Sinal de Jonas — Enciclopédia Bíblica Online

O Sinal de Jonas

Diante da exigência de uma credencial que respaldasse o caráter provocativo de seus feitos e de suas reivindicações, Jesus — em mais de uma ocasião, segundo a tradição sinótica — restringiu a resposta a um único marcador: o “sinal de Jonas”. O que exatamente está em vista quando ele formula essa resposta? Seu ministério presente? Sua proclamação? Sua morte e ressurreição? Sua vinda futura? E, ao nível histórico, é plausível sustentar que Jesus de fato pronunciou essa sentença? Mateus e Lucas, que ambos registram a expressão “sinal de Jonas”, concordam quanto à fórmula, mas divergem na interpretação do seu alcance.

I. Os dados escriturísticos

Os críticos de Jesus vinham solicitar “um sinal” (Mateus 12:38) ou “um sinal do céu” (Marcos 8:11; Mateus 16:1; Lucas 11:16). Pedidos dessa natureza aparecem ainda em outros cenários (Lucas 23:8; cf. 9:7-9; João 2:18; 6:30) e com formulações diversas dentro dos Sinóticos (Marcos 11:28; Mateus 21:12; Lucas 20:2).

Marcos transmite uma forma da resposta de Jesus que é taxativa: “De modo algum será dado sinal a esta geração” (Marcos 8:12). O paralelo mateano, contudo, acrescenta uma ressalva decisiva: “senão o sinal de Jonas” (Mateus 16:4). O próprio Mateus já havia introduzido a expressão “sinal de Jonas”, também como contrapartida a uma demanda por sinal, em uma perícope partilhada com Lucas, ausente em Marcos (isto é, Q; Mateus 12:39; Lucas 11:29). É possível que Marcos tenha omitido a referência a Jonas por entender os milagres como demonstração suficiente (Perrin 1967) ou como crítica ao pressuposto de que qualquer espécie de prova facilitaria a fé no crucificado.

Em Mateus 16:4, o evangelista retoma a forma de Q (12:39) ao se deparar com Marcos 8:11 em suas fontes, lendo ali um segundo pedido de sinal. Importa notar ainda que, entre os Sinóticos, apenas Mateus qualifica Jonas explicitamente como “o profeta” (12:39).

Mateus e Lucas também convergem — aparentemente por derivarem de Q como fonte comum — ao justapor ao dito sobre o “sinal de Jonas” (Mateus 12:39; Lucas 11:29) duas afirmações correlatas de Jesus: “algo maior do que Salomão” e “algo maior do que Jonas” (Mateus 12:41-42; Lucas 11:31-32).

Em síntese: Marcos conhece apenas o pedido por um sinal e a negativa absoluta de Jesus; Mateus oferece duas ocorrências do “sinal de Jonas” (sendo que em uma delas Jonas é chamado “profeta”); Lucas registra uma ocorrência. E, tanto em Mateus quanto em Lucas, as declarações sobre Salomão e Jonas seguem imediatamente a primeira menção do “sinal de Jonas”.

II. O significado de “sinal”

O dito sobre o “sinal de Jonas” é a resposta de Jesus ao pedido de que apresente “um sinal” (sēmeion, “sinal”) — em certas passagens, explicitado como “sinal do céu”. Ao qualificar-se “do céu”, fica claro que os interlocutores desejam uma autenticação inequívoca de que a missão de Jesus goza, de fato, do aval de Deus, algo que o próprio Jesus afirma, implícita ou explicitamente.

O trabalho público de Jesus suscitou adesão e oposição (cf. “sinal que será contraditado”, Lucas 2:34). Inclusive — e talvez sobretudo — os milagres eram passíveis de leituras antagônicas. Seriam atos realizados no poder de Deus, como convém a um profeta? Ou evidências de conluio com Satanás? Por isso, quando alguns pediam um sinal (sempre no singular), não estavam rogando “mais um milagre”, mas um selo irrefutável de que ele agia sob aprovação divina.

Importa também a nuance lexical: nos Sinóticos, diferentemente do quarto Evangelho, “sinal” não é o termo ordinário para “milagre”. Há vocabulário próprio para feitos portentosos — por exemplo, dynameis (“atos poderosos”) —, embora “sinais” apareça em combinação com “prodígios” (terata), aí sim com o sentido de “milagres” (Marcos 13:22; Mateus 24:24). Em Atos, “sinal” ou “sinais” surge tanto isoladamente (4:16, 22; 8:6) quanto junto de “atos poderosos” (8:13) e de “prodígios” (2:43 e mais oito ocorrências), igualmente para designar intervenções milagrosas.

No interior dos Sinóticos, “sinal” sozinho costuma apontar para um indício singular e inconfundível: a manjedoura servindo de berço (Lucas 2:12), o beijo de Judas (Mateus 26:48) ou presságios celestes que anunciam a proximidade do fim (Marcos 13:4; Mateus 24:3; Lucas 21:7; cf. Lucas 21:11, 25). Mateus, ademais, fala do clímax no “sinal do Filho do Homem” (Mateus 24:30), enquanto Marcos e Lucas mencionam apenas a vinda do Filho do Homem sem qualificá-la como “sinal” (Marcos 13:26; Lucas 21:27).

III. As interpretações dos evangelistas

As sentenças que Mateus e Lucas inserem entre o “sinal de Jonas” e os ditos sobre Salomão e Jonas funcionam como chaves hermenêuticas próprias de cada autor.

Para Mateus, o “sinal de Jonas” se cumpre na ressurreição de Jesus (12:40): “Assim como Jonas esteve no ventre do monstro marinho três dias e três noites, assim o Filho do Homem estará no coração da terra três dias e três noites.” O emprego de “depois de três dias” em 27:63 (cf. “ao terceiro dia” em 16:21; 17:23; 20:19 e paralelos) retoma a matriz joniana e atesta que Mateus lê a ressurreição como a materialização do sinal.

Lucas 11:30, por sua vez — ao contrário de Mateus 12:40 — não direciona explicitamente à ressurreição. E aqui se abre a disputa interpretativa:

(1) Há quem acentue o futuro do verbo “será dado” (dothēsetai, Lucas 11:29) para entender o “sinal de Jonas” como a vinda futura de Jesus como Juiz. Do mesmo modo que Jonas veio de longe como arauto de juízo para Nínive, o Filho do Homem virá do céu para julgar “esta geração” (Bultmann 1963; Perrin 1967).

(2) Outros veem a analogia assim: como Jonas pregou arrependimento a Nínive antes do juízo, Jesus conclama sua geração ao arrependimento antes do desfecho judicial. O sinal seria o próprio Jesus na qualidade de pregador do juízo (Kümmel 1957, Rengstorf 1978) ou a própria pregação de Jesus (Tödt 1965, Lindars 1983). Os ninivitas responderam adequadamente ao querigma de Jonas, mas agora “algo maior” — a sabedoria e a proclamação do próprio Jesus — está presente.

Imagem de Jonas sentado em uma colina olhando a cidade de Nínive.

(3) É possível ainda que a referência lucana a “esta geração” abarque não só os contemporâneos de Jesus, mas também os leitores de Lucas tão tarde quanto a década de 80 do primeiro século. Nesse quadro, Lucas sublinha o presente e afirma que Jesus foi — e continua sendo — o grande pregador do arrependimento (Kloppenborg 1987). Sua obra prossegue na pregação da comunidade. Como Jonas, Jesus foi vindicado ao ser elevado à nova vida, e tanto ele quanto a palavra a seu respeito seguem sendo vindicados (Edwards 1976).

(4) Embora Lucas não torne a ressurreição tão explícita quanto Mateus, ela talvez não esteja ausente. A parábola do rico e Lázaro (Lucas 16:19-31) termina com um diálogo entre o rico e Abraão sobre os possíveis efeitos de alguém ressurgir dentre os mortos sobre os irmãos do rico — um eco lucano de compreensão da ressurreição como “sinal”. E Atos encerra com a grande tempestade e o naufrágio de Paulo (Atos 27–28), episódio que, além de remeter literariamente a Jonas, integra a seção muitas vezes descrita como a “paixão e ressurreição de Paulo”. Curiosamente, a parábola parece negar eficácia persuasiva à ressurreição como sinal, enquanto a narrativa marítima sugere que ela pode, sim, operar como tal.

IV. No ministério de Jesus

É frequentemente defendido que, em sua formulação original (no ministério de Jesus), o dito não estivesse atrelado à ressurreição. Os argumentos habituais são: (1) Jesus não poderia ter sabido que ressuscitaria após três dias no sepulcro (cf. as Predições da Paixão e da Ressurreição); (2) mesmo que o tivesse declarado, seu auditório não teria como atribuir sentido à afirmação; (3) a fonte Q, tida como origem do dito para Mateus e Lucas, não menciona a ressurreição de Jesus.

Essas teses, contudo, são contestadas por diversos estudiosos. Não há consenso seguro sobre o caminho que leva dos textos ao Jesus histórico (cf. Historical Jesus). Ainda assim, alguns sustentam que o próprio Jesus — e não apenas a redação mateana — vinculou o “sinal de Jonas” à sua morte e subsequente ressurreição.

Joachim Jeremias conclui que o sinal de Jonas, tanto no ministério de Jesus quanto no Evangelho de Lucas, remete primariamente à libertação milagrosa de Jonas do ventre do grande peixe, e não à sua pregação. Nessa leitura, Lucas apresenta Jesus declarando que seria exibido à sua geração do mesmo modo como Jonas foi outrora exibido — como alguém arrancado da morte. Assim, Jonas e Jesus seriam mensageiros divinos, autenticados por uma intervenção salvadora que os livra da morte.

Tradições judaicas antigas reforçam a possibilidade de que Jesus e seus contemporâneos entendessem um resgate dramático da morte como “sinal de Jonas”. Em 3 Macabeus 6:7, o sacerdote piedoso Eleazar invoca um livramento análogo ao que Deus concedeu a Daniel e a Jonas: Daniel, lançado como pasto aos leões nas profundezas, é trazido ileso de volta à luz; Jonas, arrancado do ventre do monstro do abismo, é restituído incólume à sua família. Outra tradição identifica Jonas com o filho da viúva de Sarepta, a quem Elias teria ressuscitado (The Lives of the Prophets 10:1-6; cf. Jeremias para referências adicionais). Josefo reconta a narrativa de Jonas (Ant. 9.208-14) com ênfase não na pregação de arrependimento, mas no lançamento do profeta ao mar, no seu ser engolido por um grande peixe e no subsequente livramento à praia.

Perrin (1967), por sua vez, representa muitos intérpretes que veem, no dito de Jesus, não um apontamento à sua ressurreição, mas à sua proclamação: sua missão e sua mensagem seriam vindicadas e frutificariam no futuro de modos que ultrapassam de muito a imaginação de sua geração.

Bibliografia

BULTMANN, Rudolf. The History of the Synoptic Tradition. Oxford: Blackwell, 1963.
EDWARDS, R. A. The Sign of Jonah in the Theology of the Evangelists and Q. London: SCM, 1971.
EDWARDS, R. A. A Theology of Q. Philadelphia: Fortress, 1976.
FITZMYER, J. A. The Gospel according to Luke X-XXXIV. Garden City, NY: Doubleday, 1985. (Anchor Bible).
JEREMIAS, J. Ἰωνᾶς. In: KITTEL, Gerhard (ed.). Theological Dictionary of the New Testament. [S.l.: s.n.], [s.d.]. v. 3, pp. 406–410.
KLOPPENBORG, J. S. The Formation of Q. Philadelphia: Fortress, 1987.
KÜMMEL, W. G. Promise and Fulfillment. London: SCM, 1957.
LINDARS, B. Jesus Son of Man. Grand Rapids: Eerdmans, 1983.
PERRIN, N. Rediscovering the Teaching of Jesus. New York: Harper & Row, 1967.
RENGSTORF, K. H. σημεῖον. In: KITTEL, Gerhard (ed.). Theological Dictionary of the New Testament. [S.l.: s.n.], 1978. v. 7, pp. 229–259.
TÖDT, H. E. The Son of Man in the Synoptic Tradition. Philadelphia: Westminster, 1965.

LINKS ÚTEIS