Estudo sobre Romanos 13:2
Romanos 13:2
Sob essas circunstâncias elimina-se a atitude de oposição aberta ou velada frente ao estado como possibilidade cristã. De modo que aquele que se opõe (contrariamente) à autoridade (“poder estatal”) resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos no juízo final a condenação de Deus. Em decorrência, a anarquia, ou seja, oposição por princípio contra o poder governamental, não representa uma saída cristã. Negar-se a obedecer determinadas ordens da autoridade estatal é algo diferente (sobre isso, cf nota 43, sobre o v. 3b).
Isso posto, Paulo muda o curso do fundamental para o prático, ao agir da autoridade governamental e ao fazer dos cristãos. Nisso Paulo trabalha com a premissa de que ambos os lados estão harmonizados num ponto essencial: visam o bem e combatem o mal. Melhor: da parte do estado isso já acontece assim, os cristãos são exortados a agirem dessa maneira. Quanto aos últimos, a tríplice contraposição de bem e mal mostra que mais uma vez eles são incorporados ao fluxo de idéias do capítulo anterior. Por meio de uma insistente interpelação pessoal eles são conjurados, como já em Rm 12.2, a cumprir a vontade de Deus (v. 3b): Faz o bem, incondicionalmente! Cumpre notar que não está sendo dito: cumpre incondicionalmente o que foi ordenado! Quando os cristãos praticam o bem, a estrutura do Estado vem ao seu encontro com algo que eles, enquanto comunidade cristã, não podem deixar de aprovar – uma afirmação muito surpreendente de início. A autoridade estatal louva (“enaltece” [nvi]) o praticante do bem e castiga (“pune” [nvi]) o que pratica o mal. Paulo está destacando no poder do estado única e exclusivamente sua função ética. Ao perseguir os criminosos ele garante a ordem jurídica. Enquanto servo de Deus, é vingador para a ira sobre os que praticam o mal (v. 4b). De acordo com Rm 12.19, os cristãos não se devem arrogar o cargo da vingança, mas dar espaço ao furor vindouro de Deus. Aqui, porém, Paulo complementa e ensina que já no presente Deus não deixa essa função totalmente inativa, permitindo que o poder estatal sirva provisoriamente como seu instrumento. A perseguição criminal nos tribunais, por mais fragmentária que possa ocorrer, deixa transparecer a ira vindoura de Deus. Essa “pequena ira” aponta para aquela “grande ira”. Deus não quer deixar a humanidade correr para dentro do grande furor sem que antes possa encontrar a salvação. Porém, para que ela própria não se extinga antes pela luta de todos contra todos, pela lei da selva, pela justiça de linchamentos e por assassinatos de vendeta, Deus contrapõe a autoridade judicial pelo menos aos excessos mais graves do maligno.
Diante dessa ênfase justamente no elemento judicial do sistema estatal, e pensando nos tribunais existentes de fato, surpreendemo-nos com essas afirmações: Faze o bem e terás louvor dele (v. 3b), entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada (v. 4b). Seria tudo isso tão simples? De acordo com o contexto deve-se entender o elogio das boas ações como louvor por parte do juiz: nos termos do processo ele constata o bem e o mal e distribui o respectivo louvor e a reprovação. No entanto, acaso o próprio Paulo não havia colhido más experiências com a brutalidade, a corrupção e a hipocrisia jurídica e estatal de seus juízes? Em Rm 8.36 ele sintetiza: “Somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro”. Não obstante, o leitor atento de Rm não deveria estar surpreso demais nesse ponto: conforme Rm 1.32, os próprios gentios, ao praticarem o mal, ainda “sabem que… aqueles que fazem essas coisas merecem a morte” (blh). O saber acerca do bem e do mal tem de ser pressuposto sem exceção entre todos os povos (Rm 2.15). Em segundo lugar: conforme Rm 7.16,22, a pessoa não redimida dispõe não apenas desse saber mas até do reconhecimento, sim, da satisfação com a boa vontade de Deus. Mais ainda: de acordo com Rm 2.14, Paulo considera possível que: “Procedem, por natureza, de conformidade com a lei”. Apesar de que, vistos como um todo, os povos estão indesculpáveis diante da acusação, pois entre eles acontecem boas ações, pelo menos de maneira fragmentária. Portanto: saber acerca do bem, aprovar o bem e praticá-lo! Cristãos deveriam preservar a sensibilidade para tais sinais mesmo no estado gentílico. Constitui um exemplo a forma dos relatos sobre processos no NT. Paulo alcançou esse “louvor” do estado quando o comandante Lísias, os governadores Félix e Festo e o rei Agripa atestaram repetidamente a sua inocência, o que obviamente não os impediu de, paralelamente, prolongarem sua detenção. Pilatos teve de constatar publicamente três vezes: “Não encontro nenhum motivo para condenar este homem” (blh), embora apesar disso submetesse o inocente à terrível tortura romana. Herodes teve de concordar com o seu veredicto (Lc 23.4,14,15,22). Eram espantosas as circunstâncias que o Supremo Conselho criava em defesa do direito e da lei, ainda que, ao arrepio da lei, a pena de morte para Jesus já estivesse decidida antes do processo. O regime mais miserável simplesmente não consegue subsistir sem encostar-se no elevado conceito do bem e do mal. Dessa maneira ele se curva diante dos pés de Deus, assim como os soldados romanos reverenciaram a Jesus, coroado de espinhos e vestido de púrpura. Soterrada por injustiça e escárnio, triunfou a justiça!
Retornamos à exortação ao cristão: pratica o bem! Paulo não só o incute por causa da expectativa pelo elogio que se pode esperar, mas mais intensamente pela recordação do castigo iminente em caso de um ato mau (três vezes nesses dois versículos o tema do temor!): Queres tu não temer a autoridade (“o poder estatal”)? Faze o bem! Um cristão não deve pensar de forma leviana em se colocar acima das normas do bem e do mal “só” porque tem de lidar com uma autoridade terrena. Dessa forma também perante Deus ele estaria fora de uma esfera do direito. O direito, projetado a rigor para teu bem, volta-se contra ele, sanções começam a atuar. Ele perde sobretudo, nesse caso, diante das portas do tribunal, a verdadeira coragem espiritual, que é dada unicamente ao que teme a Deus.
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Romanos 13:2