Estudo sobre Romanos 1:16

Estudo sobre Romanos 1:16

Estudo sobre Romanos 1:16





Romanos 1:16

Paulo caracteriza sua atitude na grande discussão que se incendiou em torno de sua missão livre da lei, dirigida aos gentios. Pois não me envergonho do evangelho. A interpretação psicológica diz que a ideia da futura visita a Roma, essa poderosíssima e gloriosa metrópole, aliada à autoconsciência dos habitantes da capital e à troça dos intelectuais, primeiramente teriam intimidado o pequeno asiático. Esses sentimentos ele teria tido necessidade de superar. Contudo, Paulo de forma alguma tem em mente o mundo da cultura pagã de Roma (ao contrário do v. 14). Na iminência de partir para Jerusalém (15.25), havia outra coisa que o preocupava. Em Jerusalém e em outros lugares começava a cumprir-se o prenúncio de Jesus, em Jo 16.2: a mais dura oposição por parte dos judeus! Ela sucedia com ímpeto teológico, com apego à Escritura e como serviço presumido a Deus. Isso o atingia profundamente. De onde tirava sua perseverança contra isso? Não de sua psique, e sim de sua teologia.

É com boas razões que lançamos agora um olhar sobre a mensagem do livro da consolação de Isaías, que traz os trechos sobre o servo de Deus. Pois, mais do que qualquer outra obra do AT, Paulo cita em suas cartas exatamente Isaías. De acordo com Is 53.1, o servo de Deus não encontra fé na comunidade de seu próprio povo. Arrastam-no ao tribunal. Cabe reparar sobretudo em Is 50.4-9: esbofetear o rosto, cuspir e arrancar os cabelos, ações mencionadas no v. 6, faziam parte, como ritual da vergonha pública, dos elementos do rito processual do antigo Israel. Sua função era tornar a inculpação visível também como vexame público. O servo humilhado, porém, oferece a fronte de rosto erguido (v. 6b). Ele aceita esse sofrimento como inerente à sua missão. A força para isso lhe é concedida pelo relacionamento direto com Deus (v. 5): “Perto está o meu defensor legal. Quem contenderá comigo? Vê, o Senhor me socorre. Quem há que me condene?” (v. 8,9). Por isso, pois, o v. 7: “Eu sei que não serei envergonhado”, respectivamente “que não terei de me envergonhar”. O servo de Deus confia em que sua demanda legal será decidida a seu favor perante a instância suprema, ou seja, perante Deus. É por isso que não se retrai diante das acusações (v. 5), mas continua imperturbável anunciando a salvação para todos os oprimidos (v. 4).

Nesse quadro Paulo registra suas próprias experiências. Pairava sobre elas a obrigatoriedade, mas também a promessa. Sofrer, como justo, a injustiça e o vexame públicos e, apesar disso, abençoar seus inimigos – essa era, segundo aquela profecia, a prática missionária do servo de Deus. Essa perspectiva também haveria de proporcionar a Paulo os parâmetros em Jerusalém, mas igualmente já agora, ao compor esta carta, bem como na sua esperada ida a Roma. Não sendo envergonhado por Deus, de nada se envergonhava.

Paulo era fortalecido pela ação já comprovada do evangelho: porque é poder de Deus para a salvação. Diferentemente do v. 20, Paulo não fala, p. ex., do “eterno poder” de Deus na Criação, nem como no v. 4 daquele “ato de poder” de Deus na Páscoa, mas, muito semelhantemente a 1Co 1.18, fala de um acontecimento da Palavra. Pois “poder” se refere a “ele”, mais especificamente, ao evangelho antes mencionado, à pregação missionária do primeiro cristianismo. Deus deu ao mundo não somente o Cristo, mas igualmente a pregação de Cristo carregada de poder. Cristo e pregação de Cristo relacionam-se como a dádiva e o seu acessório indispensável, pois “Como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão se não forem enviados?” (Rm 10.14,15). A primeira igreja contemplava maravilhada os efeitos da Palavra, sua expansão para além das fronteiras.

Como em 1Co 1.18, aparece novamente a finalidade da pregação: “para redenção”. “Redenção” constitui um termo bíblico central, trazendo o conceito básico de possibilitar a alguém que escape ileso de um perigo (por isso traduzido com freqüência por “salvação”, cf “Salvador”). Em Paulo esse grupo semântico ocorre 63 vezes. Porém é somente uma única vez que ele usa o termo para designar salvamento de perigo terreno (2Co 1.8-10), poucas vezes para libertação da aflição do pecado, e na grande maioria das vezes aplica-o à redenção futura (!) no juízo final.

Esse evangelho tem validade universal (cf já o v. 5b): para a salvação de todo aquele que crê. O NT atesta com grande freqüência a combinação de salvação e fé. Enquanto o próximo versículo ressalta: Crê somente!, a ênfase aqui está na total ausência de restrições: Fé e, por isso, salvação para todos, sem exceção. Paulo tampouco teme a prova dos nove e aplica expressamente o “para todos!” à mais profunda diferença que perpassa a humanidade, porque esse “para todos!” está ancorado na eleição por Deus: primeiro do judeu e também do grego.

Em princípio, a formulação simples “judeus e gregos” seria um mero resumo. Porém, o “tanto – quanto” evoca polaridade, anulando-a em seguida sob determinadas condições. É essa anulação que Paulo celebra em Rm 10.12,13: “Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” Com essa afirmação forma-se já agora o arco até a última frase do bloco doutrinário da carta, em 11.32: Deus quer ter compaixão de todos, tanto de seu povo eleito quanto dos povos não eleitos!

Agora vejamos a intercalação de “primeiro”h para o judeu! Apesar do universalismo de Paulo, a humanidade não era para ele uma massa uniforme. A abordagem separada dos gentios em 1.18-32 e dos judeus em 2.1–3.8 fala uma linguagem inequívoca. Estava longe dele abordar um judeu que vivia nos parâmetros da lei da mesma maneira como um gentio (1Co 9.20-22). Antes de receberem pelo evangelho a revelação da palavra, os gentios trazem em seu íntimo nada mais que uma sombra de Deus, no exterior, porém, servem a ídolos. Em contraposição, os judeus experimentaram a revelação da palavra do Deus verdadeiro muito antes que ecoasse o evangelho, de modo que tiveram uma longa e rica histórica com Deus (3.2). O “primeiro os judeus” deve ser avaliado em três dimensões:

Em primeiro lugar essa observação valoriza a vantagem histórica. Os judeus já estavam preparados, motivo pelo qual chegaram imediatamente na vez (cf At 3.26; 13.46).

Em segundo lugar eles possuem, em virtude de sua eleição, uma prioridade objetiva para a salvação em Cristo. A quem, se não a eles, destina-se o poder libertador do evangelho (11.14)?! Paulo não conhece um “os judeus por último”, nem mesmo em Rm 11.26. Todavia, essa prerrogativa traz consigo, de acordo com Rm 2.9,10, igualmente uma responsabilidade mais elevada.

Finalmente resulta como terceiro ponto para esse povo também uma preferência honorífica. Paulo esperava, conforme Rm 15.27, que os gentílico-cristãos se considerassem permanentemente em débito com os “santos em Jerusalém” (cf Jo 4.22). Para ele constituía simplesmente um absurdo se os gentílico-cristãos se portassem como superiores. Quem ama e honra a Deus, também ama e honra os caminhos que Deus enveredou ao vocacionar Abraão (11.28).