Estudo sobre Romanos 1:22-23

Estudo sobre Romanos 1:22-23

Estudo sobre Romanos 1:22-23

Romanos 1:22-23

Os v. 22-32 aportam conteúdo ao juízo da ira testemunhado no v. 18a. Para intensificar a premência, Paulo utiliza o método da repetição: Três vezes essa confusão que clama aos céus, tomando os ídolos por Deus (v. 22, 23, 25, 28a). Três vezes o abandono por Deus às consequências de seu comportamento (v. 24a; 26, 27a e 28b-31), e três vezes a miséria daí resultante (v. 24b, 27b, 32). Nessa descrição a exposição da culpa se torna passo a passo mais breve, e suas conseqüências, sempre mais detalhadas, até que se derrama diante de nós praticamente um dilúvio de vícios, fazendo estourar toda a podridão interna da sociedade humana. Comecemos dando títulos às unidades de pensamento:

• v. 22-24: Exaltar-se acima de Deus leva à queda para a tolice indescritível da idolatria.
• v. 25-27: Desonrar a Deus conduz a deplorável amor próprio.
• v. 28-32: Falta de gratidão a Deus leva a uma sociedade que despreza as pessoas e que se destrói a si própria.

De forma sintética, abordaremos três temas desse trecho:

O agir soberano da ira de Deus. O termo “entregar”, que perpassa o trecho como um refrão (v. 24,26,28), revela o que Paulo tinha em mente no título do v. 18 com “ira”: uma disposição ativa de Deus. A Bíblia não testemunha um Deus que permanece imóvel diante da quantidade descomunal de injustiça e que, embora irritado, não faz nada. Ele não é o espectador que tão somente grava na memória os casos, para recuperá-los no juízo final. Pelo contrário, sua irritação interior já hoje se torna resistência ativa. O que o impulsiona, nessa ação, não é prazer de vingança, e sim paixão pelo direito. Ela se incendeia em todo lugar onde o mundo não está mais “direito”. Seu objetivo foi vida, ele criou a vida, preserva-a e é um Deus da vida. Por isso ele é um Deus da ira, onde quer que a vida seja prejudicada. Portanto, ele reage à negativa de honrar a Deus e à idolatria dela decorrente. Responde ativamente com medidas legais que passam a também determinar a trajetória futura dos gentios.

No ato de entregar18 residem dois momentos, como também mostra At 7.42: Primeiro largar (a), para depois deixar à mercê de uma outra instância (b). Quanto ao largar judicial (a), cf a ação de Pilatos depois da condenação de Jesus, em Mc 15.15, mas igualmente o grito de abandono, de Mc 15.34. Ali são as mãos de Deus que se retraem. De acordo com nosso texto em análise, os gentios foram privados da ligação protetora com Deus, eles perdem uma parte (!) da proteção. Depois acontecem (b) o repasse e a entrega a órgãos de execução judicial. No paganismo que sempre de novo fraudou, esbanjou e desprezou os impulsos divinos da Criação, outras grandezas podem passar a desenvolver seu poder. Que grandezas são essas? Neste trecho Paulo não fala de Satanás e demônios (cf comentário sobre 16.20). Deus entrega esses “filhos da ira” (Ef 2.3) desprotegidamente a si próprios, a saber, às concupiscências de seus corações (v. 24), às paixões infames (v. 26), a uma disposição mental reprovável (v. 28), ou seja, à maneira que eles próprios escolheram para viver. Isto é extremamente notável para o castigo terreno de Deus. Ele não faz cair fogo do céu, não envia objetos quaisquer de espaços transmundanos, mas libera desenvolvimentos na terra. Os seres humanos experimentam as consequências e potências que residem em suas próprias deliberações. Degustam a sopa que cozinharam para si. Totalmente entre si, pois, começam a prejudicar-se entre si (v. 29-31). Constitui um segredo deles que a maioria considere linda e libertadora a vida “sem Deus no mundo” (Ef 2.12; cf aqui o v. 32). Paulo os vê cercados num beco sem saída: “Deus a todos encerrou na desobediência” (11.32).

Um primeiro adendo: Em geral Deus não é “rápido na irritação” (Mq 2.7), somente a contragosto dá “curso livre” à sua ira (Sl 78.49,50). Contudo pode chegar o instante em que a paciência não favorece mais o ser humano, porque poderia acostumar-se com a ideia de que pessoas más vivem muito bem. Nesse caso é preciso aplicar-lhe uma sangria, deixá-lo sofrer as conseqüências, maciçamente (Jr 2.17,19).

Em segundo lugar é preciso refletir mais uma vez sobre a declaração do v. 20: O mundo ainda não é um inferno porque a bondade criadora de Deus segue em curso enquanto a terra existir (Gn 8.22). Por isso as pessoas também continuam vivas, embora mereçam, segundo o v. 32, a morte. Os juízos dentro da história, por conseguinte, ainda não são juízos totais. Eles são aplicados como que com freios acionados, mesclados com uma profusão de paciência e longanimidade (Rm 2.4). Possuem um sentido pedagógico, como também repercute várias vezes através do Ap (chamado ao arrependimento: 9.20, 21; 16.9, 11). Esse é o horizonte apropriado também para a presente fase do juízo: A revelação da ira de Deus preserva o mundo para a revelação da sua justiça no evangelho (1Tm 2.4; 2Pe 3.9).

A idolatria do ser humano. Por mais tola que possa parecer, possui inversamente a sua lógica. O ser humano foi criado para dar honras a Deus. Isto seria para ele a atitude mais natural. Quando, pois, foge de Deus, ele leva consigo essa estrutura existencial, a saber, essa necessidade de venerar e dedicar-se. A pessoa não suporta deixar de ajoelhar-se diante de algo. Não consegue simplesmente levar a vida, ela não vive só do pão. Ela tem necessidade de qualquer coisa que seja superior a ela. É preciso arranjar um “deus”. Porém, a partir desse instante, a pessoa está ajoelhada no lugar errado, ou seja, onde de acordo com Gn 1.26 deveria estar de pé, como alguém chamado para dominar. Em vez disso, o ser humano toma um objeto criado, “elementos do cosmos” (Gl 4.3,8-10), elevando-os acima do natural. Estamos diante da raiz da idolatria. Ela apresenta muitas variações, porém sempre como algo criado, algo que é erguido ao nível do Criador e divinizado. Incansavelmente o ser humano gira em torno desse ídolo, dedica-lhe as melhores energias, sacrifica-lhe tudo – e quanto mais longe de Deus, melhor.

• Nas religiões primitivas muitas vezes o ídolo é talhado do tronco de uma árvore, uma imagem de homem corruptível, ou de aves, quadrúpedes e répteis (v. 23,24; fustigado com impacto especial em Is 44.9-20).
• No caso das filosofias e cosmovisões, o ser humano toma elementos do pensamento, idéias, princípios éticos ou leis intelectuais, das quais “talha” para si um sistema dominante. Nesse sistema ele se introduz como num enlatado fechado a vácuo. Quando acontece que ele sufoca, muda-se para uma nova lata. É o que se pode observar na sociedade aproximadamente de trinta em trinta anos.
• Também é possível que o “material” com que se “talham” pequenos deuses sejam outras pessoas. Enaltecem-se exageradamente artistas, cientistas, atletas, superiores seculares e eclesiásticos, construindo-se em torno deles um culto à pessoa.

De modo drástico Paulo expõe no v. 23 o extremo da degradação: Seres humanos, incumbidos de ser representantes de Deus na terra, ajoelham-se diante de répteis! Imaginemos isso de modo prático: rastejar diante de animais que rastejam! Mudaram a glória do Deus incorruptível! Contudo, os atores ainda se expõem à admiração geral. Inculcando-se (orgulhosamente) por sábios, tornaram-se loucos (v. 22; cf v. 32).

Quanto ao homossexualismo. Naturalmente Paulo não afirma que o relacionamento homossexual entre os gentios seja a regra; do contrário, os povos há muito teriam desaparecido. Pelo contrário, ele está reconhecendo um sinal que cai especialmente na vista, e que denuncia a enfermidade da sociedade. Também fica estabelecido que não se deve ver cada homossexual como especialmente culpado. Cada caso é diferente. Há sedutores e seduzidos, bem como situações que deixam alguém enfermo. Objetivamente trata-se do seguinte: Uma sociedade que declara que sua contraparte primária, ou seja, Deus, não lhe interessa (v. 23), obtém a quitação correspondente: ela tampouco é capaz de conviver com o “tu”. Realmente possui nada mais que a si própria, não tem mais nada a amar exceto a si própria, e não pode buscar outra coisa que a si mesma e a própria espécie. Sob essa perspectiva, os homossexuais, enquanto apaixonados pelo próprio sexo e retraídos sobre a própria espécie até na esfera sexual, constituem-se nos portadores dos sintomas de uma sociedade.

Paulo, portanto, se atém ao nexo da reflexão. O assunto tampouco foi trazido à revelia, uma vez que o tema desses versículos é a revolta contra o Criador. Em nenhum lugar, porém, a Criação de Deus está tão perto de nós quanto no próprio corpo. Experimentamos nosso corpo não numa neutralidade sexual, e sim no âmbito da cópula entre macho e fêmea (Gn 1.27). Dessa maneira nossa definição sexual não reside na nossa escolha. Ela não é substituível, antes destrutível. Isso acontece no homossexualismo. Os instintos estão de pernas para o ar, a ordem original da Criação é deixada de lado, perde-se, evita-se e despreza-se a forma primária de parceria enriquecedora.