Estudo sobre 1 Coríntios 5:11-13

1 Coríntios 5:11-13

O apóstolo não está preocupado com o convívio com pessoas do mundo, embora as questões que emergem dele sejam mencionadas de passagem no decorrer da carta (cf. sobretudo o comentário a 1Co 8). Mas não é primordialmente ali que se situam os perigos. Residem na condição da igreja como tal. Alguém “se diz irmão” e ao mesmo tempo “é impuro ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador”. Paulo amplia novamente o rol, possivelmente porque tinha motivos concretos para isso. Diversas vezes o NT cita a incontinência e a avareza num mesmo contexto (Ef 4.19; 5.3; 5.5; Cl 3.5; 1Ts 4.3-6).140 A “ganância” transforma pessoas em “ladrões”. E o culto gentio, com todas as suas formas mágicas e supersticiosas, constituía uma rede tão firme que de algum modo ainda podia manter cativos até mesmo os membros da igreja, tornando-os “idólatras”. Os pecados da língua estão até hoje assustadoramente disseminados entre os crentes. Pelo menos sua forma mais grosseira, a “maledicência”, não pode ser tolerada. Numa cidade como Corinto também a dependência do álcool podia manter cativos os membros da igreja, permanecendo “beberrões” desde a vida anterior à entrada na igreja.141 De qualquer forma Paulo demanda a ruptura dos relacionamentos a ponto de “com esse tal nem ainda comerem”. A comunhão de mesa é também para nós expressão de pertencer um ao outro. Também nós ainda compreendemos a expressão “virar a mesa”, ou seja, acabar com a comunhão de mesa. Na Antiguidade e no Oriente isso era compreendido de modo ainda mais profundo. Na acusação dos fariseus contra Jesus reside uma intensificação: “Este recebe pecadores e (até) come com eles” [Lc 15.2]. De 1Co 11.17ss depreendemos que a igreja em Corinto realizava refeições comunitárias, em cujo desenrolar era celebrada a ceia do Senhor. É dessas refeições que esses “irmãos” devem ser excluídos. Contudo, a instrução de “com esse tal nem ainda comer” deve ter um sentido mais fundamental e abrangente. Uma pessoa chamada de irmã, mas que está vivendo em flagrantes pecados, não pode ser tolerada na igreja. A principal razão é que “um pouco de fermento já leveda toda a massa” e tolerar esses irmãos abrandaria a gravidade do pecado na igreja toda. Mas tais irmãos também precisam ser confrontados pessoalmente com a gravidade de seu pecado, negando-lhes qualquer comunhão. Pelo menos foi o que Paulo declarou aos tessalonicences em 2Ts 3.14s.


Finalizando, Paulo constata: “Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro?” De maneira clara e categórica se faz uma distinção entre “dentro” e “fora”, entre “igreja” e “mundo”, assim como 1Co 1.18 distinguiu nitidamente entre “perdidos” e “salvos”. Para o nt não existem formas mistas e áreas intermediárias. Justamente por isso aqueles membros da igreja devem ser afastados, para que não surjam formas mistas comprometedoras. Não há necessidade de que os membros da igreja se preocupem com os de “fora” e seus pecados. Nesse ponto devem deixar o julgamento somente para Deus.142 “Os de fora, porém, Deus os julgará.” Contudo, manter pura a igreja é algo que demanda profunda seriedade: “Não julgais vós os de dentro?” No texto grego o “vós” é enfático. Novamente o apóstolo confia que a igreja como tal tem o dever da disciplina eclesial. Formula sua exortação como indagação porque a prática desse dever em Corinto se tornava questionável. A pergunta soa dolorosamente admirada pelo fato de que a igreja não compreende sua tarefa necessária. Ao mesmo tempo soa uma expectativa: Na verdade vocês o fazem, não é? Ainda que obviamente não o façam de maneira suficientemente clara e decidida. Por isso, Paulo por fim expressa mais uma vez uma clara exigência: “Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor.” Paulo profere essa palavra final por meio de uma citação de Dt 17.7 (também Dt 24.7), por trás da qual temos de ver a sagrada determinação de todo o trecho de Dt 17.2-7. Ainda que uma igreja de Jesus não esteja mais sujeita à lei, e sim à graça (Rm 6), o malfeitor e a maldade precisam ser “tirados do meio deles”. Sim, no caso da igreja isso é sumamente necessário, porque sua santidade foi adquirida pelo precioso sangue de seu “Cordeiro pascal”, Cristo. Disso resulta a obrigatoriedade da disciplina eclesial no NT.143 Contudo, nesse caso trata-se de “maus” que não deixam a maldade, mas que visam combinar a participação na igreja de Jesus com a persistência em pecados evidentes.




Notas:
140 Uma observação frequente no aconselhamento espiritual é que no caso de pessoas cativas da impureza também as questões financeiras estão em desordem, e vice-versa.

141 Enquanto em Israel o álcool parece não ter sido um perigo (motivo pelo qual Jesus também podia realizar despreocupadamente o milagre do vinho nas bodas de Caná), as advertências contra o álcool ocupam um espaço amplo com vistas às igrejas no mundo grego: além da presente passagem, cf. 1Co 6.10; Gl 5.21; Rm 13.13; Ef 5.18; 1Tm 3.3; Tt 1.7.

142 Despendemos energias demais julgando, irritados, aquilo que é feito pelas pessoas de “fora”. Isso é barato demais e em geral bastante egoísta.

143 Obviamente tudo isso depende da estrutura básica da igreja. Tentar praticar “disciplina eclesiástica” no âmbito das igrejas territoriais é algo complicado, que tão-somente leva à hipocrisia e à amargura. Quando, por causa do batismo de crianças, as multidões das igrejas territoriais são declaradas como “igrejas” no sentido do NT e se aplicam a elas critérios do NT, chega-se em dificuldades insolúveis.