode ser tua execução.
Tomou-lhe do fruto e comeu, e deu também ao marido. A
teologia judaica sempre achou que o ato de Eva foi mais culpado. Ela se
permitiu ser enganada. Adão mostrou-se mais resistente. Ele não se
deixou enganar. Por essa razão, de acordo com alguns: é fácil enganar uma
mulher. As coisas são como alguém já disse: “É bom que as mulheres possam
ser enganadas facilmente. Se assim não fora, nada quereríam ter que ver
conosco!”. No entanto, “na queda, todos pecamos” (New England Primei).
Isso dificilmente serve de elogio a Adão. O trecho de Rom. 5.12-19
respalda muita teologia sobre este texto. Adão tornou-se o cabeça federal
dos homens, e aquiio que ele fez foi transmitido (geneticamente?) a
todos os seus descendentes. Cristo, na qualidade de Cabeça Federal dos
justificados, reverteu tudo isso. Temos aí o nascimento da doutrina do pecado
original. Quanto a uma ampla discussão sobre o assunto, ver o Dicionário
no verbete Pecado Originai. Ver também an Dois Homens, Metáfora
dos, um artigo que examina a doutrina de Adão e de Cristo, ambos como
cabeças federais.
Achamos aqui o oitavo passo no caminho da
tentação. A pessoa tentada acaba cedendo. Mas também temos aqui o nono
passo nesse caminho. A pessoa que cai não demora a arrastar outrem, devido
ao seu mau exemplo.
“As promessas de Satanás nunca têm cumprimento.
Jamais poderemos obter a sabedoria desobedecendo à Palavra de Deus. Pelo
contrário, o temor do Senhor é o principio do saber (Pro. 1.7)” (Allen P. Ross,
in loc.).
Disse Oscar Wilde certa feita: “Posso resistir a
tudo, menos à tentação”. Compreendemos a piada; mas ela não é nada engraçada,
afinal. Algo de muito sóbrio nos é revelado no episódio da queda sobre a
debilidade da natureza humana. O texto sem dúvida dá a entender que, mesmo
em seu estado de inocência, o homem mostrou ser um fraco. Cristo veio a
fim de proporcionar-nos a fortaleza espiritual, para assim poder nos arrancar
do estado de pecaminosidade.
3.7 Abriram-se, então, os olhos de ambos.. . estavam nus.
A sentença de Deus foi executada. Eles não morreram imediatamente no
físico, como Gên. 2.17 parece subentender. No entanto, as sementes da
mortalidade agora se tinham alojado em seus corpos, e por certo morreriam
algum dia, e não muito tempo depois, conforme Deus computa o tempo.
Ademais, na queda, o homem morreu espiritualmente, e Isso ocorreu
pronta e imediatamente. Agora a redenção tornara-se uma necessidade. Os
críticos encontram problemas no texto. Já vimos que a teologia antiga dos
hebreus não ensinava ainda a existência de uma alma imortal no homem. Por
essa razão, que aplicação tem este texto à espiritualidade humana?
Contudo, tenho entendido que a expressão imagem de Deus (Gên. 1.26,27)
sugere que o homem participava da espiritualidade de Deus,
embora talvez isso ultrapasse o entendimento do próprio autor sagrado. A
teologia judaica posterior, bem como o pensamento cristão, naturalmente
fazem essa queda ter um cunho espiritual, não envolvendo somente o fato de
que o homem se tomou mortal e algum dia haveria de morrer.
Encontramos aqui o décimo passo na vereda da
tentação: o seu horrendo resultado. A sentença foi executada. O pecado traz
consigo um medonho resultado. Todas as maçãs do diabo têm vermes.
Nus. Alguns
intérpretes tomam uma posição freudiana quanto a essa declaração. Todo pecado
estaria, de algum modo. encastoado nos impulsos sexuais humanos. Antes, Adão e
Eva estavam nus, mas não envergonhados (Gên. 2.25), mas agora, sim. Agora
eles se viam como intoleravelmente indecentes. A consciência do sexo
agora viera à tona, e o homem foi prontamente contaminado por suas paixões
inferiores. Deus ordenara o sexo (Gên. 2.18,21-23), mas agora o homem o
corrompera. Naturalmente, Adão e Eva seriam representantes da raça humana
inteira. Mas outros estudiosos têm uma visão mais genérica sobre
o texto. Essa nudez representaria a indecência geral, a maldade
geral da natureza pecaminosa agora adquirida, e não apenas a indecência
sexual. Agora o homem entrara em circunstâncias deprimentes, por estar
internamente degradado. Se antes o homem era inocente e vivia em um
perfeito meio ambiente, agora ele se fizera culpado, e logo seu ambiente
haveria de adquirir toda forma de defeito, miséria e espinhos.
Coseram folhas de figueira. Alguns intérpretes
desperdiçam seu tempo tentando identificar o tipo de figueira. O homem
tentou preparar precipitadamente vestes toscas, para encobrir sua nudez.
Mas isso proveu uma cobertura inadequada, na tentativa de reverter os efeitos
do pecado. Temos aqui o décimo primeiro passo no caminho da tentação.
Uma vez caído, o homem promoveu um remédio falso e inadequado para sua queda.
Filosofias e religiões também tentam encobrir ou remediar a pecaminosidade
do homem, mas é tudo inútil. Mas há uma provisão divina para a queda (Gên.
3.21).
A alienação foi completa. Ver os comentários sobre a Alienação, em Gên. 3.1.
“Os toscos aventais que eles coseram para si mesmos
não foram suficientes. O fato é que Deus precisou vesti-los, e isso ao preço de
dor, sangue e sacrifício” (Walter Russell Bowie, in loc.).
Que Teria Acontecido se Adão Não Tivesse Pecado? Os estudiosos especulam sobre essa questão, John Gill
tinha certeza de que Deus simplesmente teria removido Eva para dar a Adão outra
esposa, conservando-o no estado de inocência. Mas outros eruditos questionam se
isso teria dado certo dentro do plano de redenção. Outros supõem
abertamente que a queda era necessária dentro do plano de redenção, se o
homem tivesse de receber a plena imagem de Deus, e que o pecado foi um mal
necessário interposto no caminho dessa transformação. Provavelmente essa
ideia é a mais correta, mas não dispomos de bons argumentos para responder
satisfatoriamente a todas as objeções. Uma delas é que essa idéia parece
fazer de Deus o autor do mal. Ver no Dicionário os artigos
intitulados Problema do Mal e Origem do Mal. Devemo-nos
lembrar de que a redenção eleva-nos muito acima do estado de inocência.
Nesse plano, chegaremos a compartilhar plenamente da imagem de Deus, o que não
teria sido possível sem a queda. Mas aqui. a bem da verdade, já estamos
entrando em mistérios, posto que parece ser essa a verdade dos fatos.
3.8 Deus, que andava no jardim. Todos os pecados acabam por ser desvendados, ou nesta
vida, ou na vida futura. De outra sorte, nosso mundo seria caótico, e não
caracterizado pela ordem e pela justiça. Deus veio a fim de revelar tudo.
Os críticos creem que a familiaridade do Todo-Poderoso com o homem,
porquanto vinha conversar com ele em algum sentido literal, deve ser algo
derivado do folclore babilônico. As lendas antigas sobre os deuses faziam
deles companheiros fáceis dos homens. Alguns eruditos conservadores supõem
que nos primeiros estágios da história humana o contato e a comunhão
fáceis com Deus eram um fato. Ainda outros pensam que este texto é
alegórico. Podemos pensar em experiências místicas com Deus, nas quais a
Sua presença é uma realidade, sem entrarmos em alguma crassa e literal
explanação a respeito. Parece ser esse o caso do texto presente. Ver no Dicionário
o artigo Misticismo.
O Homem Ocultou-se. O homem não resistiu permanecer na presença de Deus. Como é óbvio, os
homens precisam estar preparados para tanto. O homem perdera essa
preparação ao cair no pecado. O homem perdeu o tipo de vida que tinha.
Agora estava vivendo uma morte em vida. Antes ele tivera prazer não-mitigado,
agora ele tinha dor; antes ele desfrutara da presença de Deus, agora escondia-se
Dele; antes ele gozara de comunhão, agora fugia de um encontro com o seu
Criador. Esses são fatores próprios da alienação. E temos aí o décimo segundo
passo na vereda da tentação. Ver um sumário desses passos nas notas em Gên.
3.24. A queda produziu uma alienação que pode ser descrita de
muitos modos, visto que tem inúmeras facetas. Nossa herança é realmente
pobre. A queda do homem garantiu isso. Nossas circunstâncias são
lamentáveis; nascemos em um mundo deprimente. Os homens lançam a culpa de suas
desgraças nos deuses e nas estrelas, transferindo as causas para outras
pessoas ou para meras coisas.
A Palavra de Deus. Alguns eruditos pensam que a aparição de Deus, neste caso, foi uma
antiga aparição do Logos, o qual começara a buscar o homem a fim de
redimi-lo. Mas outros vêem aqui uma teotania (ver o significado disso
no Dicionário).
Os Targuns de Onkelos e de Jonathan dão-nos a voz
da Palavra de Deus, o que provavelmente não se harmoniza com o intuito do
autor original do livro, embora seja, teologicamente falando, uma
inferência legítima. O homem escondera-se no jardim, mas nem por isso fora
abandonado. Deus continuava disposto a recuperá-lo, tendo em Sua mente uma
provisão para tanto.
Comentando sobre a natureza geral do relato, disse
Ellicott (in loc.). “Isso não implica uma aparição visível, pois a
narrativa inteira é antropomórfica”. Talvez haja nisso uma verdade, mas
talvez não fosse isso que o escritor sagrado tivesse em mente.
Até que ponto a queda desfigurou a imagem de Deus no homem? Essa é uma questão com a
qual a teologia se tem debatido. Forneço algumas respostas para a pergunta
no artigo intitulado Imagem de Deus, o Homem Como, no final das
notas sobre Gên. 1.26. Ver II. 4 daquele artigo.
Desmascaramento do Casal Culpado (Gn 3.9-13)
Nada há de oculto que não venha a ser revelado. Adão
só pensava em esconder-se; tinha preparado vestimentas inadequadas. Mas a voz
de Deus procurou pelo primeiro casal. A verdade veio à superfície — a expulsão
era o único remédio. A bênção que podería ter sido recebida fora perdida.
No entanto, uma nova provisão e promessa esperavam pelo casal culpado.
3.9 Chamou o Senhor Deus ao homem... Onde estás?
Confrontação. O homem sempre terá de enfrentar a si mesmo. A voz de Deus busca o
homem e faz o homem descobrir a si mesmo, O homem sempre terá de enfrentar
a lei da colheita segundo a semeadura (Gál 6.7,8). A voz de Deus pode ser
ignorada por muito tempo, mas a confrontação é inevitável. Os homens
tentam saber mais do que Deus, mas a Palavra de Deus será vindicada no
fim. Os homens tentam imitações baratas ou substitutos para a verdade e
para a conduta ideal. Mas o fracasso será o resultado final das
tentativas.
Onde estás? Muitos sermões têm sido pregados com base
nessas simples palavras. Elas têm recebido uma aplicação espiritual. Pode-se
aquilatar onde se acha, espiritualmente, cada indivíduo. A miséria
caracteriza a “localização” espiritual da maioria dos homens, E há uma gradação
quase infinita de posições espirituais a que os homens têm chegado. Porém,
nenhum ser humano acha-se, de fato, onde já deveria estar, espiritualmente
falando. E assim o texto tem uma aplicação universal, “A que posição de
miséria você chegou, ao dar ouvidos ao tentador e ao desobedecer a Deus?”
(John Gill, in ioc.). O texto faz-nos lembrar do Bom Pastor e de
como eie buscava a sua ovelha perdida. E ele fazia isso não para destruir,
mas, sim, para restaurar. Mas a ovelha desviada precisa ser repreendida antes
que possa ouvir palavras de consolo.
Quem Teria Falado? Alguns pensam que o Espírito foi quem falou, mas outros preferem
pensar no Logos, a Voz ou Palavra de Deus. O mais provável, porém, é que
devamos pensar aqui em uma linguagem metafórica, sem nos importarmos com o
refinamento de quem realmente teria falado.
“Adão e Eva haviam pecado. Portanto, em vez de
estarem em um lugar de adoração, estavam escondidos entre as árvores do jardim!
Leitor, quantas vezes isso já ocorreu em sua vida?” (Adam Clarke, in
loc.).
3.10 Ouvi a tua voz. . , estava nu, tive medo e me
escondi. A horripilante história da queda foi sintetizada nessas palavras. “A
franqueza do relato empresta à narrativa força e clareza!” (Cuthbert A.
Simpson, in loc.) Ter ouvido a voz de Deus não foi o verdadeiro
motivo de o homem ter-se escondido. A causa estava no próprio homem.
Resultou do pecado. Mas a voz de Deus deixou-o apavorado. É triste quando
a voz de Deus para nós é um espanto, em vez de ser motivo de consolação.
Isso faz parte da alienação provocada pelo pecado. O homem foi despido
de suas legitimas roupagens espirituais. Adão perdera sua retidão e sua
inocência. Os pecadores costumam ocultar-se nas trevas. Os homens maus
ficam embaraçados e consternados quando a luz os descobre. O temor
é uma antecipação do julgamento. Aquilo que um homem semear, isso terá
de colher A vergonha e o medo foram os primeiros frutos da desobediência. A
transgressão nunca deixa de trazer seus maus resultados, sob a forma de
sofrimento.
3.11 Comeste da árvore...? Tornou-se claro, logo de
início, que a proibição divina fora violada. Pois o homem temeu, escondeu-se e
demonstrou que a sua comunhão com Deus fora rompida. Assim, a voz divina
requeria agora uma confissão. Deus controla todas as circunstâncias, por
mais desagradáveis que elas sejam. Ele já sabia qual seria a resposta do
homem, mas precisou interrogar o homem para que este percebesse a
gravidade de seu erro. O pecado é a transgressão da lei (I João 31.33), e nada
existe de oculto que não venha a ser revelado (Luc. 12.2).
“Deus.. a fim de reconquistar a Adão para melhores pensamentos,
fez sua mente desviar-se dos eleitos do pecado para a causa do pecado”
(Ellicott, in loc ).
3.12 A mulher... ela me deu da árvore. Os estudiosos
tradicionalmente vêem aqui, e corretamente, que Adão lançou a culpa na mulher.
Mas o texto também deixa claro que Adão, indiretamente, também lançou a
culpa sobre Deus, pois Deus é que a tinha dado ao homem. Essa
questão é sempre ventilada quando se discute o problema do mal.
Pergunta-se: Se Deus é um ser todo-poderoso, todo-bondade e onisciente, então
de onde vem o mal? Pois se Ele fosse todo-poderoso, podena ter impedido o mal;
se Ele pudesse prever tudo, não teria sido apanhado de surpresa; e se Ele é
todo-bondade, não se teria interessado em não permitir que o mal
prevalecesse? Isso posto, a presença do mal debilita nosso conceito de
Deus. Ou estaria correto o deísmo? Ver no Dicionáno o artigo
intitulado Deísmo. Este assegura que alguma grande força, pessoal
ou impessoal, depois de ter criado as coisas, abandonou a sua criação.
Nesse caso, as leis naturais tomaram o lugar de Deus; e todos admitem que
as leis naturais não são perfeitas. Ademais, resta muito de caos na
criação. Desse modo, Deus escapa das acusações, mas só aparentemente. Pois
agora Ele é visto como quem criou leis imperfeitas, como quem não se incomodou
em eliminar os fatores que causam o caos. Na verdade, não existe nenhuma
resposta satisfatória para o problema do mal. Trato sobre o problema no Dicionário,
no artigo Problema do Mal.
O homem foi criado dotado de livre-arbítrio. Mas Deus
criou o homem com certas fraquezas inatas, sem as quais ele não teria
caído tão facilmente no pecado. Por que Deus não criou o homem mais forte por natureza? Quanto a isso, a imagem divina estampada no homem não foi
suficiente. Só podemos retrucar que, para Deus, há algo mais importante do
que preservar a Sua criatura de todo mal. Parte disso reside na
magnificente obra da redenção, que terminará por dar ao homem muito mais
do que ele perdera na queda. Assim sendo, a queda foi uma necessidade. Mas
manusear agora essa questão, teologicamente falando, não é fácil, nem
produz alguma solução perfeita.
Os Treze Passos Descendentes da Vereda da
Tentação. O homem gosta de lançar a culpa de suas falhas em outrem, até
mesmo em Deus. Em meio à sua tragédia, o homem quase sempre culpa Deus por
seus infortúnios. Conheci um pastor que caiu nesse erro, e, por causa
disso, acabou desistindo do ministério. É que sua esposa havia sido
seduzida por outro homem. Consternado diante do fato, disse ele: “Deus
poderia ter impedido que minha esposa fizesse isso”. Essa história faz-nos
lembrar do relato da tentação, no terceiro capítulo do Gênesis. Deus não
criou o homem forte o bastante para resistir a certas tentações; ou então,
parece que esse foi o caso no episódio que acabamos de historiar,
Adão, mesmo na inocência, caiu com tanta facilidade! Quanto mais, depois
de já caído, ele continua em pecado! Ver o vs. 24 quanto a um sumário
sobre os passos na vereda da tentação.
A teologia judaica posterior mui tolamente acusa mais fortemente a mulher do que o homem,
em face da queda. Talvez seja verdade que a mulher se deixe enganar mais
facilmente do que o homem. Isso até parece ser comprovado pela experiência
diária, Mas o fato é que o homem caiu de olhos bem abertos, e também que
se mostrou indícios ao lançar a culpa de seu ato em Deus e na mulher.
3.13 Que é isso que fizeste? A mulher teve sua
oportunidade de responder à voz divina. Cada pessoa é responsável por si mesma.
Por muitas vezes, o pecado é uma questão coletiva, mas cada participante
tem sua responsabilidade pessoal. Mas a mulher passou a culpa para o
tentador. É verdade que o problema começou com o tentador, mas a mulher
cooperou plenamente com seu desenvolvimento. O resultado foi a mina. Mas
a gravidade da situação não foi plenamente reconhecida pelos perpetradores
do ato. Apesar de as coisas terem-se tornado caóticas, as pessoas
transferiam a culpa de uma para a outra. Isso mostra a falta de percepção
quanto à gravidade do pecado e seus resultados. Talvez, por implicação, a mulher
também tenha acusado Deus. Pois quem criara o tentador, que então
apresentara a tentação?
A serpente estava equipada para a tarefa com uma
grande mas pervertida sabedoria. E o resultado foi que ninguém era capaz de
oferecer-lhe resistência. E fora Deus quem havia criado e equipado a
serpente, e quem também havia formado a mulher sujeita ao ludibrio. Ver as
notas sobre o vs. 12, que segue essa linha de idéias e suas consequências.
Neste ponto, vários estudiosos falam sobre a urgência
da responsabilidade no que tange a cada indivíduo. Mas a queda também
não embotou esse senso?
Um Caso Ilustrativo. Anos atrás, um homem cometeu homicídio, no estado americano de Utah.
Ele foi apanhado, condenado e sentenciado à morte. Em meio à sua agonia,
converteu-se, no sentido religioso. Pessoas que se opunham à pena de morte
uniram forças em sua defesa. O governador do estado concordou em adiar a
execução. Mas o próprio homem repeliu o oferecimento, com base no senso
de justiça. Observou ele: “O governador do estado de Utah não tem
fibra moral”. Finalmente, o homem foi executado. É que ele havia assumido
a responsabilidade por seu ato, uma atitude rara, de fato.
A Maldição e a Sentença (Gn 3.14-19)
Foram impostas várias maldições e sentenças. Note o
leitor que todos os participantes receberam o que queriam. A culpa ficou
sendo transferida; mas no fim foi feita uma justiça absoluta.
Emanuel Kant argumentava em prol da existência de Deus com base na idéia da necessidade
moral. Deve haver um Deus que é inteligente e justo o bastante para
recompensar todo bem e punir todo mai. Se um Deus assim não existisse,
então o verdadeiro deus de tudo seria o caos. Isso posto, se quisermos
manifestar-nos com inteligência, teremos de escolher Deus, ou este mundo
seria deveras confuso e o pessimismo seria o principio mais dominante. Ver
no Dicionário o artigo Pessimismo.
O Pacto Adâmico (Gn 3.14-19)
Esse pacto condicionava a vida humana após a queda no
pecado, prometendo ao homem a redenção. Ver no Dicionário o artigo
intitulado Pactos. Várias maldições foram proferidas por causa do
pecado, mas o Redentor foi prometido em Gênesis 3.15. A morte viría, em
consequência do pecado; mas a vida, afinal, reverteria todos os efeitos do
pecado.
3.14 Maldita és. A queda imporia uma maldição sobre todos
os seres vivos, pois as coisas não continuariam em sua condição ideal. Mas a
serpente, especialmente, ficaria em estado de miséria. Ela teria de arrastar-se
de ventre e comer pó. O texto implica, embora não declare especificamente,
que a serpente era antes um animal dotado de pernas, bem diferente da
serpente que conhecemos. O fato de que comeria pó indicava,
metaforicamente, sua posição humilde. O vs. 15 parece aplicar a maldição a
algo como Satanás, que tinha agido por trás da serpente. Também estava
destinado a receber um golpe esmagador. Seu poder seria anulado. É difícil
ver como o vs. 15 pode ser aplicado somente a serpentes literais. Só pode
ser que o autor sacro estivesse pensando em algum grande principio
de mal que se ocultava por trás da serpente, Essa circunstância deu origem à
teoria, desenvolvida por teólogos posteriores (judeus e cristãos), de que Satanás
foi o inspirador de todo o episódio. Ver no Dicionário o artigo
intitulado Satanás.
“A serpente é a mais odiosa de todas as criaturas, a
mais detestada pelos homens; e Satanás, amaldiçoado por Deus, foi banido de Sua
presença, tendo sido preso em cadeias de trevas, à espera do juízo do
último dia...” (John Gill, in loc.).
Vários comentadores judeus posteriores (Aben Ezra,
Jarchi etc.) referiram-se à ideia de que originalmente a serpente tinha pernas;
e alguns estudiosos evangélicos levam a sério essa questão.
“Ela obteve a palma da vitória sobre nossos crédulos
primeiros pais, e contínua à solta entre os homens, sempre trazendo consigo a
degradação, sempre fazendo suas vítimas afundar cada vez mais em abismos
de vergonha e de infâmia. Mesmo assim, perpetuamente, ela sofre a derrota,
e, em segundo lugar, tem de lamber o pó’, por causa de sua astúcia maligna...”
(Ellicott, in loc.).
3.15 Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o
calcanhar. Essa é uma declaração notabilíssima. Os críticos erram ao
continuarem a ver aqui apenas uma serpente literal que teria sido amaldiçoada,
e que continuaria a ser um vexame para o homem e a mulher. Mas é uma insensatez
falar aqui meramente sobre como uma serpente pode ferir um homem no
calcanhar, e como sua picada por muitas vezes é fatal. E também é tolice
pensar que faz parte da maldição que o homem, em retaliação, por muitas
vezes esmaga a cabeça da serpente. Ambas as coisas são verdadeiras: as
serpentes continuam picando e matando, e os homens continuam esmagando
cabeças de serpentes, mas por certo o texto envolve mais do que isso.
A Explicação Remidora. A maldição trouxe a inimizade; mas há uma solução. A cabeça da
serpente seria esmagada, Isso subentende um resultado remidor como
a resposta divina ao problema todo. Porém, o autor sagrado não nos oferece uma
única palavra sobre como isso sucedería. Nem Moisés nem o resto do Antigo
Testamento têm alguma coisa que se compare à doutrina neotestamentária da
redenção, com a consequente obtenção da Imagem Divina, por causa
da herança da natureza divina (II Ped. 1.4). O livro de Gênesis não nos
oferece nenhuma explicação a respeito, Mas certas porções do Antigo
Testamento, como o livro de Isaías, projetam bastante luz.
A Explicação Messiânica. Os Targuns de Jonathan, de Jerusalém, e os intérpretes cristãos falam
sobre a explicação messiânica. O descendente da mulher é a raça humana,
mas por extensão é o Messias, o qual é o Filho do Homem. E a descendência
da serpente é o seu continuo poder maligno, através de quaisquer agentes
que ela queira utilizar. O poder de Satanás não foi anulado, mas há
a missão de Cristo que já derrotou e que ainda derrotará mais definitivamente
o poder satânico. O resultado da cruz é a salvação, por meio do Messias e
de Sua missão.
Os Ferimentos. Metaforicamente, o calcanhar
ferido aponta para o calcanhar de Cristo ferido na cruz, e, por extensão,
todo o sacrifício da cruz, a expiação ao preço do sangue do Senhor. E a cabeça
ferida é o golpe fatal recebido pelas forças do mal, encabeçadas por
Satanás. O bem vencerá, afinal, o mal. Os ferimentos infligidos por
Satanás prosseguem: o mundo jaz no maligno; a miséria humana prevalece por
toda parte; o pecado parece triunfar; os homens continuam blasfemando; o
mal aparentemente triunfa por toda parte; a maioria dos homens endurece o
coração diante da mensagem da redenção; a iniquidade opera universal e
eficazmente.
Os Ferimentos Maior e Menor. É verdade que Satanás inflige seus ataques; mas na
refrega ele sai muito mais ferido. Satanás ofende e prejudica a todos
os homens. Sob seus ataques, os homens são miseravelmente empurrados para
cá e para lá. Mas para o crente, pelo menos está assegurado o seu triunfo
final em Cristo.
“Os motivos do terceiro capítulo — morte, labuta,
suor, espinhos, a árvore, o conflito e as descendências — giram em torno de
Cristo. Ele é o segundo Adão, que se tornou maldito em nosso lugar, que
suou como que grandes gotas de sangue, na mais amarga agonia, que recebeu
a coroa de espinhos, que foi pendurado em um madeiro até a morte, e que foi
depositado no pó do sepulcro” (Allen P. Ross, in ioc.).
3.16 Em meio de dores darás à luz filhos. Até hoje os
homens buscam como aliviar as dores do parto. Por que a mulher não é um pouco
diferente, para poder dar luz a seus filhos facilmente, como se dá com
alguns animais? O autor sagrado vê aqui outro princípio. O parto é
uma ocorrência dolorosa e potencialmente fatal. Essa condição é um dos
medonhos resultados da queda no pecado. Metaforicamente. essa dor do parto é
também a dc contínua de tudo quanto se segue. O homem nasce para a
tristeza, como as (agulhas sobem para o ar (Jó 5.7). Essas fagulhas não
tomam outra direção, a não ser sempre para cima, tal como o homem está
sempre sujeito a dores. Esse é outro aspecto do “problema do mal”. Ver no Dicionário
o artigo Problema do Mal.
O teu desejo. Não somente o desejo sexual da mulher,
conforme Jarchi pensava, mas toda a sua vontade, prazer e desejos, que ficariam
sujeitos ao veto ou aprovação de seu marido. A afirmação destaca a dependência
da mulher ao seu marido. Na antiguidade, essa supremacia do homem era
exercida mediante um tratamento extremamente arbitrário, e, com
freqüência, isso continua até os tempos modernos. Mui significativamente,
o autor do livro de Gênesis faz essa condição aparecer como um resultado
da queda no pecado. Presumivelmente, antes disso, a mulher era uma auxiliadora
(Gên. 2.18), o que envolvia sujeição, mas não aviltamento. Todo domínio e
ditadura que uma pessoa possa manter sobre outra deve ser tida como parte
da desordem reinante e resultante do pecado, Os críticos, que acreditam que o
Gênesis é uma obra de data posterior, vêem nesse versículo um reflexo de
condições para as quais contribuíram o baalismo, uma das religiões que
exaltava a fertilidade e se especializava na exploração da mulher. Nesse
caso, o desejo seria somente o desejo sexual, conforme
Jarchi supunha, e isso visto como parte da exploração da mulher. E alguns
comentadores contendem sobre o fato de que o autor sacro indicava assim
que as relações sexuais entre homem e mulher são o ponto focal do domínio
e exploração que o homem exerce sobre a mulher.
E ele te governará. Temos ai ou um reforço do que já
fora dito, ou, então, uma generalização. Se o desejo é de natureza
sexual, então esta declaração generaliza o tema do domínio exercido pelo
homem. Se aquela palavra tiver de ser entendida em um sentido geral, então
esta afirmação adicional meramente repete a idéia, para efeito de ênfase.
Desejo é termo que, de acordo com alguns, indica o desejo que ela teve de
pecar, após ter sido enganada. Visto que ela cedera a esse desejo, agora
terra de suportar o domínio exercido pelo homem, embora isso só se
manifestasse ocasionalmente. Mas esse sentido não é muito provável.
Vários intérpretes supõem que, antes da queda, o
homem e a mulher eram iguais e não havia nenhum domínio masculino arbitrário, e
que a vida era sempre harmônica sem jogos de poder entre os sexos.
Adam Clarke (in Ioc.) oferece um curioso
significado ao termo “desejo”. Ele supunha que seria o desejo sexual, e que a
mulher cai na armadilha do sexo, ou seja, por mais que ela tente,
não é capaz de escapar às dores de parto. Ela desejará o sexo, mas sofrerá
na hora do parto. Nesse caso, o “desejo” sena o apetite sexual.
Ellicott, por sua vez, pensava que o desejo
indica um “anseio natural pelo casamento”. Sem importar as dores que isso lhe
traga, ainda assim a mulher deseja muito esse estado. Há uma grande
verdade nesse parecer, sem importar se o autor sagrado queria dizer isso,
especificamente, ou não.
A Diferença do Novo Testamento. No trecho de Gálatas 3.28, Paulo vai além da conduta
sugerida no relato do Gênesis. Ele faz homem e mulher serem iguais em
Cristo. É como se ele tivesse afirmado: “Em Cristo foi ab-rogada toda
essa penalidade”.
3.17 Visto que atendeste à voz de tua mulher. Em geral, os
homens não dão ouvidos às suas mulheres, e isso lhes traz
dificuldades. Nesse caso, Adão, na qualidade de primeiro homem, não tendo
sofrido tentação da parte do Enganador, ou decidiu agradar sua mulher,
conforme pensam alguns estudiosos, ou, então, gostou da aparência do fruto
proibido, e sofreu sua própria tentação particular. Ele foi internamente
tentado, devido a uma fraqueza inerente, Era inocente, mas fraco. O trecho
de I Timóteo 2.14 indica que o homem caiu deliberadamente.
Adão. A maioria dos intérpretes opina que esse é um
nome próprio, o que indicaria que aqui Adão recebeu seu nome. Ellicott explica
que no hebraico não há o artigo definido, pelo que devemos entender a
palavra como um nome próprio. Mas outros preferem traduzir aqui por “homem”, e
não por um nome próprio, como nos vss. 9, 12 e outros.
A Terra Foi Amaldiçoada. Notemos o paralelo. O trabalho da mulher efetua-se no lar,
particularmente a tarefa de gerar filhos. No caso dela, isso se tornou um
processo difícil e doloroso. Mas o trabalho do homem efetua-se no campo, e
esse trabalho também foi dificultado. O pecado sempre produz dificuldades
e vexames. Ninguém pode desobedecer à Palavra de Deus sem pagar por isso.
O homem viu rompida a sua comunhão com Deus, e agora a própria natureza rebelava-se contra
o homem.
Em fadigas. Notemos a natureza enfática dessa
declaração. Antes o labor do homem era satisfatório. Mas agora ele trabalharia
muito para produzir pouco, e isso em meio a muita labuta fatigante. Essa
frustração resulta da desaprovação divina. Quanto a isso, Adão não
usufruiu do “muito bem” de Deus.
A Voz de Deus, a Voz da Mulher. Notemos o contraste entre este versículo e o vs. 8.
O homem podia dar ouvidos a uma ou a outra voz. Mas acabou dando ouvidos à
voz errada. Assim sucede no caso das tentações. Muitas vozes estranhas
procuram desviar-nos da senda do nosso dever. Quanto ao trabalho como uma
maldição ou uma bênção, ver as notas sobre o vs. 19.
Até que tornes à terra. O homem não foi executado no
momento de seu pecado. Mas recebeu ali uma sentença perpétua. A terra, origem
de toda a sua riqueza e bem-estar, agora havia sido amaldiçoada — uma
pesada pena. Entregue a si mesmo, o solo não produziría boas coisas de maneira
espontânea. Coisas boas só poderíam ser produzidas mediante uma labuta
cansativa. Abandonado a si mesmo, o solo só produziría espinhos e ervas
daninhas. O fim dessa árdua labuta é a decadência e, finalmente, a morte.
3.18 Cardos e abrolhos. Não é preciso cultivar as plantas
nocivas. Sozinhas, elas exibem uma estonteante fertilidade. Adam Clarke proveu
uma curiosa exposição neste ponto, que vale a pena reproduzir:
*. . ,a espécie de cardo chamada Acanthum vulgare
produz mais de cem cabeças, cada uma contendo de três a quatrocentas sementes.
Suponhamos que esses cardos produzam uma média de 80 cabeças, e que
cada qual contenha apenas 300 sementes. A primeira colheita da planta
seria de 22 mil Se tudo fosse replantado, a colheita seguinte seria de 576
milhões. Se tudo fosse semeado de novo, havería 13.824 bilhões; e uma única
colheita dai, que seria apenas a colheita do terceiro ano, produziría
331.776 quatrilhões; e a colheita do quarto ano totalizaria
7.962.624 sextilhões, uma produção mais do que suficiente para ocupar não
somente a superfície do mundo inteiro, mas também de todos os
demais planetas do sistema solar, de tal forma que nenhuma outra
espécie vegetal podería medrar, se imaginarmos que cada planta ocupasse um
quadrado de trinta centímetros de lado”. (Ele acreditava que os planetas
são habitáveis e são férteis, à semelhança da terra.) E é bom que ele
tenha parado no quarto ano, pois de outra sorte ninguém saberia dizer o
número resultante.
John Gill mostrou ser mais simples. Disse ele apenas... toda espécie de ervas daninhas e plantas e mato sem valor, crescendo e
florescendo”. Clarke prosseguiu para queixar-se dessa prodigiosa produção
de vida vegetal, a fim de mencionar o Cardus vutgatissimus viarum,
que não somente produz milhões de sementes inúteis, mas também
espalha suas raízes por toda parte, cercando a planta-mãe por muitos
metros em redor, a lançar seus rebentos por toda parte. Em seguida as
sementes criam uma nova planta-mãe e assim o processo se
vai multiplicando, até que grandes campos acabam cobertos por essa espécie
tão daninha. Então ele fala sobre a terrível Spinosa vulgaris, tão
prejudicai que nenhuma outra planta ousa medrar onde ela tiver lançado raízes.
Essa planta é recoberta de espinhos, de tal modo que se uma pessoa
aproximar-se dela, terá de pagar pela sua imprudência. Por outra parte, tentemos
plantar uma macieira! Em breve fica recoberta de vermes e parasitas, e a
menos que sjia devidamente cultivada, logo estará completamente
degenerada. O limão, no entanto, fazendo exceção à regra, é tão azedo
que não parece ter nenhum inimigo natural. Será isso correto?
Foi assim que o paraíso degenerou em um campo
recoberto de espinhos e abrolhos, árvores frutíferas mirradas e grãos de cereal
minados de parasitas.
3.19 No suor do rosto. No jardim do Éden, o homem tinha de cultivar o solo; mas então sua
tarefa era comparativamente leve. Ele tinha tempo para lazer, adoração e
desenvolvimento espiritual. Mas agora, para obter um minimo de sustento,
ele precisava suar. E continuaria a cumprir sua sentença perpétua, pois o
labor e o suor haveriam de continuar até que voltasse à terra, da qual
fora formado.
Ao pó tornarás. A referência aqui é ao sepultamento de corpos mortos. O homem foi
tirado do pó da terra; e haveria de voltar a ele Algo lamentável,
para dizer o mínimo. Por ocasião dos sepultamentos, é costumeiro o
pregador dizer, à beira do túmulo: “Tu és pó e ao pó tornarás”. Mas
notemos que coisa alguma é dita acerca da alma, que não pode ser afetada
pelo pó da terra. Também nada é dito sobre a vida do futuro. O Pentateuco,
de fato, é mudo quanto à esperança futura. Ver meus comentários sobre esse
fato em Gên. 1.26. Assim, embora haja um pálido raio de esperança no fato
de que o homem compartilha da imagem de Deus (e essa percepção
fazia parte inerente do uso desse vocábulo), o autor sagrado não desenvolveu
o tema, e, ao que parece, não sabia muita coisa a respeito, ou mesmo nada
sabia. Ver no Dicionário o artigo intitulado Alma. Aprendemos que
a teologia é um empreendimento continuo. Na verdade, a teologia progride.
É ridículo que queiramos achar no Gênesis as verdades que encontramos nos
escritos de Paulo. E é igualmente ridículo dizer que aquilo que
Paulo sabia é o fim da erudição. A verdade nunca estaca, embora os homens
tentem freiá-la em uma ou outra de suas fases. O que estaca é o conhecimento
do homem, quando este se enterra em dogmas estagnados.
Quando um ministro, diante de um túmulo qualquer, diz
que o morto está voltando ao po, costuma adicionar as palavras “na esperança da
vida eterna”. Mas o autor sagrado fez alto diante da maldição herdada pelo
homem, sem agitar nenhum laivo de esperança.
O homem teria vivido fisicamente para sempre se não
tivesse comido do fruto proibido? Alguns eruditos respondem com um não.
mas outros respondem com um sim. Para alguns, o pó precisa voltar
ao pó, com maldição divina ou não. Seja como for, não foi oferecida
nenhuma promessa de vida. Ver Ecl. 12.7 quanto a um contraste. O homem,
como pó, volta à terra; mas o espirito volta a Deus, “que o deu”.
Agora está sendo dito algo. Agora temos espereça.
O homem, essa criatura frágil, quão pouca razão tem
para orgulhar-se de si mesmo.
Em meu artigo sobre a alma, fomeci provas
acerca da sobrevivência da alma. Alguns estudiosos, neste ponto, contrastam o pó,
que naturalmente se desintegra, com a substância pura da alma, que é
simples e não se pode desintegrar. Este argumento filosófico comum teve
origem com Platão e foi aproveitado por filósofos e teólogos posteriores.
Um corpo feito de partículas de terra deve desintegrar-se. Mas o espírito,
por sua própria natureza, não se dissolve. Alguns intérpretes supõem que a
“árvore da vida” teria dado ao homem essa contraparte imortal, pelo que
teria vivido para sempre no espírito, sem importar o que viesse a suceder ao
seu corpo físico. Mas o texto não nos fornece nenhum indicio em favor dessa
ideia,
O Trabalho como Maldição e como Bênção. Para a
maioria das pessoas, o trabalho é uma maldição. Poucas pessoas seguem todos os
dias para o trabalho de coração leve. A maior parte dos trabalhadores é
escrava de seus salários. Poucas pessoas acham satisfação interior naquilo
que fazem. Isso faz parte da maldição divina. Quando nada há de criativo
em um trabalho, este se toma monótono, insípido entorpecedor. Tal tipo de
trabalho é degradante, mas é nisso que a maior parte das pessoas se vê envolvida.
Hoje em dia as pessoas se mantêm em longas filas à espera de algum
trabalho que pague o salário mínimo, o qual não é adequado nem mesmo para
as necessidades mais básicas. E os que não são contratados acabam ficando
sem alimento suficiente para servir a seus filhos. Quase metade de toda
a população brasileira vive subnutrida. Muitas pessoas vão para o leito, à
noite, com fome. Pessoas neste país estão morrendo de inanição, ao passo
que muitos políticos vivem no luxo e dispõem de contas bancárias secretas na
Suíça. Essas condições fazem parte da maldição; e, no entanto, continuamos a
considerar o pecado de forma tão negligente. As pessoas sentem-se
esgotadas diante de seu trabalho, e não lhes resta energia para desfrutar
de suas horas de lazer. Uniões trabalhistas, apesar de seus excessos
ocasionais, têm melhorado um tanto a situação, mas esta é deveras
lamentável, para dizer o mínimo.
O Trabalho como uma Bênção. Um trabalho que
realiza alguma coisa é divertido. Epicuro insistia em que os prazeres mentais
são superiores aos prazeres físicos. Aqueles que trabalham usando seus
cérebros, e assim realizam projetos valiosos, divertem-se o tempo todo.
Talvez tenham de trabalhar longas horas, mas sentem satisfação. “Os homens
que trabalham duramente em geral são os mais felizes” (Cuthbert A.
Simpson, in loc.). “Sempre haverá alguém ou alguma coisa
pela qual devamos trabalhar; e enquanto assim continuar sucedendo, a vida
deverá ser e realmente será digna de ser vivida” (Le Baron R. Briggs). O
treinamento e a educação têm por alvo desenvolver habilidades naturais e
latentes, liberando-as em atividades dignas. Quando temos algo pelo que
trabalhar, mui naturalmente a energia se redobra, e o trabalho toma-se
mais inspirador do que cansativo. Quando o trabalho não é criativo é que
se toma degradante. Desenvolvi esse tema no meu artigo intitulado Trabalho.
Dignidade e Ética do, que se acha no Dicionário.
A Expulsão do Jardim (Gn 3.20-24)
3.20
E deu o homem o nome de Eva à sua mulher. Adão havia dado nomes ao reino
animal, e agora deu o nome à princesa, a mãe de todos os seres humanos. (Gên.
2.19).
3.21 Fez o Senhor Deus vestimenta de peles. Esse é o décimo
quarto passo na vereda descendente da tentação. Apesar da queda do homem no
pecado, há a provisão divina. A fim de ocultar sua nudez, o homem
preparou inadequadas vestes de folhas de figueira, símbolo de boas obras.
Em contraste com isso, Deus produziu vestimentas substanciais,
feitas de peles de animais. O sacrifício de alguns animais foi necessário
para essa provisão. Para os intérpretes cristãos, isso significa a
provisão por meio de Cristo, em face de Sua obra expiatória, além da retidão
que Ele oferece como resultado de Sua obra (Rom. 3.21-26). As vestimentas
recebidas por Adão e Eva foram-lhes supridas divinamente. Agora estavam de
novo aptos a estar na presença de Deus. Ver no Dicionário o
artigo intitulado Expiação. Notemos que as vestimentas foram
uma provisão notável. Serviram para encobrir a nudez dos dois, além de
servirem para proteger contra as intempéries. Assim também a missão de
Cristo é uma provisão geral de tudo quanto é bom
Há mitos acerca de como o homem foi vestido com peles
de animais. Os gregos atribuíam isso à obra de Pelasgo, ao qual chamavam de primeiro
homem (Pausânias em Arcadicis, sive 1,8 pars. 455, 456).
O Primeiro Sacrifício. Os comentadores observam sobre como esse primeiro sacrifício,
realizado pelo próprio Deus, lançou a base para o sistema sacrifícial
da fé dos hebreus.
3.22 Eis que o homem se tornou como um de nós. Neste
ponto, os críticos estão certos de que esse elemento do relato remonta
diretamente ao mito babilônico da criação. Os deuses ficaram preocupados
com o homem, sentindo que deveriam limitá-lo para não ir longe demais. Por isso
teriam dito aqui “nós”, e o autor sacro descuidou-se de ocultar sua fonte
informativa politeísta. O versículo dá a entender que duas árvores tinham
sido proibidas: a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do
mal. Os eruditos conservadores retrucam dizendo que a preocupação de Deus
a respeito da árvore da vida não ocorreu senão depois da queda no
pecado. Deus não queria permitir que o homem se tomasse imortal em seu
estado de degradação. Pois o Senhor tinha um outro plano: a imortalidade
por meio do espírito. Assim, na palavra nós, esses eruditos não
vêem nenhum reflexo do politeísmo. Antes, sena a aplicação, neste ponto, do
termo plural Elohim, de Gên. 1.1, onde ele é explicado. Alguns
continuam vendo aqui uma referência trinitariana. Ver também Gên. 1,26 quanto
a uma explicação sobre a palavra nós.
Alguns intérpretes, como Crisóstomo e Agostinho,
aludiram a essa declaração divina em um sentido irônico e sarcástico: Vejam
esse homem tolo! Pensa ele que pode tornar-se como Deus? A serpente disse que
ele poderia tomar-se como Deus. Mas olhem agora para ele!
A imagem de Deus foi implantada no homem, mas
este, mediante outro ato impensado, poderia danificar mais ainda a obra divina,
tomando-se o tipo errado de ser imortal. O homem remido deverá ser como
Deus, mas somente da maneira aprovada pelo Senhor. Ver o artigo intitulado
Imagem de Deus, o Homem Como, nas notas sobre Gên. 1.26.
Se o homem viesse a viver para sempre, isso impediria
que ele viesse a sofrer o resultado final da maldição divina, a morte.
Por conseguinte, a expulsão do jardim do Éden tomou-se necessária, a fim
de evitar isso.
3.23 O Senhor Deus,.. o lançou fora do jardim. Foi
executada assim a severa sentença contra a desobediência. O homem perdeu seu
belo local de residência. Agora o homem estava reduzido a dedicar-se a um
trabalho árduo “em algum lugar lá fora”. A terra foi amaldiçoada; e agora
o homem era um ser mortal. Adão faz-me lembrar de certo homem que foi
condenado a servir por vários anos em uma detenção, e que comentou então: “Não
sei se poderei suportar isso!”. Uma terrível expectação, realmente. A
prisão. Foi assim que Adão chegou ao seu novo meio ambiente: trabalho
árduo e suor, preso em um corpo que havería de debin-tar-se no decorrer dos
anos. Ele saiu do paraíso em alienação, e essa é uma verdade
universalmente ilustrada. Não é fácil fracassar. O homem havia falhado na
tarefa simples que Deus lhe dera para fazer. John Gill (in loc.)
consolava-se no fato de que Deus não enviou o homem diretamente para o
inferno! Antes, Adão estaria cultivando um solo relutante, infestado de
cardos e abrolhos.
Há tolas especulações acerca de para onde ele foi
expulso. O Targum de Jonathan localizava-o no monte Moriá. Mas outros preferem
pensar em algum lugar perto de Damasco. No entanto, todas essas idéias são
vãs. O homem estava “fora” do paraíso, e isso é tudo quanto precisamos
saber.
Encontramos aqui o décimo quinto passo no
caminho da tentação. A sentença foi executada. O homem estava expulso do
jardim. Não devemos olvidar, entretanto, que o décimo quarto (vs. 21)
passo fala sobre uma contínua provisão divina, que, finalmente, haverá de
reverter as várias maldições que sobrevieram ao homem. Ver um sumário sobre
esses passos nas notas no fim do vs. 24.
3.24 E, expulso o homem. A
descrição mostra a severidade da medida. Deus era agora o Deus da ira.
E expulsou o homem de Sua presença, sem nenhum
vestígio evidente de misericórdia. Era o Seu filho que Éle expulsava e
barrava-lhe a aproximação da árvore da vida.
Segunda Dispensação: Consciência (Gn 3.24 - 7.21)
Ver no Dicionário o artigo detalhado sobre a Consciência.
Agora o homem possuía conhecimento experimental sobre Deus. Agora ele conhecia
o bem e o mal, e a sua consciência tornava-se seu guia. Mas ainda não
havia lei escrita para guiá-lo. Essa dispensação terminou no dilúvio, outro
lamentável fracasso do homem. Ver o artigo intitulado Dispensação
(Dispensacionalismo). Ver as notas sobre Gên. 3.14 quanto ao Pacto
Edênico. Ver as notas em Gên. 1.28 quanto à Primeira Dispensação.
Ao oriente. Talvez para dar a entender, neste ponto,
que havia alguma espécie de portão ou entrada que distinguia essa direção das
outras três. Talvez não haja nenhum sentido metafórico tencionado.
Querubins. Ver no Dicionário o artigo
intitulado Querubins, quanto ao que pode ser dito sobre essa espécie de
anjo. Os querubins são descritos como quem tem a função de guardiães de
algum lugar santo. Cf. Éxo. 37.7-9; I Reis 6.23-27. Em II Sam. 6,2; Sal. 18.10
e Eze. 1 os querubins aparecem como seres que sustentam o trono de Yahweh. E Eze.
41.18,19 pinta-os como seres de duas faces, de um homem e de um leão, ou,
então, de quatro faces (homem, leão, boi e águia). Esses animais vieram a
representar os quatro evangelhos.
Os querubins representam força e majestade, sendo
guardiães de confiança que prestam vários serviços a Yahweh. É provável que, em
Êxo. 25.20, sejam representados como bois alados. Neste ponto dou apenas
alguns poucos detalhes sobre esses seres, Mas a nota referida acima é bastante
extensa e preenche os detalhes.
O refulgir de uma espada. Poderíamos concebê-la
segura na mão de um dos querubins; ou, então, era um poder guardador separado,
independente dos querubins. A ira de Deus aparece como uma chama. Onde
estiver o fogo, ali os homens temem entrar. Essa chama mantinha-se em
movimento, refulgindo em todas as direções, não permitindo que alguém se
aproximasse, fosse de que direção fosse, E assim, pesadas armas impediam o
retomo tentado pelo homem castigado.
Não Há Auto-redenção. Uma das lições do texto é que o homem não pode redimir a si mesmo,
pois não podia voltar ao jardim do Éden em busca da árvore da vida. Agora
expulso, ele era obrigado a esperar pelo ato remidor de Deus. O antigo
paraíso estava irreversivelmente perdido, Mas um novo paraíso,
afinal, haverá de surgir no horizonte.
Depois do Fracasso, o Que Viria? A medida do homem não é se ele pode ser derrubado ou
não. É claro que todos os homens estão sujeitos à derrota, e nenhuma vida
humana é vivida sem muitas derrotas, A medida de um homem é o seu retorno.
Agora o primeiro casal enfrentava um futuro desconhecido; mas Deus
continuava cuidando deles, pelo que isso era uma garantia. Muitas
vidas têm perdido seus respectivos Édens; muitas vidas têm sido rejeitadas
após algum fracasso. O homem peca deliberadamente, sem calcular o custo
possível. Ele comete erros precipitados e tolos, que podem ser devastadores, E
tem de enfrentar consequências amargas de poder permanente. O homem está
do lado de fora, mas suas asneiras não precisam ser a última palavra. A
Bíblia inteira deixa isso bem claro, e a missão de Cristo pode ser a
última palavra, no tocante ao destino humano, no caso de muitas pessoas. A
Bíblia começa com o paraíso perdido, no livro de Gênesis. Mas vai
prosseguindo até o Apocalipse, onde vemos que o paraíso será
reconquistado, Ali vemos aquela grande cidade, a Nova Jerusalém, que
descerá do céu (Apo. 21.10). Naquele lugar futuro haverá outra árvore da
vida, da qual todos os habitantes poderão participar gratuitamente (Apo.
22,2).
Os Passos na Vereda da Tentação: Sumário
Tenho acompanhado os elementos da história bíblica,
crendo ser esse o modelo de como a tentação acaba prevalecendo, de como o homem
cai, de como vem o fracasso, de como a volta é possível;
1 O instrumento da tentação pode ser alguma
autoridade respeitada e racional (Gên. 3.1)
2. Essa autoridade respeitada contradiz o mandamento
divino (Gên 3.1)
3. O homem cede diante da tentação,
embora reconheça que está errado (Gên 3.2)
4. O homem faz adições à Palavra de Deus,
pervertendo-a dessa maneira (Gên 3.3)
5. A autoridade respeitada contradiz abertamente a
Palavra de Deus (Gên 3.4)
6. O tentador diz uma verdade, embora lhe
dê um sentido distorcido (Gên 3.5)
7. A coisa oferecida pelo tentador parece boa, à
concupiscência dos olhos (Gên 3.6)
8.0 homem cede diante da tentação (Gn
3.6)
9. A pessoa que cai não demora a influenciar outras
para cometerem o mesmo erro (Gên 3.6)
10. O juízo divino é executado (Gên 3.7)
11. O homem tenta um remédio falso e
inadequado para a sua queda (Gên 3.7)
12. O homem, tendo caído, oculta-se de Deus (Gên
3.8)
13. O homem lança a culpa em outrem,
diante de seu fracasso, até mesmo em Deus (Gên 3.12)
14. A provisão divina ainda assim provê restauração (Gên
3.21)
15. O horrendo julgamento divino é
executado (Gên 3.23).
Naturalmente, na tentação, na queda e na restauração
há outros elementos, mas esses quinze passos contêm, em si mesmos, muitas
lições, porquanto refletem as condições do homem moderno.
A melhor maneira de cuidarmos da tentação consiste em
fugirmos dela (I Cor. 6.18; 10.14; I Tim. 6.11; II Tim. 2.22). Aqueles
que resistem ao teste, usualmente ficam de nervos prejudicados. Ver no Dicionário
o artigo intitulado Tentação.