Estudo sobre 1 Coríntios 5:3-5
1 Coríntios 5:3-5
Agora, porém, estão em jogo a igreja e sua atitude. Nesse caso há somente uma possibilidade com vistas a esse membro: a sentença de morte. Paulo expressa a inquestionável necessidade dessa sentença dizendo aos coríntios: “Eu, na verdade, já sentenciei!” Não há mais nada a investigar, nada mais a negociar. A sentença já foi proclamada.
É claro, somente “eu, na verdade, já sentenciei”. Quando a igreja fracassa completamente diante de um caso desses – Paulo não consegue mencionar seu caráter terrível mais uma vez, mas apenas refere-se a ele indiretamente – então seu apóstolo precisa agir por ela. É verdade que está “ausente de corpo” [teb], mas “presente em espírito”. Isso não significa: “Estou com vocês em pensamento”. Paulo não compreende a situação de forma tão diluída e abstrata. Para o Espírito Santo, do qual está cheio, separações geográficas não significam nada. Por intermédio do Espírito ele está presente de um modo muito real.
O conteúdo da sentença está estabelecido para Paulo: “Seja tal homem entregue a Satanás para a destruição da sua carne” [teb]. No entanto, apesar de tudo ele não pode decretar essa sentença sozinho. A igreja precisa fazê-lo junto com ele. Por isso Paulo interrompe sua frase e intercala, partindo de sua “presença em espírito”: “reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor.”
É digno de nota que nessa questão grave Paulo não se dirige aos “cargos” na igreja, mas à igreja como um todo. Hoje entregamos a disciplina eclesiástica quase que totalmente nas mãos do pastor, no que se refere aos “regulamentos de vida” da igreja. Porém a igreja em Corinto não conhecia um “pastor”. Tampouco Paulo tem intenção de reunir-se apenas com seus “anciãos”, com os “bispos” e “diáconos” que podem ter existido em Corinto como em Filipos (Fp 1.2). Pretende reunir-se com a igreja toda.134 Ela mesma precisa participar da sentença de morte sobre um de seus membros. Paulo pensa que uma verdadeira igreja tem o compromisso e a capacidade para uma ação assim.135 Uma sentença sempre é uma constatação de culpa. Paulo não investe seus esforços nisso. Na verdade, revela-se nesse matrimônio com a madrasta e na imobilidade da igreja diante do caso que efeitos o lema “para além da Escritura” (1Co 4.6) produzia na igreja. As claras proibições da lei do AT não valem nada. Porém Paulo agora não recorre à lei para demonstrar aos coríntios a impossibilidade e a pecaminosidade de um matrimônio assim. Não empreende tentativa alguma de “provar” ou analisar de uma maneira qualquer a pecaminosidade do acontecido. Diante do pecado flagrante, qualquer análise e qualquer apresentação de “provas” já debilitariam o “não” absoluto e inquestionável. Contudo, uma sentença também sempre impõe uma punição à pessoa. No ambiente humano comum é o poder estatal que cuida da execução desse castigo. Quem, porém, há de executar o castigo naquele culpado em Corinto? Isso está explícito na própria sentença: Satanás deverá fazê-lo. Ele possui “o poder da morte” (Hb 2.14); ele pode destruir a “carne”, toda a existência terrena do ser humano. Contudo, somente poderá fazê-lo quando esse homem for expulso da igreja de Jesus e entregue a ele.136 Um membro salvo da igreja de Jesus é intocável para Satanás (quando não se entregou pessoalmente ao poder das trevas pela feitiçaria). Agora, porém, acontece uma ação eficaz, que separa o culpado da igreja e o entrega a Satanás. Essa ação somente pode acontecer “no nome do Senhor Jesus”, com a permissão de Jesus, sim, pelo poder conferido pelo próprio Jesus. Por essa razão é preciso que, para o julgamento a que Paulo convoca a igreja, os coríntios e seu próprio espírito estejam reunidos, “com o poder de Jesus, nosso Senhor”.
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Paulo esperava que após a leitura pública da carta os coríntios avançassem para essa ação mediante invocação do nome de Jesus. Paulo estará então “presente em espírito” e congregado com eles. E Paulo tem certeza de que o próprio Jesus está presente com seu poder eficaz justamente também num julgamento tão sério na igreja. Por isso essa sentença não permanece sendo uma “palavra” que o envolvido pudesse descartar com superioridade. Também nesse caso o “reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder” (1Co 4.20). Esse julgamento acontece. A destruição atacará subitamente ou destruirá paulatinamente esse membro da igreja.
Até mesmo, porém, nessa grave seriedade da ação judicial o olhar de Paulo permanece sendo positivo. Satanás obtém poder apenas “para a destruição da carne”. Pois esse homem é “cristão”. Fez algo terrível, mas de sua parte não se desligou de Jesus. A morte sacrifical de Jesus permanece válida para ele. Por um lado, um pecado tão flagrante, que causou enorme dano para o evangelho entre judeus e gentios e trouxe vergonha ao nome do Senhor, precisa obter um castigo claro. Por outro lado, justamente quando esse castigo for suportado – e ser entregue a Satanás para a destruição da carne é terrível – “o espírito” pode ser “salvo no dia do Senhor”. A salvação aceita uma vez na fé é tão firme e eficaz para Paulo que ele não insere nenhum “talvez”, mas fala com grande convicção dessa redenção. Tão forte é a “certeza da salvação” quando olhamos para Jesus e sua obra consumada.
Assim se concretiza na prática o que Paulo entende por “anátema”, por “banimento” (Gl 1.5-9). Nesse caso não se trata em primeiro lugar da “punição” de pecadores, mas de manter a igreja pura. Nisso o presente trecho constitui um paralelo para At 5.1-11, com a diferença de que lá o juízo de Deus se concretiza diretamente na palavra do apóstolo, porque o verdadeiro pecado intolerável de Ananias e Safira acontece justamente em sua mentira diante de Pedro. Em ambos os casos, porém, acontece o sumamente grave “ligar” de que Jesus falou em Mt 16.19; 18.18; Jo 20.23, que nós, de tanto “desligar”, já não conhecemos.137 Durante longo tempo a igreja obviamente tentou e acreditou fazer algo igual por meio da “excomunhão”. Contudo, há três aspectos no banimento eclesiástico que são diferentes da linha fundamental da ação de Paulo e que descaracterizam o que Paulo está nos apresentando.
1 A excomunhão da igreja dirigia-se basicamente contra os “hereges”, ou seja, aos que pensavam e ensinavam de modo diferente da igreja magna.
2 A igreja que alcançou poderio político não confiava mais na autoridade de sua palavra, mas conseguia a “destruição” do banido por meio de medidas estatais.
3 A “entrega a Satanás” pela igreja não tinha mais como base a vontade salvadora, convicta da redenção, que precisa castigar o pecado e purificar a igreja de graves máculas, mas que tem certeza da salvação para o irmão culpado no dia do Senhor.
Uma ação como a de Paulo nessa situação não pode ser exercida por “instâncias”, nem mesmo por instâncias eclesiásticas, mas somente por “pessoas espirituais” que sabem o que fazem, e que se atêm aos parâmetros de uma autoridade puramente espiritual, mas que também possuem essa autoridade de fato e com eficácia.138
Notas:
134 Outra vez fica claro que numericamente a igreja não deve ter sido muito grande.
135 Pelo fato de que entre nós a disciplina eclesiástica se tornou assunto do pastor, na maioria dos casos ela também não traz nada além de irritação contra o pastor, injusto e inflexível. O membro faltoso da igreja já não se considera “membro” diante de uma igreja de orientações claras.
136 Consta aqui a mesma palavra “entregar, passar aos algozes” que também encontramos para o ato de Judas, para a ação de Deus em seu Filho e no relato da santa ceia (Mt 26.15; 26.21; Rm 8.32; 1Co 11.23). Judas não “delatou” o esconderijo secreto de Jesus, mas encaminhou Jesus às mãos de seus inimigos e o “entregou”. Acima disso, porém, paira aquele entregar, o “soltar” do Pai, que “deixa” o amado Filho obediente “à mercê” de todos os poderes da destruição.
137 Isso tem a ver com a perda da verdadeira “palavra da cruz” entre nós. Por um lado estamos rapidamente prontos para a indignação moral, mas por outro somente falamos de graça e “desligamos” por meio de nossas confissões genéricas sem qualquer verificação posterior.
138 Por isso a “disciplina eclesial” genuína hoje não é mais possível na maioria das igrejas. Todos os esforços sérios de avivá-la de uma ou outra maneira fracassarão. Martinho Lutero previu corretamente que a disciplina eclesial no sentido do NT somente poderia ser praticada no âmbito daqueles que “sinceramente desejam ser cristãos” (Prefácio à “Missa Alemã”).