Estudo sobre Atos 7:54-57

Estudo sobre Atos 7:54-57

Uma palavra sucinta de Pedro em At 5.33 já havia “serrado” os corações do Sinédrio e suscitado o desejo de matar. O discurso de Estêvão, porém, representa um ataque bem diferente, e de antemão a situação está bem mais carregada de ressentimentos. Por isso, não nos podemos surpreender com as repercussões desse discurso, e Estêvão não deve ter esperado outra coisa. “Ouvindo eles isto, cortou-se-lhes o coração, e rilhavam os dentes contra ele.” Ainda se contêm, primeiro é preciso decretar a sentença. Mas a irritação interior os leva a ranger os dentes. Comentaristas críticos sentiram falta de alguém como Gamaliel se levantando novamente e aconselhando a esperar.177 Contudo, a sessão do Sinédrio não chega ao fim, porque a exclamação seguinte de Estêvão faz eclodir o tumulto. Em segundo lugar, a situação toda e a colocação da acusação são completamente diferentes do que no capítulo 5. E, em terceiro lugar, o grupo fariseu também foi atingido pelo discurso de Estêvão de maneira bem diferente do que pela palavra e pelo testemunho de Pedro. “Não cumpristes a lei”, essa asserção retirava o chão em que se apoiava a existência dos fariseus. Alguém como Gamaliel podia ouvir com ponderação que Jesus ressuscitou e curou esse homem coxo, que Jesus é o Messias. “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo” – isso representava também para ele uma afronta desmedida e insuportável para Israel e seus fiéis. Agora a continência de alguém como Gamaliel chegou ao fim!


No entanto, nem sequer acontece uma deliberação e votação. Nesse instante é concedida a Estêvão, por meio do Espírito Santo, a visão do mundo de Deus. Ele vê “a glória de Deus e Jesus, parado à direita de Deus”. Tinha consciência de sua situação e da morte certa. Agora ele é arrebatado interiormente de tudo e confrontado com aquela realidade que ele aceitara e testemunhara com fé. A “glória” de Deus sempre é também o resplendor luminoso de Deus. Como ela resplandece maravilhosamente para Estêvão nas trevas da incompreensão e do ódio que o cercavam! Ele vê Jesus, que conforme o Sl 110.1 está sentado à direita de Deus, e espera (Hb 10.12s), “parado à direita de Deus”. Será que Jesus se levantou para saudar a primeira testemunha de sangue? Será que ele demonstra precisamente agora no início da primeira perseguição de sua igreja que ele não observa passivamente, mas que está agindo, já preparando-se para sua parusia? Isso são apenas suposições. Estêvão o vê dessa maneira, e Lucas não nos informa mais nada. Contudo, ele declara o que vê, esquecendo-se de sua situação e de seus inimigos:

“Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem, em pé à destra de Deus.” Foi isso que o próprio Jesus178 declarou perante o mesmo Sinédrio: “Entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso” (Mt 26.64). Naquela ocasião o sumo sacerdote rasgou sua veste, e o Sinédrio proferiu a sentença de morte. Agora a irritação explode com ímpeto ainda maior:

“Eles, porém, clamando em alta voz, taparam os ouvidos e, unânimes, arremeteram contra ele.” Não há mais sentença, nem a ponderação de que para uma execução era necessário o consentimento do procurador romano. A declaração de que um ser humano está à direita de Deus era uma insuportável violação da majestade e singularidade de Deus para qualquer ouvido judaico. E, ademais, esse ser humano deveria ser a pessoa que fora pendurada no madeiro maldito pelos líderes influentes de Israel? Essa blasfêmia era tão terrível para eles que taparam os ouvidos e gritaram em voz alta, em parte por pavor, em parte para encobrir as palavras de Estêvão. Quando arrastaram Estêvão para fora da cidade, não precisaram se lembrar expressamente da determinação legal de Lv 24.14; Nm 15.36; Dt 17.5. Aconteceu de forma bem natural. Obviamente o primeiro mártir cumpriu o que foi declarado em Hb 13.12s. O apedrejamento como tal não aconteceu de acordo com a regra que conhecemos da Mishná, a tradição judaica.179 Simplesmente se lançaram as pedras sobre Estêvão no campo aberto. Apenas se cumpriu a determinação de Dt 17.7: as testemunhas contra Estêvão jogaram as primeiras pedras.

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Notas:
177 A explicação que Haenchen consegue encontrar é: Lucas possuía a oportuna capacidade de esquecer pessoas no momento em que o teriam incomodado como escritor (op. cit., p. 226).

178 Provavelmente seja essa a razão por que encontramos na palavra de Estêvão o único caso no NT em que outra pessoa além do próprio Jesus faz uso do título “Filho do Homem” para Jesus.

179 De acordo com ela o condenado era precipitado de uma altura. Quando isso não provocava sua morte, lançava-se do alto uma pedra pesada sobre seu peito, que quebrava as costelas, ferindo o coração e os pulmões.