Estudo sobre 1 Coríntios 5:6-7

Estudo sobre 1 Coríntios 5:6-7



Paulo não considerava o matrimônio com a madrasta como um “caso” isolado. Aliás, de forma nenhuma ele admite o cristão individual isolado. Ele sempre vê a “igreja”, e cada indivíduo como membro dela. Apenas a conjuntura geral da igreja em Corinto, sua falsa “sabedoria” e “liberdade”, sua negligência quanto à palavra da cruz tornavam um caso desses possível. Por isso, ele interpela a igreja como um todo, mostrando-lhe: “Não é boa a vossa jactância.” Todo o seu orgulho pelo auge de sua vida eclesial e por sua riqueza é algo maléfico e inverídico. Ou será que agora dirão em Corinto: “Um caso isolado – não será capaz de turvar o alto brilho de nossa vida eclesial”? Paulo replica: “Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?” Naquele tempo se usava muito a metáfora do fermento. Conhecemo-la do evangelho (p. ex., Mt 16.6; Mc 8.15; Lc 12.1; também Gl 5.9). A metáfora mostra de forma muito impressionante como algo bem insignificante é capaz de finalmente penetrar no conjunto todo e influenciá-lo. Ainda que esse matrimônio com a madrasta seja apenas um “caso isolado”, “um pouco de fermento”, mesmo assim partem dele influências incalculáveis sobre toda a vida eclesial. Paulo nem precisa estar insinuando que poderiam formar-se outros matrimônios assim. O perigo é muito maior. Toda a atitude básica equivocada, a liberdade mal-compreendida, a subestimação do pecado, a redução do cristianismo para mera visão de mundo, tudo isso recebia reforço quando um caso desses era tolerado na igreja.

Por isso também não bastava que a igreja concordasse com a sentença dada por Paulo e excluísse aquele homem com indignação. A primeira coisa que Paulo esperara da igreja não foi “indignação”, mas “luto”. A indignação pode denotar muito egocentrismo e superioridade. O luto autêntico é determinado pelo amor e se submete à culpa do outro. De acordo com o desejo de Paulo, o luto teria sido ao mesmo tempo um luto da igreja sobre si mesma. Como, afinal, foi possível que um caso desses acontecesse em nossa igreja? O que não está em ordem na condição geral da igreja, há muito tempo e de forma profunda? Em lugar da “jactância” teriam tido lugar um autêntico arrependimento comunitário e uma purificação. É para esse ponto que Paulo deseja conduzir a igreja agora. Também no presente caso ele procede de tal modo que a ilustração utilizada é alterada um pouco, a fim de poder expressar sua preocupação a partir dela. Com o termo fermento ele dirige o olhar dos coríntios para a festa pascal, que eles conheciam bem de seus irmãos israelitas na igreja. Com quanto cuidado se afastava todos os vestígios de coisas fermentadas no dia 14 do mês Nisã, de acordo com Êx 13.7. Pois a Páscoa é a festa dos “asmos”, dos “pães doces” (Mt 26.17; Lc 22.1). Isso agora se torna metáfora da vida cristã, do viver e agir cristãos.


Na igreja não existia “um pouco de fermento” apenas no maléfico caso de impureza. Nos capítulos subsequentes Paulo ainda evidenciará suficiente “fermento da maldade e da malícia”. Por isso ele convoca agora para uma purificação abrangente e profunda da igreja: “Varrei fora o velho fermento, para que sejais nova massa, de conformidade com os asmos que sois” [tradução do autor]. Espera-se da igreja um agir consciencioso e persistente. Paulo dificilmente pensou que a igreja pudesse, num esforço único, acabar para sempre com o “fermento” e, sem lutar, ser permanentemente uma “nova massa”. Essa hipótese é contrariada pela palavra aos gálatas em Gl 5.16s. A carne com sua “concupiscência” permanece. O “andar no Espírito” constantemente precisa impedir que essa concupiscência atinja o alvo. O “velho fermento” aparecerá repetidamente e precisa ser repetidamente “varrido fora”. No entanto, Paulo agora não diz “para que vos torneis nova massa”. Isso seria “idealismo”, que tão somente redundará em fracasso. Não, ele escreve: “para que sejais nova massa, de conformidade com os asmos que sois.” Paulo enfatiza o “ser”. O “ser” presenteado é o fundamento do “fazer” bem-sucedido; mas não torna obsoleto esse “fazer”, e sim necessário. De forma palpável verificamos aqui a natureza da ética cristã, da concretização da vida cristã. O princípio, a regra fundamental é: “Seja o que você é” ou “Torne-se integralmente o que você é.” É óbvio que isso é sumamente “ilógico”. O pensamento lógico sempre dirá: se eu sou algo, então não preciso vir a sê-lo; se devo tornar-me algo, então eu ainda não o sou. Consequentemente, também a atitude cristã de vida oscila com bastante frequência entre atividade sem fé, que tenta conquistar tudo pessoalmente, e passividade “crente”, que “tem” tudo pela fé e por isso pensa que não precisa mais agir. Paulo, porém, sintetiza os dois aspectos de forma ilógica e vivamente verdadeira.

No entanto, como é que os coríntios já possuem o “novo ser”? Como é que já são “asmos”, “nova massa”? Não podem sê-lo por si mesmos. Sua realidade de fato, afinal, é justamente tal que precisam ser exortados com muita insistência, para varrer fora o velho fermento. Somente o são “em Cristo”, a partir do sacrifício de Jesus. “Pois foi imolado também o nosso passá, Cristo” [tradução do autor]. Na noite antes da saída dos filhos de Israel do Egito a ira do santo Deus percorreu o país com o juízo e vitimou seus primogênitos. As casas dos israelitas não estavam “automaticamente” isentas do juízo. Não há acepção da pessoa diante da justiça de Deus. A morte é a punição pelo pecado, também para Israel. Agora, porém, foi possível entre os israelitas que um cordeiro sangrasse e morresse vicariamente por eles, e o sangue do cordeiro pascal na porta cobria a casa e seus habitantes diante do juízo. A igreja de Jesus não perde para Israel. Não, “foi imolado também o seu passá, Cristo”. Sim, Cristo é de fato o verdadeiro Cordeiro de Deus. Todos os cordeiros pascais imolados no passado no Egito e até hoje em Israel são apenas uma “sombra”, antecipada, do verdadeiro Cordeiro (Hb 10.1; Cl 2.17), são indício provisório do sacrifício realmente válido, do sangue realmente purificador, do feito de fato libertador na cruz. Em Cristo todos os que nele creem são “asmos”, “nova massa”, “pães doces”, apesar de todo velho fermento que ainda esteja apegado a eles.