Ezequiel 1 — Comentário Teológico

 Ezequiel 1 — Comentário Teológico


Chamado e Comissão de Ezequiel (1.1-3.27)


Os capítulos 1-24 falam sobre o julgamento futuro que desintegraria Judá. Yahweh elevara Sua espada para cortar a nação em pedaços. A tarefa do profeta era explicar por que os babilônios foram os instrumentos deste ultraje. A explica­ção era a idolatria-adultério-apostasia, a terrível tríade que havia corrompido o país inteiro. Ezequiel tinha sua missão entre os cativos e recebeu as credenciais apropriadas para cumpri-la. Como Isaías (capítulo 6), Ezequiel recebeu um chamado diretamente de Yahweh: um rolo que deveria comer simbolizava sua assimilação da mensagem, com a subseqüente responsabilidade de transmitir as instruções divinas. O profeta tinha as palavras de Yahweh em sua boca (Eze. 1.9; 5.14). Ezequiel recebeu seu chamado na Babilônia, através de visões poderosas, quando, diante de seus olhos, Yahweh cavalgava, no alto, no seu trono-carro. Ver o chamado descrito no capítulo 1 e sua comissão registrada nos capítulos 2-3 deste livro.


Prólogo (1.1-3)
O registro da comissão divina de Ezequiel figura entre os mais longos da Bíblia. Ver Eze. 1.1-3.27 e cf. a comissão mais curta de Isaías, no capítulo 6 daquele livro. Ezequiel tinha experiências místicas muito poderosas, e suas visões elaboradas o prepararam para a tarefa a ser realizada. Ver no Dicionário artigo denominado Misticismo. Ver, também, Visão (Visões).

1.1-2
Trigésimo ano. O livro de Ezequiel, repleto de dificuldades, inicia-se com esta referência enigmática. As palavras poderiam significar: 1. O ano trigésimo depois da sua chamada inicial. Neste caso, as visões que inspiraram a composi­ção do livro começaram em 563 A. C. Cf. Jer. 36.1-3. 2. Alguns eruditos supõem que a referência fale da idade do profeta. Como sacerdote (vs. 3), o profeta naturalmente teria começado seu ministério com aquela idade. Este trigésimo ano era também o quinto ano do exílio de Joaquim na Babilônia (vs. 2). 3. Outros supõem que este trigésimo ano seja o início do reino de Nabopolassar, pai de Nabucodonosor. Neste caso, o ano em pauta é 625 A. C. Não há como determinar a verdadeira interpretação, o que não é importante, pois em nada detrata o valor do texto. Outras interpretações ainda mais duvidosas foram omitidas. Quarto mês... dia quinto... A data mencionada aqui é o dia 31 de julho de 593 A. C., se calculada segundo o calendário lunar, que começou o ano na primavera. O mês tamuz corresponde mais ou menos ao nosso mês de julho.

No vs. 2, a referência ao tempo envolvido se repete, mas com outros detalhes. O quinto ano do cativeiro de Joaquim era também o ano trigésimo do vs. 1, onde foram dados diversos cálculos possíveis. Três deportações distintas foram anotadas em Jer. 52.28. O rei Joaquim (ver a respeito no Dicionário) participou da primeira deportação. Ver II Crô. 36.9 e II Reis 24.8-16. Ver no Dicionário o artigo geral sobre Cativeiro Babilônico. O breve reinado de Joaquim começou em 597 A. C. Estando eu no meio dos exilados... O profeta estava em companhia dos cativos, no cativeiro babilônico. Foi ali que ele recebeu suas visões iniciais. Esperan­çosamente, elas seriam de grande benefício para aquele povo na sua miséria. Eles estavam acampados perto do rio Quebar (ver a respeito no Dicionário). Este “rio" era, realmente, um canal do Eufrates, localizado acima da Babilônia. Ele fluía para o sul, passando ao lado de Nípur e entrando no Eufrates, perto de Ereque. O nome atual deste rio é Shatt en-Ni. Sua forma em cuneiforme é naru kabariOs céus se abriram. E então o profeta teve “visões de Yahweh”, o Deus Todo-poderoso. Ezequiel recebeu experiências místicas significativas, que demonstram sua autoridade como profeta. Ver no Dicionário o artigo intitulado Inspiração e Revelação. As visões mencionadas aqui são descritas em Eze. 1.4-2.7.0 profeta viu a glória do Senhor, o que o impressionou profundamente. Dessa forma ele se tornou “o homem do momento”. Recebeu unção especial e poder do Espí­rito e, assim equipado, iniciou sua missão com entusiasmo. Ver no Dicionário artigo chamado Únção. Suas visões não foram apenas grandes, foram também divinas. Cf. Eze. 8.3 e 40.2. Ver também Mat. 3.16; Atos 7.56; 10.11 e Apo. 19.11.

1.3
Veio expressamente a palavra do Senhor a Ezequiel. O versículo afirma que Ezequiel recebeu inspiração divina. Sobre este profeta, ver no Dicionário artigo intitulado Ezequiel (a Pessoa), seção I. Ezequiel recebeu suas visões iniciais na terra dos caldeus, perto do rio Quebar (vs. 2). Ali esteve sobre ele a mão do Senhor. Note-se a mudança de referência da primeira para a terceira pessoa, o que poderia indicar que um redator manipulou o material do profeta, compilando uma cópia final do livro a ser publicado. A mensagem em pauta é descrita elaboradamente em Eze. 2.8-3.11. A mão do Senhor estava com o profeta, guiando seus esforços. A iniciativa era divina, não humana. Cf. Eze. 3.14,22; 8.1; 33.22; 37.1; 40.1. Ver também I Reis 18.46 e Dan. 8,18. A visão celestial preenche o restante do capítulo. Mão do Senhor. Ver sobre esta palavra, em Sal. 81.4; ver sobre mão direita, em Sal, 20.6. O poder e a direção eram de Yahweh. O profeta recebeu unção do alto. 

A Visão do Trono-carro (1.4-28)

1.4 Olhei... um vento tempestuoso vinha do Norte. A descrição desta visão ocupa os vss. 4-28. O propósito da visão é dado em Eze. 2.1-7. Olhando para o norte, o profeta viu a aproximação de uma tremenda tempestade acompanhada de muitos trovões estrondosos. Grande luz emergiu daí. Sua aparência era de metal luminoso, que se refere ao resplendor da glória de Deus. Algumas pessoas vêem aqui discos voadores, mas essa ideia reflete uma imaginação fértil e não uma verdade bíblica. O templo de Jerusalém foi construído num ângulo que fazia os raios solares dos equinócios brilhar diretamente no Santo dos Santos. Esta circunstância ilustrava que a Luz do céu iluminava o templo do Senhor. Um rito complexo celebrava estas ocasiões especiais, nas quais a arca da aliança era carregada em procissão sagrada. Aquele era o Dia do Senhor. Note-se a referência ao “norte”, direção que, na mitologia dos cananeus, era associada ao lar dos deuses. Baal-zefom foi chamado “o Senhor do Norte”. Os críticos acham que o presente versículo alude a estes fatos. Por outro lado, não há nenhuma razão para duvidarmos da origem celestial das visões de Ezequiel. É possível que a descrição tenha emprestado algumas idéias dos cananeus, mas a visão, em si, era de Yahweh.

Vento tempestuoso. Isto é, o remoinho que fala sobre a aproximação violenta do julgamento de Yahweh. Cf. Jer. 23.19; 25.32. O inimigo chegaria do norte como um remoinho. A Babilônia ficava ao norte (e a leste) de Judá. A nuvem fala de uma manifestação divina, como aconteceu também no Sinai (Êxo. 19.9-16). fogo simboliza o poder e a destruição divina, e o âmbar (mencionado na edição revista e corrigida) provavelmente é uma referência à cor do metal no estado derretido. Cf. o vs. 7, que utiliza a expressão “bronze polido”. Ver Apo. 1.15. O bronze estava no meio do fogo. No vs. 27, encontramos outros detalhes da visão.

1.5
Do meio de toda aquela manifestação brilhante, quatro seres viventes emergiram. Sua aparência era muito estranha, mas tinham, de certa maneira, a forma de homens. Outras características confundiram a mente do profeta. Os vss. 6-11 dão alguns detalhes sobre a aparência destes seres, e o capítulo 10 identifica estas criaturas como Querubins (ver a respeito no Dicionário). Devemos entender as descrições como simbólicas e metafóricas, não forçando literalidade sobre o texto. Aqueles seres celestiais tinham acesso à presença de Deus (Eze. 28.14,16). Imagens de ouro dos seres guardavam a arca da aliança, no Santo dos Santos, com as asas estendidas sobre a caixa sagrada (Êxo. 25.17-22; Núm. 7.89), onde a presença divina se manifestava (I Sam. 4.4; II Sam. 6.2; Sal. 80.1; 99.1; Isa. 37.16). É ridículo entender tais símbolos de modo literal, supondo que Deus cavalgasse sobre um trono-carro e que seres celestiais, literalmente, tivessem tais características. É também absurdo reduzir visões místicas à crassa literalidade. Ver no Dicionário o artigo intitulado Antropomorfismo. Ver também o verbete chamado Mysterium Tremendum (que Deus é). Adquirimos algumas informações dos símbolos místicos e devemos contentar-nos com isto. Ninguém viu Deus como Ele realmente é, e até os anjos devem baixar sua luz para não cegar os seres humanos.

1.6
Quatro rostos. Os seres viventes, em pé, tinham em certo grau a aparência de homens. Aparentemente, estavam voltados na direção dos quatro pontos da bússola. Seu olhar era universal, porque os olhos do Senhor estão em toda a parte, como lemos em Zac. 4.10. Ver no Dicionário o artigo chamado Onisciência. Cada criatura tinha quatro rostos, cada um (supostamente) olhando em uma dire­ção cardinal, demonstrando compreensão universal. O vs. 10 dá as descrições dos rostos. Em que cada rosto representava a figura de um animal. Muitas interpretações simbólicas se aplicam a estes detalhes.

Quatro asas. Podemos ver coisa semelhante nas descrições dos serafins de Isa. 6.2. Ver também Apo. 4.8. O vs. 11 deste capítulo descreve, com maiores detalhes, essas asas. O número das asas varia nas Escrituras: no templo de Salomão, essas criaturas tinham duas asas (I Reis 6.27); aqui e em Eze. 10.21, quatro; em Isa. 6.2 e Apo. 4.8, seis. Ver exposição no vs. 11 do presente capítulo.

1.7
Pernas... pés. Chegamos agora à descrição de suas pernas e pés. As pernas eram retas como as dos homens, em contraste com as pernas dos animais. Como um conjunto, as criaturas brilhavam da mesma forma que bronze polido. Uma antiga mitologia falava dos deuses como se voassem e não andassem e, as pernas retas (não dobradas) poderiam ter emprestado o simbolismo daquela figura. Os seus pés eram como os de animais, o que pode implicar poder e firmeza, porque os brutos são mais fortes do que os homens, Os pés dos bois eram divididos e, sendo de animais limpos, podiam pisar as espigas para debulhar os grãos. Esta ação é símbolo de julgamento. O julgamento fere os ímpios, más dá alimento aos justos. O metal que lança seus raios gloriosos fala da majestade de Deus, que é glorificado no julgamento do mal. Alguns intérpretes limitam o brilho aos pés. Cf. a glória do Senhor dada em Apo. 1.5. 

1.8
Nas extremidades dos braços, os seres viventes eram equipados com mãos humanas. A mão é o instrumento de poder e ação. Estas criaturas trabalhavam em favor da causa divina, julgando os pecadores, mas agindo em favor dos justos. Isto fala da Providência de Deus (ver a respeito no Dicionário), que age negativa ou positivamente, dependendo dos méritos dos homens. O Talmude vê, nestas mãos, as mãos divinas agindo através dos anjos. Ver sobre mão, em Sal. 81.14, e sobre mão direita, em Sal. 20.6. Ver no Dicionário o artigo intitulado Mão, para maiores detalhes. O restante deste versículo introduz o vs. 9, onde são apresentados mais detalhes sobre as asas.

1.9
As asas tocavam umas nas outras. Então, quando estavam em movimento, as criaturas não giravam, mas iam diretamente para a frente. Isto mostra determinação para cumprir seus propósitos, sem nenhuma hesitação. As asas unidas umas às outras formavam um perfeito quadrado, que simbolizava solidariedade. “Tendo quatro rostos nos quatro lados, ligados na forma de uma quadra, as criaturas podiam viajar em qualquer direção sem girar” (Charles H. Dyer, in loc.). É difícil imaginar como isto funcionaria, e os intérpretes continuam debatendo sobre esta interpretação. De qualquer maneira, o texto fala de locomoção divina, superior a qualquer tipo de locomoção que os homens possam inventar. Realiza­ção, através de movimentos divinos, é a ideia aqui projetada. Estes seres viventes voavam sem bater asas, porque algum tipo de poder divino os controlava.

1.10
Este versículo dá mais detalhes dos rostos dos seres viventes. O vs. 6 meramente mencionou que eram quatro. Agora aprendemos que cada rosto tinha a aparência de um animal diferente: homem; leão; boi; águia. Os rostos do homem e do leão se situavam no lado direito, e os do boi e da águia, no lado esquerdo. Os seres viventes de Apo. 4.7 têm seis asas e a aparência de leão, boi, homem e águia em voo, respectivamente. A arqueologia descobriu nos desenhos de diversas religi­ões orientais representações semelhantes de seres sobrenaturais. Uma vez que o próprio autor não nos informa sobre como interpretar estes símbolos, os intérpretes sentem liberdade para inventar as mais diversas explicações. Por exemplo: 1. o homem representa inteligência; 2. o leão, poder para executar julgamento e atos bravos; 3. o boi, poder para efetuar as obras divinas; 4. a águia, rapidez na execução dos propósitos divinos. Nos manuscritos antigos do Novo Testamento, estes mesmos animais representam os quatro evangelhos, que são os instrumentos nas mãos de Deus para propagar a nova mensagem: Mateus (homem); Marcos (boi); Lucas (águia); João (leão). Não há nenhuma chance de que o profeta Ezequiel tenha antecipado tais aplicações. O Talmude chama estes quatro animais de as mais nobres criaturas de Deus. Eles representam o serviço divino eficaz e glorioso.

1.11

Suas asas se abriam em cima. Prossegue aqui a descrição das asas que foram introduzidas no vs. 6. Duas das asas foram estendidas para cima, tocando nas asas dos seres viventes ao lado. O efeito produzido era como a configuração de uma caixa. As outras duas asas cobriam os corpos das criaturas. Cf. Isa. 6.1-3, onde encontramos descrição semelhante. Em Isaías existem seis asas, não quatro. Duas delas eram para levantar voo, o que não aparece no presente texto. De novo, o próprio autor não nos dá explicações, abrindo as portas para uma variedade de interpretações que nos deixam atônitos, mas há dúvida sobre a validade das idéias apresentadas. Talvez não possamos fazer melhor do que dizer alguma coisa simples, como John GUI, in loc.: "... os símbolos possam expressar agilidade, rapidez e a prontidão dos ministros para efetuar seu serviço”. 

1.12
Cada qual anda para a sua frente. A locomoção divina foi fornecida pelo poder do Espírito. As criaturas voavam sem bater asas, tinham propósitos nobres, não girando nem para a esquerda nem para a direita. Sempre souberam 0 que fazer e nunca falharam. Possivelmente, deveríamos entender que elas sempre foram guiadas pelo poder e providência de Deus. O espírito, isto é, o querubim, operava através das rodas, de alguma maneira não explicada e pouco clara (vs. 20). Devemos lembrar que as descrições são do trono-carro de Yahweh e que as criaturas faziam parte daquele aparelho. O Targum nos informa que eias se moviam para os lugares aos quais Sua vontade mandava, sem obstáculos, interferências ou oposição. Devemos entender que a ação era ditada por Yahweh, porque o trono-carro era Dele, afinal. O Espírito guiava os espíritos (anjos). O trono-carro de Yahweh era como um ser vivente composto de seres angelicais.

1.13-14
Os seres viventes agiam como fogo, com movimentos bruscos, brilhando como o relâmpago. O hebraico dos vss. 13-14 é difícil, o que dá margem a muitas adivinhações sobre os possíveis significados em pauta. A Septuaginta simplesmente deixa o vs. 14 fora, como impossível de ser entendido. De qualquer maneira, o vs. 13 fala sobre um fogo misterioso que se movimentava estranhamente, brilhava muito e lançava raios como o relâmpago. O julgamento de Deus provavelmente é assim simbolizado. O próprio profeta, mais uma vez, não fornece nenhuma interpretação, dando margem a que intérpretes brinquem com o assunto. A terminologia é típica daquela que descreve as Teofanias (ver a respeito no Dicionário). Cf. Sal. 18.12-13; 97.4; Gên. 15.17; Êxo. 19.16 e 20.18. O fogo era como tochas (João 18.3); como fachos (Juí. 15.4); como relâmpagos (Êxo. 20.18). Nenhuma exposição é adequada para descrever o divino. Temos as idéias de energia dirigida, de poder e atividade divina, de realização de propósitos divinos e de realização da vontade de Deus.

As Quatro Rodas (1.15-21)

1.15
Havia uma roda. Cada ser vivente era acompanhado por uma roda (vs. 15), dentro de outra (vs. 16), de maneira difícil de entender. Quando o profeta viu as rodas, elas estavam deitadas no chão, uma roda ao lado de cada ser vivente. O vs. 17 as descreve já em movimento. O vs. 19 nos informa que as rodas sempre acompanhavam as criaturas. Elas tinham aros com olhos brilhantes e visíveis a todos. Exercendo uma imaginação fértil, algumas pessoas vêem neste quadro os discos voadores, outro mistério dificilmente relacionado ao presente texto. Outras vêem os deuses visitando a terra, como seres extraterrestres, conjecturas interessantes que não têm nada que ver com Ezequiel e suas visões. Os discos voadores e seus pilotos parecem uma realidade temível, mas, no presente texto, trata-se de mais informações sobre o trono-carro de Yahweh, o Deus que realmente chegou à terra para ajudar os homens. Dan. 7.9 afiança que as rodas pertencem ao trono de Deus. Eram rodas de fogo ardente e brilhante. O deus-sol da literatura do Oriente antigo cavalga em um trono voador, na forma de um tipo de carro sobrenatural. Ver II Reis 23.11. A arqueologia descobriu modelos de argila que representam os tronos voadores dos deuses. O livro pseudepígrafo de Enoque 61.10 e 71.7 representa as rodas como seres divinos; em Ezequiel, elas acompanham os anjos, mas não são identificadas com eles.

1.16-17
As rodas eram objetos impressionantes, pela construção versátil e pela capacidade e aparência gloriosa. Elas brilhavam como as mais finas pedras preciosas, refletindo o sol. Eram semelhantes à crisólita, pedra dourada e preciosa, ou, talvez, ao topázio. Ver Eze. 10.9; 28.13; Êxo. 28.20; 39.13; Dan. 10.6. A palavra hebraica empregada aqui, tarshish, sugere que esta pedra era extraí­da em Tarso. As rodas foram construídas em pares, uma dentro da outra, transversalmente ou em ângulos retos; assim, podiam avançar em qualquer direção, sem girar. Elas avançavam, mas não precisavam girar para reverter direções, como faz uma roda simples. Os intérpretes ficam atônitos tentando imaginar como estas rodas funcionavam e qual foi a intenção do profeta ao escrever este texto. Novamente, o próprio autor não fornece nenhuma descri­ção que nos ajude a entender. Compreendemos, a despeito disto, que a vontade de Yahweh operava maravilhosamente nas ações das rodas, e que os poderes sobrenaturais permitiam ao trono-carro funcionar. O quadro apresentado fala da Soberania de Deus (ver a respeito no Dicionário). A palavra de Deus governa este mundo e Seus propósitos são efetuados. A vontade divina é cheia de mistérios e poderes gloriosos pouco compreendidos pela mente humana. Seres vivos celestiais formavam o corpo do trono-carro de Yahweh, portanto havia uma unidade sagrada nele.

1.18
As rodas tinham aros para onde os raios se estendiam, sugerindo a complexidade da operação da soberania divina, repleta de inteligência e luz, porque os aros possuíam olhos. O olho simboliza a inteligência e a iluminação divina (Zac. 4.10). A fileira de olhos representa a onisciência divina (ver II Crô. 16.9; Pro. 15.3). Os olhos transmitiam, para o trono-carro, uma inteligência divina, porque Aquele que cavalgava era divino e também a fonte de toda a inteligência. 

Idéias. 

1. A multiplicidade dos olhos representa a plenitude da sabedoria de Deus, compartilhada pelos seres viventes, por serem servos de Deus. O olho é a janela da alma. 

2. As rodas significam a providência de Deus guiada pela inteligência dos olhos. Não há sombra alguma em Deus. 3. Em Apo. 4.8, os quatro seres viventes são representados “cheios de olhos”. Para os hebreus, Deus era tanto a Causa Única como a Causa Controladora de tudo. 4. As rodas são representadas “muito altas”, quase além da visão humana. Sua altura é temível. Com tais descrições, o autor aumenta o resplendor da passagem. 5. Os olhos simbolizam o Deus que tudo vê (10.12) e tudo controla por Sua sabedoria. Cf. isto com o Horus-olho, dos amuletos dos egípcios, e com o rhomb (olho) tão comum nos cilindros-selos da Mesopotâmia.

1.19
Andavam as rodas ao lado deles. Os seres viventes eram constantemente acompanhados pelas rodas, compondo o trono-carro de Yahweh. Os seres carregavam o trono, sempre acompanhados pelas rodas. Assim, quando os seres viventes subiam, as rodas também subiam. Yahweh dava ordens para as subidas e descidas. As rodas pareciam extensões dos seres, em plena harmonia. A plataforma móbil obedecia a vontade do Cavaleiro divino, e o propósito divino operava através das criaturas, que operavam através das rodas. Desse modo, o propósito de Yahweh se efetuava em todos os detalhes.



1.20
O espírito os impelia. O espírito controla tudo, conforme deixa claro este versículo. O espírito aqui pertence a cada ser vivente. Devemos supor que o Espírito de Deus controle os espíritos. Não existe (na mentalidade hebraica) um espírito independente não controlado pelo Espírito. Aqui, temos unidade de propó­sito e de ação. O Coordenador é divino. O Cavaleiro está sentado no trono-carro vivo, cheio de sabedoria. Assim, cavaleiro-trono-carro-seres viventes-rodas formam uma unidade perfeita. Há harmonia e unidade nos céus e na terra. Yahweh controla todas as coisas.

Deus se move de forma misteriosa
Para realizar Suas maravilhas.
Implanta Seus passos no mar,
E cavalga por cima do tufão.
No profundo, em minas insondáveis
de habilidades que nunca falham,
Ele entesoura seus grandes desígnios,
E põe em obras Sua vontade soberana.
(William Cowper)

1.21
Andando eles, andavam elas. Este versículo amplia o vs. 20, descrevendo ainda mais claramente o que já tinha sido dito. O trono-carro de Yahweh tem quatro rodas localizadas em sua base e, sobre uma delas, uma criatura em pé, cujas asas se estendem para cima e formam horizontalmente um tipo de cobertura para o carro. Sobre o aparelho vivo, Yahweh está sentado, como em um trono voador. Ver vs. 26 para descrições do “trono em cima”. A visão traz detalhes ainda mais fantásticos, à medida que prosseguimos.

1.22
Firmamento. O trono-carro ganha dimensões cósmicas. Em cima da cobertura, vemos uma figura que sobe acima do firmamento. Isto não significa meramente o céu, como alguns intérpretes supõem. Para os hebreus, o firmamento era um tipo de tigela de cabeça para baixo, feito de material duro. Desta maneira (segundo eles pensavam), uma cúpula se formava, fechando a terra e separando-a dos céus. Ver no Dicionário detalhes sobre estas noções, no artigo chamado Astronomia, onde há uma ilustração da cosmologia hebraica. No vs. 22, vemos Yahweh sentado no Seu trono-carro, que vai além das dimensões da terra e do céu. Ele preenche todo o espaço, numa majestade indescritível. O próprio firmamento brilha com esplendor celestial. A palavra hebraica envolvida é raqimde raqa, “bater”, implicando alguma coisa (como metal) formada por batidas repe­tidas. Em cima do firmamento está o grande mar celestial, as águas do céu, que na cosmologia hebraica não tinham nada que ver com a atmosfera da terra. O cristal, cortado e formado artisticamente, é sólido; muitos rostos (facetas) refletem a glória de Deus. Seu esplendor é tão brilhante que o homem mal pode suportar sua visão.

1.23
Este versículo nos leva de volta às descrições dos vss. 11 e 21. As asas dos seres viventes são estendidas. Esticando para cima, formam a plataforma do trono-carro. Assim, as asas suportam a plataforma e, de alguma maneira fantástica, o próprio firmamento. O trono-carro torna-se o próprio cosmos em miniatura. Este belo toque da descrição nos pega de surpresa. As asas se ajuntam no topo, formando a plataforma, mas duas asas cobrem o corpo dos seres viventes, que formam o corpo do carro.

Embaixo da cúpula, as asas das criaturas vivas estavam esticadas... (NCV) A palavra cúpula, da NCV, é uma boa tradução, dando-nos a ideia de uma tigela colocada de cabeça para baixo. A cúpula fecha a terra, separando-a dos céus.

1.24
Ouvi o ruído das suas asas. Até este ponto da descrição, não há informa­ção sobre o modus operandi da propulsão do carro. Certamente, as asas não foram descritas como se estivessem batendo. Mas agora ouvimos sons de propulsão, semelhantes ao das ondas do mar, ou ao barulho que muitas águas fazem ou, ainda, ao fluxo de um rio poderoso. O carro, quando imóvel, supostamente não produzia nenhum som, e os seres vivos baixavam suas asas em descanso. Nos salmos de entronização, quase sempre temos a figura do som de muitas águas. Ver Sal. 29.3; 93.4. Cf. Apo. 1.15; 14.2; 19.6. Na mitologia dos cananeus, temos descrições semelhantes que falam das lutas de Baal contra o Príncipe do Mar, ou de quando eles lutam no rio-Juízo. Onipotente. A palavra hebraica aqui é Shaddai, um nome de Deus pré-mosaico. Esta palavra está relacionada à montanha, isto é, uma força maciça. Ver no Dicionário o artigo Deus, Nomes Bíblicos de, e cf. Gên. 17.1.

1.25
Veio uma voz de cima do firmamento. Uma voz é ouvida outra vez. Yahweh está em cima do firmamento e fala palavras de poder, dando ordens. A voz vem do trono-carro, que viaja rapidamente através dos céus. Yahweh dirige tudo, inclusive os movimentos dos seres viventes. Talvez este versículo seja uma ditografia (erro de copista) do vs. 24. Nove manuscritos hebraicos e um manuscrito siríaco o omitem. A voz de Deus é como o trovão. Cf. Sal. 18.13; Êxo. 9.23,28-29 e 20.18. Yahweh está acima da cúpula formada pelo firmamento. Às ordens divinas, o trono-carro pára, e a terra inteira, o escabelo de Deus, escuta a ordem que está sendo pronunciada. Yahweh controla tudo e enche os céus e a terra. Ver no Dicionário o artigo intitulado Soberania de Deus.

1.26
A Visão da Glória Divina Continua. Agora vemos o próprio trono que está acima do firmamento. Ele brilha como uma safira, isto é, o lápis-lazúli (ver a respeito no Dicionário). A pedra tem um lindo azul, apropriado para esta descri­ção,porque é a cor da espiritualidade. Cf. Êxo. 24.10. Os pés de Elohim (no texto em Êxodo) descansam sobre um tipo de plataforma feita dessa pedra. Sentado sobre o trono-carro, Yahweh assume a forma humana. Tentando evitar um antropomorfismo (ver a respeito no Dicionário) crasso, o profeta fala “como se fosse humano”, ao se referir a Yahweh. A Bíblia está repleta deste tipo de linguagem (que descreve Deus em termos humanos) por causa do nosso dilema linguístico. Alguns intérpretes vêem aqui o Cristo pré-encarnado, mas esta ideia é um toque imaginário no qual o profeta não teria pensado. Os hebreus sempre descreveram Deus em termos humanos, mas isto dificilmente implica “encarnação”.

1.27
O profeta tenta, neste versículo, descrever a figura “quase humana” ou “como se fosse humana”. Naturalmente, todos estes tipos de descrições falham miseravelmente. A explicação começa falando de como a Figura era da cintura para cima e, depois, da cintura para baixo. A Figura brilhava como metal no fogo, como bronze brilhante, com uma grande luz que emanava ao seu redor. Sua glória tomava toda a cena, assustando as criaturas não-divinas. Cf. essa descrição com as de Hab. 3.4; Sal. 97.3 e Dan. 7.9-10. Ezequiel fala de Deus como o Mysterium Tremendum (ver a respeito no Dicionário), mas cai no antropomorfismo que praticamente anula a grandeza das idéias apresentadas. De qualquer maneira, experi­ências místicas são essencialmente inefáveis, e “falar” sobre elas pouco nos ajuda. Procuramos futilmente usar termos comuns e conhecidos para expressar coisas que estão fora da nossa experiência. Ver no Dicionário o artigo chamado Misticismo. Metal brilhante. Aqui temos a mesma palavra (âmbar, na edição revista e corrigida) que encontramos no vs. 4, onde existem notas. A cor amarela é celestial, lembrando o bronze derretido, ainda brilhante, e com fogo em seu interior. Cf. Dan, 10.5 e Apo. 1.14.

1.28
Como o aspecto do arco que aparece na nuvem em dia de chuva. Um arco-íris sobrenatural cerca o trono-carro. É um arco-íris glorioso, porque Yahweh se encontra nele. Suas muitas cores falam das perfeições divinas. De fato, ele é distinguido por sua harmonia de cores, dando uma visão espetacular aos homens da terra. Cf. Gên. 9.13-14; Apo. 4.3 e 10.1. Ele também nos faz lembrar da gloriosa promessa divina de salvação e preservação; é um tipo de “bandeira eterna” que flutua no céu, comunicando sua mensagem de paz. Caí com o rosto em terra. O impacto da visão terrível e inesperada estarreceu o pobre profeta, jogando-o ao chão. Aterrorizado, o profeta permanece deitado na presença majestosa de Deus e continua ouvindo a voz celestial. Cf. Eze. 2.2; 3.23-24 e Apo. 1.17. O profeta sente profundamente sua fraqueza e indignidade, porque ele era, afinal, somente um verme-homem. Ver Jer. 1.6; Isa. 6.5; Gên. 32.30; Êxo. 20.19,20-24.11; Dan. 8.17 e Atos 9.4, onde há declarações similares.