Estudo sobre Lucas 23

Estudo sobre Lucas 23



O primeiro julgamento diante de Pilatos (23.1-7)

Visto que eles mesmos não têm poder para decretar a pena capital, o Sinédrio encaminha o acusado à corte de Pôncio Pilatos, o procurador, representante máximo do poder de Roma na Judéia. Eles sabem que a blasfêmia não vai ser considerada pelos poderes de ocupação razão suficiente para a pena de morte; assim, três acusações forjadas são formuladas: (1) subversão do povo por causar deslealdade e rebelião, (2) proibição ao povo de pagar impostos a César, e (3) a reivindicação de ele mesmo ser rei. Fica claro que Pilatos não está impressionado, mas relutante em provocar a ira dos judeus pela absolvição de Jesus. Uma saída muito conveniente parece se apresentar quando Pilatos descobre que Jesus é galileu e, por isso, sujeito à jurisdição de Herodes, que por acaso está em Jerusalém (v. artigo O pano de fundo histórico e político, p. 1.039).

O julgamento diante de Herodes (23.8-12)

A personalidade do nosso Senhor parece ter exercido um fascínio curioso sobre Herodes Antipas (v. comentário de 13.31-33); agora, ele ficou muito alegre, porque havia muito tempo queria vê-lo. Pelo que ouvira falar dele, esperava vê-lo realizar algum milagre. Mas fica imediatamente claro que Jesus não tem intenção alguma de satisfazer sua curiosidade, e o “julgamento” degenera em mera grosseria. O prisioneiro é devolvido a Pilatos, e o único resultado positivo do incidente é a reconciliação entre Pilatos e Herodes (cf. At 4.27).

O segundo julgamento diante de Pilatos (23.13-25)

A decisão final agora está somente com Pilatos, e até no breve relato de Lucas se pode perceber o caráter fraco e instável que João no seu relato mais extenso retrata de forma tão clara. Helmut Gollwitzer (p. 46,49) diz: ”Pilatos tem poder, mas não tem liberdade [...] Pilatos representa aquelas pessoas que gostariam de agir corretamente, mas não decidem fazer isso”.

No seu desejo de fugir de suas responsabilidades, Pilatos se agarra em duas coisas frágeis. Primeiro, ele sugere aos judeus que Jesus não merece a pena de morte, mas uns açoites poderiam ensiná-lo a não subverter o povo. Isso não satisfaz os perseguidores; assim, Pilatos dá a sua segunda sugestão. Um costume anual permite a anistia de um prisioneiro. Que Jesus seja o liberto. Não, dizem os líderes judeus, Solta-nos Barrabás! — um homem que está preso e condenado à pena de morte por atos exatamente iguais aos atos dos quais Jesus está sendo acusado.

Pilatos se rende: e a gritaria prevaleceu (v. 23); e entregou Jesus à vontade deles (v. 25).

O caminho para o Calvário (23.26-32)

De acordo com o costume romano, a execução é realizada sem demora. Marcos (15.15) nos conta que Jesus foi açoitado primeiro, um tratamento terrivelmente brutal quando infligido pelos romanos. Isso, junto com tudo que ele suportou desde que deixou o “salão de hóspedes”, o enfraqueceu a tal ponto que os seus guardas, temendo que o seu colapso prematuro privasse o patíbulo de sua vítima e a eles da sua diversão, forçam Simão de Cirene (ou ele era de Cirene e estava de visita na cidade talvez para a festa, ou era membro da sinagoga dos cireneus em Jerusalém) a aliviá-lo do grande peso da viga transversal da cruz que está sendo pesada demais para ele.

Lucas 23:27-31. Um incidente registrado somente por Lucas. Um grupo de mulheres simpatizantes o segue com o choro das carpideiras fúnebres. Ele lhes diz que logo elas vão precisar de conforto, pois a destruição de Jerusalém está à porta (cf. 13.34,35; 19.41-44 etc.), 

Lucas 23:29. Que calamidades terríveis o nosso Senhor descreve, que as mulheres judaicas deveriam considerar a esterilidade uma bênção! 

Lucas 23:30. Citado de Os 10.8. 

Lucas 23:31. Um provérbio: não é comum que a madeira verde queime, nem que homens inocentes sejam executados. Mas, se essas coisas acontecem de fato agora, quanto pior será o destino da madeira seca e dos homens ímpios!

A crucificação (23.33-49)

Na companhia de dois criminosos condenados, Jesus é levado a um lugar chamado Caveira, e ali os três são crucificados, com Jesus na cruz do centro. Ele ora por seus assassinos, e essa oração curiosamente evoca reações diferentes nos seus ouvintes. Os soldados do pelotão de execução estão ocupados demais com a sorte que estão lançando sobre as roupas dele e, assim, não percebem o que está acontecendo. As autoridades zombam de um fim tão vergonhoso de alguém que se dizia rei. Os soldados, como papagaios, repetem as zombarias das autoridades. Uma placa escarnecendo das afirmações dele é pregada na cruz acima da cabeça dele. Um dos criminosos pendurados ao lado dele expressa toda a sua amargura contra aquele que afirma ser o Messias. Uma pessoa, uma única, parece enxergar um pouco adiante, o outro criminoso, que pede e recebe perdão e paz do moribundo Senhor Jesus. Então, entregando o seu espírito ao Pai, Jesus morre, e a forma em que ele morre abre os olhos de muitas pessoas. O centurião responsável pela execução exclama: “Certamente este homem era justo O povo sai dali batendo no peito.

Em todos os quatro evangelhos, duas coisas impressionam mais do que todas as outras no relato da crucificação propriamente dita. Em primeiro lugar, está o comedimento surpreendente com que o crime mais brutal e covarde da história é descrito. Para citar apenas um exemplo, nenhum deles conta dos pregos que perfuraram suas mãos e pés; sabemos deles somente porque suas feridas são mencionadas (cf. Jo 20.25).

O horror completo da cena aparece mais claramente porque não há tentativa alguma de exacerbar os sentimentos, nenhuma insistência detalhada nos sofrimentos físicos. Em segundo lugar, há a impressão inequívoca de que ao longo de todas as cenas terríveis na verdade é ele que controla o curso dos eventos.

“O retrato que Lucas nos apresenta da crucificação de Jesus”, diz Creed (p. 284), “está baseada em Marcos, mas o seu tratamento, que é bastante característico, dá um tom diferente à cena. O amor de Jesus pelo pecador, tão forte na morte quanto na vida, e a sua confiança inabalável no cuidado providencial do Pai aliviam a tristeza não abrandada da narrativa de Marcos”. E certo que o retrato que Lucas faz é tingido com as três “palavras da cruz” que somente ele registra. A oração geral por perdão em favor de seus perseguidores, junto com a garantia pessoal do perdão ao malfeitor arrependido, revela de forma especialmente clara que aquele que é Deus é também Homem perfeito, que ainda mostra nas horas da amarga agonia a mesma compaixão e o cuidado amoroso como nos dias da sua atividade no ministério. E a última palavra que Lucas registra como saindo da boca dele é a culminação da sua vida de constante comunhão com o Pai em oração, que tantas vezes é destacada no terceiro evangelho: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. ”Ele diz: Pai!”, constata Gollwitzer (p. 81). ”Essa palavra ‘Pai’, pronunciada pelo seu Filho na extrema tortura e agonia da morte, expressa mais do que qualquer outra palavra poderia transmitir do consentimento voluntário, da união interior e sincera da sua vontade com a vontade daquele que permite que ele seja morto”.

Lucas 23:33. Caveira: Chamado assim em virtude da forma do terreno. Mateus, Marcos e João trazem a forma aramaica Gólgota, mas Lucas se contenta com o equivalente gr. Nesse versículo, a ARA, seguindo a Vulgata latina, traduz por “Calvário”, uma de duas ocorrências dessa forma latina nas Bíblias em português (cf. Jo 19.17). 

Lucas 23:34. A oração por seus inimigos é omitida em alguns manuscritos (cf. nr. da NVI), mas a evidência textual para mantê-la no texto é muito forte. Acerca da oração em si, v. comentário de Lc 6.20,35 etc. Então eles dividiram as roupas dele, tirando sortes. Cf. SI 22.18. 

Lucas 23:35. e as autoridades o ridicularizavam-. Mt 27.46 e Mc 14,34 citam também Sl 22.1 como um dito de Jesus na cruz. 

Lucas 23:36. Oferecendo-lhe vinagre. Cf. SI 69.21. 

Lucas 23:38. As versões tradicionais em português (ARA, ARC) trazem uma nota segundo a qual a inscrição estava em hebraico, grego e latim (cf. Jo 19.20), omitida com base em evidências textuais na NVI. 

Lucas 23:43. paraíso. Uma palavra de origem persa significando um parque ou jardim fechado; usada na LXX para o jardim do Éden. Observe como a oração por misericórdia quando entrares no teu Reino é respondida com a certeza de bênção hoje. 

Lucas 23:45. o véu do santuário rasgou-se ao meio. Esse era o véu que separava o Lugar Santo do Lugar Santíssimo. Mantinha o homem pecaminoso a certa distância da presença do Deus da glória, pois só o sumo sacerdote, no Dia da Expiação e levando o sangue do sacrifício, podia entrar (Lv 16; Hb 9.7; 10.19, 20). Agora que o sacrifício perfeito foi morto, a barreira foi removida; Deus se revelou completamente ao homem, e o homem tem acesso livre a Deus. 

Lucas 23:46. nas tuas mãos.... Citado de SI 31.5. 

Lucas 23:47. “Certamente esse homem era justo”. Lucas interpreta corretamente a intenção da exclamação do centurião em Mt 15.39: “Realmente este homem era o Filho de Deus!”. Marcos discerne nessa exclamação um significado mais profundo, confirmando sua própria ênfase (Mc 1.1). v. 48. bater no peito-, Como sinal de profunda aflição (cf. 18.13).

O sepultamento (23.50-56) 

José de Arimatéia “era discípulo de Jesus, mas o era secretamente, porque tinha medo dos judeus” (Jo 19.38). Agora, ele se manifesta abertamente e pede a permissão de Pilatos para sepultar o corpo de Jesus em seu próprio túmulo, recém-cavado na rocha. Com isso, ele não somente cumpre os requisitos de Dt 21.22,23, mas também se desassocia do ato do Sinédrio ao qual pertencia. O pedido é atendido, e as mulheres se informam do local do sepulcro, para que assim possam voltar mais tarde para embalsamar o precioso corpo.