Interpretação de Ezequiel 28

Ezequiel 28 contém duas profecias distintas, uma dirigida ao rei de Tiro e a outra enfocando o reino espiritual por trás da arrogância do rei.

A primeira parte do capítulo aborda o rei de Tiro. Ele usa a metáfora de um governante orgulhoso para transmitir uma mensagem sobre a arrogância do rei e as consequências de sua arrogância. O rei é descrito como se considerando sábio e atribuindo a si mesmo a divindade. Contudo, Deus declara que sua sabedoria e beleza não o salvarão do julgamento que está por vir. O capítulo descreve sua queda, com outras nações atacando-o e sua eventual destruição.

A segunda parte do capítulo muda para abordar o poder espiritual por trás do rei de Tiro. Ele usa linguagem e imagens frequentemente associadas a Satanás para descrever um querubim ungido que estava no Éden e se tornou corrupto devido ao seu orgulho. Esta passagem foi interpretada como uma referência simbólica à queda de Lúcifer, o arcanjo que se rebelou contra Deus e se tornou Satanás.

Ezequiel 28 serve tanto como uma mensagem de julgamento contra o rei de Tiro quanto como uma reflexão mais ampla sobre a natureza do orgulho e suas consequências. Enfatiza o princípio de que a arrogância e a autoglorificação são inaceitáveis diante de Deus e levarão à queda. O capítulo também oferece um vislumbre do reino espiritual e das origens do mal, apresentando o contexto espiritual mais amplo dentro do qual ocorrem as ações e decisões humanas.

Interpretação

A Queda do Príncipe de Tiro. 28:1-19.

Da cidade o profeta passa para o seu governador, como representante do caráter da comunidade, a personificação do espírito da orgulhosa cidade comercial. Rei e povo constituem uma corporação solidária, cujo orgulho e auto-deificação estão condenadas. Outros exemplos da “insanidade da prosperidade” são Senaqueribe (II Reis 17:33-35); Faraó (Ez. 29:3); Nabucodonosor (Dn. 3:15; 4:30; observe particularmente o autoteísmo da Babilônia, Is. 47:7-10); Herodes (Atos 12:21-23); “o homem do pecado” (II Ts. 2:3, 4) e os conquistadores que confiam em suas armas (Hc. 1:11, 16); e todos aqueles que hoje em dia adoram “a deusa da prosperidade”.

O profeta descreve o castigo do orgulhoso príncipe (Ez. 28:1-10); e profere uma lamentação irônica sobre a sua queda (28:11-19).

O Castigo do Príncipe de Tiro por Causa de Sua Auto-Exaltação 28:1-10.
28:2.
Príncipe de Tiro é chamado de nagîd, “líder”, um termo usado apenas para com os governantes israelitas, exceto aqui e em Dn. 9:25,26. Seu aparecimento aqui sugere que ele tinha essa posição apenas por designação divina. Ele é chamado “rei”, melek, no versículo 12, exemplificando o conceito do Crescente Fértil de que o governante era o representante dos deuses, e mais do que humano. Ittobaal II era rei de Tiro nessa ocasião (Josefo, Against Apion 1. 21), mas foi o autoteísmo de Tiro, mais que qualquer governante específico, que foi acusado. Cadeira de Deus. Antes dos deuses (RSV). Talvez se refira 1) a um trono vazio no templo tiro reservado para o rei, ou 2) a uma situação invencível de Tiro, ou 3) à ilha como lugar consagrado aos seus deuses.

28:3. Mais sábio que Daniel. Talvez seja o Daniel das tabuinhas de Ras Shamra (cons. coment. sobre 14:14, 20); ou o Daniel da Bíblia (Dn. 1:17-20; 2:48; 4:8, 9).

28:4, 5. Esta sabedoria foi dedicada para aquisição de uma grande fortuna.

28:7. Os mais terríveis estrangeiros dentre as nações; isto é, os caldeus. Veja também 7:21, 24; 30:11; 31:12; 32:12; Hc. 1:5-10. 8. À cova (shahat). Equivalente ao Sheol, o reino dos mortos debaixo da terra (cons. 31:15). Da raiz shûah, “afogar”; da mesma forma, “lugar vazio”, “caverna”.

28:10. A morte dos incircuncisos. Para os fenícios, que praticavam a circuncisão (Heródoto II. 104), morrer como um incircunciso desprezado era grande vergonha (cons. Ez. 31:18; 32:19, 21, 24 e segs.).

Lamentação sobre a Queda do Rei de Tiro. 28:11-19.
Ezequiel aplica ao rei de Tiro uma fábula conhecida entre os fenícios. Ela só tem semelhanças superficiais com a narrativa do Jardim do Éden em Gênesis 2 e 3. No Jardim de Deus, no Éden, vivia com o querubim que o guardava, uma pessoa 1deal ( o Urmensch, ou primeiro homem), a perfeição em sabedoria e beleza. Embora fosse apenas um homem, ele em seu orgulho proclamou-se deus. Pelo seu pecado foi expulso do jardim pelo querubim. De acordo com a palavra de Deus a Ezequiel, o rei de Tiro, seria arruinado por causa de uma ofensa semelhante. Alguns Pais da Igreja Primitiva interpretaram esta parte como se referindo principalmente à queda de Satanás, ou o Anticristo (cons. Is. 14:4-20). Este ponto de vista continua mantido por alguns grupos evangélicos hoje em dia.

28:12. Lamentações. A lamentação de Ezequiel sobre o rei de Tiro, embora fosse em métrica qinâ, é mais uma ironia que uma lamentação. Tu és o sinete da perfeição. O T.M, diz: Tu és (ou eras) aquele que sela, ou aferidor (hôtem) de proporções, medidas, simetria, isto é, “perfeição” (toknît). No V. T. este uso não se encontra em nenhum outro lugar e as versões variam consideravelmente. Um manuscrito, a LXX, a Siríaca e a Vulgata dão: Tu és (ou eras) o anel do sinete (selo) (hôtam) da proporção, etc., como no T.M. A Siríaca e a Vulgata dão: o anel do selo da imagem (tabnît) de Deus. Outra tradução proposta é a seguinte: Tu eras sábio até a perfeição ('atâ hakam letaklît).

28:13. Estavas no Éden, jardim de Deus. Observe “monte de Deus” nos versículos 14, 16. Éden deriva-se do acadiano edinu, “planície”, um lugar que comporta irrigação e fertilidade. Também é um jogo com as palavras 'eden, “luxo, gulodice, deleite” (Gn. 49:20; Jr. 15:39; Sl. 8. Veja também Ez. 31:9, 16). De todas as pedras preciosas te cobrias, isto é, eram o teu manto. Nove das doze pedras do peitoral do sumo sacerdote foram mencionadas. Veja Êx. 28:17-30, que faz paralelo com Êx. 39:10-13. Veja também Ap. 21:19, 20. A terceira carreira, omitida aqui, encontra-se na LXX. De ouro se te fizeram os engastes e os ornamentos. O T.M. diz: e (de) ouro (era) o acabamento (me'lakâ) de seus tamborins (o contexto exige “engastes”) e dos seus encaixes (penetrações, neqeb; provavelmente, “gravuras”. Cons. Ac. e Ug.).

28:14. Tu eras querubim da guarda ungido, e te estabeleci. O T.M. diz Tu (át) eras um querubim. Leia-se com a LXX e a Siríaca: Com ('et) um querubim. O T.M. diz: ungido (ou “de expansão”; hapax legomenon) que cobre (que faz sombra) e eu te dei (coloquei). Monte santo de Deus. Localizado no recesso do norte (Is. 14:13). Para os fenícios este monte deveria ter sido o Monte Saphôn ou Casius, entre Antioquia e Laodicéia. Cons. o deus tiro, Baal Saphôn, “senhor do Norte”. Brilho das pedras. Pedras que reluziam como fogo (cons. Enoque 18:6-9; 24:1; 25:3); ou, fenômeno que acompanhava a presença divina (cons. Ez. 1:13; 10:16). Cons. o jardim com árvores cheias de jóias no Gilgamesh Epic (IX, v. vi. ANET, pág. 89).

28:15. Perfeito eras (tamîm, “em boa condição, inigualável, inocente”)... até que se achou iniquidade ('awlaltâ, para o mais costumeiro 'awel) em ti. Não há nenhuma referência ao querubim aqui, pois a Bíblia não fala da queda de algum querubim; e os seres celestiais existiram antes da criação (Jó. 38:7).

28:16. Na multiplicação do teu comércio. A primeira parte do versículo é provavelmente uma glosa do versículo 5; 26:12; 27:12, 18, antecipando o versículo 17. Pelo que te lançarei profanado fora. O T.M. diz: E eu te profanei (lançando-o fora) do monte de Deus. E o querubim guardião te expulsou (RSV). Esta tradução segue a LXX, we'ibbedka (cons. Gn. 3:24), em lugar do T.M.: E eu te destruí (wa'abbedka), ó querubim da guarda (cons. Ez. 28:14).

28:17. O teu coração. Esta é uma aplicação direta da história ao rei que representa a cidade (27:3) e os seus habitantes (27:8, 9).

28:18, 19. Profanaste os teus santuários. O profeta prediz a ruína da própria Tiro. O rei profanou os templos que fadam de Tiro uma ilha santa, provocando a sua destruição por causa do seu próprio pecado. Ele ficou abaixo do padrão da verdade que a sua religião preservou para ele.

Oráculo Contra Sidom. 28:20-26.
Outras maldições contra Sidom aparecem em Joel 3:4-8; Zc. 9:2. Sidom (atualmente Saida, provavelmente ligada ao deus Sid, da raiz sûd, “caçar”) está localizada 40 quilômetros ao norte de Tiro. Foi mencionada nas Cartas de Amarna (75, 85, 149, etc.) e por Homero, na Ilíada, 7:290. A tribo de Aser não expulsou os sidônios (Jz. 1:31; 10:12). Sidom mais tarde ficou sujeita à sua filha, a cidade de Tiro (Josefo, Antiq. IX. 14: 2). Foi destruída por Esaradom em 677; junto com Tiro ficou sujeita a Faraó Hofra em 588; a Cambises em 526 (Heródoto VII. 89; VIII. 67); vendeu cedros para a reconstrução do Templo de Jerusalém (Esdras 3:7); foi destruída pelos persas em 345; submeteu-se a Alexandre, o Grande, em 333; e passou para os romanos em 64. Em diversas referências do N. T, está ligada a Tiro (cons. introd. ao cap. 26) e Paulo passou por seu porto (Atos 27:3).

28:20-23. Eis-me contra ti, ó Sidom. A grandeza do Senhor está reconhecida pelos juízos que são proferidos contra Sidom. Sidom, e outras nações, sempre foram “um espinho que pica e um abrolho que causa dor” para Israel (v. 24).

28:24-26. A casa de Israel. O castigo para as nações resultará na restauração da casa de Israel. A providência de Deus está claramente visível nestes versículos. O cativeiro de Israel entre seus vizinhos (v. 24) resultará no seu arrependimento e restauração (v. 25), no juízo divino dos seus inimigos ímpios e na paz e prosperidade para Israel (v. 26).