Ezequiel 10 — Comentário Teológico

Ezequiel 10

A Partida da Glória de Yahweh (10.1-22)

Os capítulos 8-11 formam uma unidade. Ver a introdução geral a esta unidade, na introdução ao capítulo 8. Os julgamentos sobre Jerusalém serão executados através do exército babilônico. A temível tríade (espada, fome e pestilência, ver as notas em Eze. 5.12) fará o seu trabalho terrível. Icabõ será escrito sobre a cidade. Agora, Yahweh sobe em Seu trono-carro e desaparece de Jerusalém. Este capítulo descreve a partida. Deus recusa compartilhar Sua glória com os deuses que estavam sendo adorados na cidade; Ele não queria compartilhar Seu templo nem Seu povo. A adoração de Deus sumiu de Silo, em pouco tempo, depois da partida da glória do Senhor daquele lugar. A história se repetiu em relação à Jerusalém. Ver I Sam. 4.1-4; 10-11; 19-23; Jer. 7.12-14.

10.1
A forma de um trono. Esta descrição do trono-carro nos leva de volta ao capítulo 1, com a mesma informação. Ver especialmente Eze. 1.21-22,26, onde há as notas apropriadas. Yahweh estava à entrada do santuário, e Seu trono-carro, no lado sul (vs. 3); em breve Ele tomaria o veiculo e iria para longe, deixando Jerusalém sofrer o seu temível destino. Este capítulo nos dá outra visão do trono-carro, incluindo a descrição de duas novas criaturas associadas ao veículo. A cidade será entregue ao fogo e o templo abandonado (vss. 18-19).

10.2
O Anjo-escriba. Este ser luminoso estava vestido em linho tão branco e brilhante quanto o sol. Ele passou entre as rodas do trono-carro, onde o fogo de Yahweh queimava, enchendo as mãos com brasas acesas para espalhá-las sobre Jerusalém e o templo. Uma conflagração gigantesca consumiria tudo. Sabemos que o templo foi deveras queimado, e a maior parte da cidade sofreu o mesmo fim (Jer. 52.13). Ver as descrições das rodas giratórias em Eze. 1.16,18; 23-24; e 26.10. Ver sobre as brasas acesas em Eze. 1.13 e cf. Isa. 6.6.0 fogo purificaria a cidade. Da escória geral, Yahweh tiraria uma pequena porção de prata, para utilizar na formação do Novo Israel, depois do cativeiro babilônico.

“As brasas acesas significam a destruição da cidade, pelo fogo. Parece que o espaço entre as quatro rodas, que estavam em chamas, foi de onde as brasas foram tiradas”
(Adam Clarke, in loc.).

10.3
Os querubins estavam ao lado direito. Os querubins (plural) estavam em pé, no lado sul (direito) do templo, quando se olha do oriente. O trono-carro estava posicionado naquele lado também. O anjo com aspecto de homem foi para o carro sobrenatural recolher as brasas acesas. Grandes nuvens de fumaça subiram, enchendo o átrio interior do templo. Devemos compreender a glória Shekinah (ver a respeito no Dicionário) envolvida nessa demonstração de poder divino. A glória está prestes a partir. A presença divina abandonará o lugar. Comparar este versículo com Eze. 1.28, que é semelhante. Ver também Êxo. 33.9-10; I Reis 8.10-11; e Isa. 6.1-4. Aqui, devemos entender a glória da presença como uma força destrutiva, enquanto, em outros textos, é uma força que abençoa. Normalmente, a proximidade da presença divina significa aprovação, mas aqui está em vista a ira, aplicada de forma sobrenatural.

10.4
Então se levantou a glória do Senhor. A glória de Yahweh pairava sobre os querubins e depois parou à entrada do templo. Isto repete a primeira parte de Eze. 9.3. Note-se o singular aqui, o querubim, provavelmente um coletivo, para os seres que fizeram parte do trono-carro, ou em referência ao querubim do Santo dos Santos. Neste caso, a glória de Yahweh partiu daquele lugar, indo para a entrada do templo, para logo desaparecer. Deixando a presença divina o templo, o lugar ficará desolado e desprotegido, tornando-se uma pilha de escombros.

Querubim é a forma plural hebraica, mas a tradução portuguesa confunde a questão, usando querubim para o singular.

10.5 
Este versículo é, essencialmente, uma duplicata de Eze. 1.24, onde há notas expositivas. A exibição divina do capítulo 1 se repete. Yahweh está sentado no seu trono-carro, preparando-se para abandonar o templo. Ele se elevará para o firmamento, desaparecendo totalmente da vista dos homens ímpios de Jerusalém. A cidade, um imenso depósito de pecados e violações da lei, ficará ainda pior, não será mais habitável. Os pecadores e irracionais tomarão conta e a cidade será parte do próprio inferno.

Deus Todo-poderoso. O hebraico do título divino aqui é El Shaddai, nome composto que significa Poder Soberano, ou Soberano Onipotente. Cf. Eze. 17.1. O Poder, outrora protetor de Jerusalém, agora se torna contrário e traz destruição total.

10.6-7
Os vss. 6-7 não são cronologicamente subsequentes ao vs. 5, mas formam um parêntese, aumentando a informação já dada no vs. 2. Obedecendo à ordem de pegar o fogo divino, o anjo-escriba, vestido em linho, se aproxima da fonte do fogo, localizada entre as rodas do trono-carro. O anjo ficou perto de uma roda. Uma das criaturas (querubim) estendeu a mão, pegou uma porção significativa de' brasas e as entregou ao anjo-escriba, que tinha a forma de um homem. Este anjo, com o fogo nas mãos, saiu para incendiar o lugar (vs. 7). O palco estava preparado para queimar a cidade rebelde, na realização do julgamento que Yahweh ordenara. “Os querubins, normalmente ministros da graça e da bondade de Deus, agora se tomam ministros da vingança divina” (Fausset, in loc.). Cf. Apo. 6.9,11; 18.4-7 e Mat. 22.7.

10.8
Tinham os querubins uma semelhança de mão de homem. Este versículo é, praticamente, uma duplicata de Eze. 1.8, assim colocado desajeitadamente. Provavelmente é o comentário de um redator subsequente, que quis lembrar alguma coisa da aparência dos querubins que formavam o corpo do trono-carro. A descrição é continua­ção da do capítulo 1, mas os vss. 12-13 dão detalhes adicionais.

10.9-10
Quatro rodas. Estes dois versículos repetem Eze. 1.15-16, com alguma variação insignificante. Veras notas ali, para maiores informações.

10.11-12
Uma Descrição Confusa. Estes dois versículos apresentam uma mistura confusa das figuras que pertencem aos querubins e às rodas do trono-carro. Alguns intérpretes, tentando seguir literalmente este texto, fazem dos querubins as próprias rodas do trono-carro, mas até agora os dois itens ficaram distintos. Cada querubim estava associado à uma roda e sempre a acompanhava, mas não era idêntico a ela. Ver Eze. 1.17-18 e 10.9-10 que, certamente, separam estes dois elementos do trono-carro. A NCV ajuda os leitores inserindo “as rodas” como o sujeito do vs. 11. Isto resolve o problema, mas representa uma emenda do hebraico. O vs. 12 traz “cheios de olhos”, falando dos corpos dos querubins, enquanto Eze. 1.18 (ver as notas expositivas) apresenta os olhos cercando os aros das rodas. Aproximando-se do hebraico, Charles H. Dyer, in loc., traduz; “Seus corpos inteiros eram completamente cheios de olhos”. Outros tradutores adaptam o versículo a Eze. 1.18. De qualquer modo, está em vista a onisciência de Deus. Cf. Apo. 4.8, onde as quatro criaturas são cobertas de olhos, e declaração que, sem dúvida, se originou do presente versículo desajeitado.

10.13
Ouvindo-o eu. Ezequiel escutava o som das rodas (chamadas rodas giratórias pela RSV). As rodas giravam tão rapidamente que forneciam propulsão para o veículo voar. Mas Yahweh, falando e dando ordens, era a fonte do movimento produzido pelo veículo. A lição é óbvia: a palavra do Senhor é a fonte do movimento giratório deste mundo e de toda a criação. Sua palavra criou; Sua palavra impulsiona; Sua palavra determina o destino dos homens, dos céus e da terra. O trono-carro, com suas rodas em alta rotação, se prepara para sair do templo e sumir de Jerusalém. Icabõ já pairava em cima da cidade; a glória do Senhor desapareceria.

10.14
A Confusão Continua. Este versículo também é confuso. A fonte é Eze. 1.10, mas, aqui, temos o rosto dos querubins como: 1. do querubim; 2. do leão; 3. da águia. Também, neste presente versículo, cada criatura tem quatro rostos! Provavelmente um redator, inadequadamente copiando as figuras anteriores, confundiu o texto. Certos intérpretes, não querendo confessar o que é óbvio, tentam heroicamente reconciliar as descrições dos capítulos 1 e 10, mas suas tentativas somente aumentam a confusão. Nada nos ajuda saber que o rosto do boi era uma figura comum nas descrições dos querubins, e que assim poderíamos substituir boi por querubim e falar a mesma coisa. Alguns intérpretes dão rosto para as rodas, não para os querubins! Mas, com esse tipo de interpretação, caímos em confusão total. É melhor e mais honesto confessarmos que o escritor original ou um redator subsequente manipularam com inépcia os textos do capítulo 1.

10.15
Os querubins se elevaram. Aqui, o trono-carro se eleva, voando para cima, pronto para abandonar o lugar. A glória de Yahweh não poderia mais se manifestar onde os idólatras se tinham estabelecido. Cf. Eze. 3.23; 8.4 e 10.20,22. Chegara a hora para a glória do Senhor partir. Os querubins voaram para cima; o trono-carro se elevou, pairando sobre o átrio de Israel. As rodas giravam loucamente. Cf. Eze. 1.19-20. A propulsão levaria o veículo para longe de Jerusalém. Abandonada, a cidade sofreria calamidades múltiplas.

10.16-17
Estes dois versículos são paralelos a Eze. 1.20-21; ver as notas, com algumas pequenas variações. As duas passagens enfatizam a soberania de Deus (ver a respeito no Dicionário); Seus atos soberanos deram para o templo Sua glória e importância. Também removeram o que fora dado; Seu poder abençoou e também amaldiçoou. Ver no Dicionário o artigo intitulado Teísmo. O Criador intervém na Sua criação, não a abandona como ensina o Deísmo (ver a respeito no Dicionário). O Poder Supremo recompensa ou julga de acordo com as provisões da lei moral.

10.18
Então saiu a glória do Senhor. Cf. o vs. 4 deste capítulo. A glória de Yahweh saiu do Santo dos Santos e hesitava um pouco na entrada do templo (ver Eze. 9.3). Lá estava o trono-carro pronto para partir. A Pessoa e a Glória do Senhor logo partiriam no seu veículo. Esta partida da presença e da glória de Yahweh marca o início do fim da cidade, que ficaria totalmente sem proteção. A espada do exército babilônico era a Espada do Senhor. Cf. Deu. 31.17. A maldição divina arrasaria a cidade e a reduziria a pó. Cf. Osé. 9.12.

10.19
A glória do Deus de Israel estava no alto. O Cavaleiro Divino está sentado em seu carro; as rodas giram loucamente, o veículo é propulsionado, eleva-se, para momentaneamente junto ao Portão Oriental do templo, a entrada principal do sol, “o portão de retidão”, o “portão do Senhor” (Sal. 118.19-20). As “antigas portas” (Sal. 24.7,9) não veriam mais a presença divina. O Talmude (Jerusalém, Erubin, V. 22c) traz “portão do sol”. Ver no Dicionário o artigo chamado Portão Oriental, para maiores detalhes. Através daquele portão, o rei e a arca da aliança entraram nos dias de procissão sagrada na celebração do Ano Novo. Também foi através daquele portão que surgiram os raios do sol da madrugada. O Portão Oriental estava perfeitamente alinhado com o sol nos dias dos equinócios. Foi apropriado, portanto, que Yahweh, pronto para sumir do templo de Jerusalém, parasse um pouco no Portão Oriental. Mas em que o ato ajudou? A história sacra havia terminado, a glória fugiria e o culto de Yahweh abandonaria o povo e seu templo idólatra. Fim! O segundo templo renovaria, em termos menores, a velha glória. Mas a glória do templo de Salomão nunca voltaria, e a arca da aliança estava destruída ou perdida em algum lugar na Babilônia. Aquela geração apóstata morreu miseravelmente no meio das corrupções que tinha fomentado. Sim, morreu como aqueles rebeldes no deserto das vagueações de Israel, no tempo de Moisés. Muitos não entraram na Terra Prometida, ficaram para sempre no deserto.

10.20
São estes os seres viventes que vi debaixo do Deus de Israel. As criaturas vivas (os querubins) formavam o corpo do trono-carro. Note-se o título: Elohim, o Poder de Israel. Vemos o Senhor Soberano sentado no veículo, pronto para dar as ordens da partida final. Vero vs. 15 e cf. Eze. 1.26. A visão original se manifestou perto do rio Quebar; agora, tudo se repete em cima do templo. Em espírito, o profeta viajou para Jerusalém para ver as visões maravilhosas da gló­ria do Senhor. Deixou seu corpo perto do rio e, sem obstáculos, viajou em espírito. 

10.21
Este versículo repete “Eze. 1.8,10,23. Mas a confusão do vs. 14 é preservada. Cada criatura viva apresenta quatro rostos, em vez de apenas um. Alguns intérpretes veem nas repetições um esforço para enfatizar certos detalhes. Outros culpam o redator de repetição inútil, porque certos detalhes das descrições tinham atraído sua atenção e ele não resistiu à tentação de repeti-los.

10.22
Eram os mesmos seres. Aqui, o autor original, ou um redator, poupa-nos de mais repetições, meramente asseverando que os querubins que ele viu, perto do rio Quebar, eram idênticos àqueles da visão presente. As imagens do capítulo 1 se repetem no capítulo 10 e representam as mesmas realidades. O trono-carro do capítulo 1 é o mesmo veículo da partida de Yahweh, do templo e de Jerusalém, do capítulo 10. Icabõ estava escrito sobre Jerusalém e seu templo; de fato, sobre todo o Judá. Os judeus foram entregues às mãos dos atormentadores-executores do norte.