Estudo sobre Colossenses 4:2-6
Estudo sobre Colossenses 4:2-6
Depois da vida doméstica Paulo passa a tratar novamente da igreja como um todo. Está em pauta a participação dela no serviço missionário através da oração e do testemunho. A oração está em primeiro lugar, por ser a ação decisiva. Nossa tradução “perseverar na oração” é por demais desgastada e não apreende integralmente o sentido de proskarterein. Orar precisa ser constantemente o alvo firme da vontade da igreja. Não pode ser realizada em segundo plano. Trata-se de um trabalho sério, para o qual é preciso abrir espaço permanentemente. Por essa razão a solicitação subsequente de “vigiar” não se refere somente à postura atenta e atenção interiores em contraposição à recitação sonolenta e indiferente na oração. “Vigiar” também deverá ser entendido literalmente como “vigília”. Como os colossenses, p. ex., os escravos, terão tempo suficiente para orar intensa e demoradamente? Vocês terão de sacrificar horas da noite, responde Paulo. É o que ele mesmo fazia, visto que seus dias estavam superlotados com trabalho para seu sustento, com evangelização, cuidado pastoral e correspondência da manhã até a noite. Agiu assim seguindo o próprio Senhor Jesus. Agora também os colossenses podem ingressar nesse mais importante dos serviços com a mesma determinação. Paulo confia que eles também não farão tais sacrifícios de mau grado, mas “com ações de graças”. É nisso que consiste primordialmente a solicitação tão importante: não permitir que a oração seja apenas pedir e interceder, mas permitir o devido espaço à gratidão por tudo que Deus já fez e concedeu. No entanto, uma oração com lúcida gratidão tem em mente todo agir e dar, proteger e ajudar de Deus. Será uma oração alegre, ainda que demande horas noturnas.
Essa oração dos colossenses também se torna cooperação na missão de Paulo. “Suplicai ao mesmo tempo também por nós.” É por isso que a oração é preciosa, pois por meio dela somos real e ativamente envolvidos em obras geograficamente muito distantes. Porventura você deseja realizar algo grandioso em prol da gloriosa causa de Jesus, apesar de sua pequena força, de ser tolhido pelo trabalho profissional, da sua família em sua localidade, talvez até mesmo apesar de retido no quarto ou no leito pela idade avançada e pela enfermidade? Então torne-se uma pessoa que ora e “vigia nisso com ação de graças”!
Por que isso é assim? Por que até mesmo o grande e autorizado Paulo carece da oração dos colossenses? Porventura não tinha a incumbência, não tinha a rica experiência, não tinha o zelo ardente? Certamente que sim. Tampouco está sozinho, pois tinha junto de si colaboradores, com certeza Timóteo, como mostra no pedido o “nós”. No entanto, o que lhe cabe anunciar é “o mistério do Cristo”. Precisamente na presente carta ele apresentou esse mistério aos colossenses de forma poderosa. Agora sabem com clareza que na verdade o evangelho é a única resposta verdadeira às perguntas existenciais do ser humano, que a filosofia formula mas não responde, e que este evangelho também representa a única solução real para as aflições mais profundas do ser humano. Justamente por isso, porém, ele não é uma mensagem que qualquer pessoa possa compreender com facilidade ou que, como outras filosofias, possa ser apresentada de forma convincente com a necessária “oratória”. Jesus, o “primogênito de toda criação”, por meio do qual e em direção do qual tudo foi criado, Jesus, que “estabeleceu a paz por meio do sangue de sua cruz”, Jesus, com o qual nós podemos ser “co-mortos” e “co-ressuscitados” – que mistérios essenciais são esses que (como diríamos hoje) somente podem ser captados “existencialmente”! Por isso é preciso que, como outrora no caso de Lídia, Deus abra o coração para o evangelho. Paulo formula aqui: “abrir uma porta da palavra”. Esse genitivo não significa apenas “abrir uma porta para a palavra”. A palavra não é imaginada apenas como um dado objetivo que agora pode entrar no íntimo do ser humano pela porta aberta. Ao mesmo tempo a própria palavra é uma porta, ela própria possui uma força ativa que produz abertura, uma força que lhe precisa ser conferida por Deus. Isso se evidencia pelo fato de que as formulações seguintes se referem justamente à maneira correta da proclamação: “a fim de dizer o mistério do Cristo, para que eu o torne manifesto, assim como tenho de dizê-lo.” Sem dúvida “o mistério do Cristo” constitui determinado elemento objetivo, concedido de uma vez por todas em tudo que Deus realizou ou ainda realizará em Cristo, da criação até a consumação. Mas Paulo não pensa simplesmente de forma “ortodoxa”. Assim como “crer” não é simplesmente concordar com uma doutrina correta e reconhecida como tal, mas “ressuscitar junto com Cristo”, assim também a proclamação, o “dizer” do mistério de Cristo, é um “testemunhar” (1Co 4.15) e “dar à luz” (Gl 4.19). Importa “tornar manifesto” este mistério. Para isso existe uma “obrigação” divina. Mais uma vez cabe entender esse “tem de” de forma muito profunda e séria do que nosso uso desgastado da palavra inicialmente deixa transparecer. Essa “obrigatoriedade” divina não se cumpre simplesmente por si, mas precisa ser constantemente cumprida por Paulo e seus colaboradores. O ensino objetivamente correto (a doutrina “condizente com a Escritura”) poderia ser feito por uma bem-elaborada teologia pessoal, como no fundo sempre foi intenção de toda ortodoxia. Mas “dizer o mistério de Cristo assim como ele tem de dizê-lo” é algo que não pode ser alcançado nem mesmo pela melhor e mais correta teologia, por mais importante que de fato seja a clareza teológica. A força “de abertura” da palavra não é assegurada por nenhum tipo de zelo, por mais ardente que seja. Nenhuma “experiência” de longos anos de serviço abençoado garante alguma coisa neste caso. Sim, até mesmo a eleição e autorização fundamentais apenas apresentam a tarefa, sem lhe dar uma solução automática. Aqui há necessidade de que Deus “abra” e conceda, algo de que nenhum ser humano, nem mesmo um mensageiro autorizado e experiente dispõe. Unicamente Deus abre a porta da palavra. A cada hora Deus concede novamente o “como tenho de dizê-lo”. Por isso é preciso suplicá-lo sem cessar.
Não é por acaso que Paulo acrescenta: “pelo qual também estou algemado.” Isso não é apenas constatação de um fato. Por meio desse fato Paulo mostra aos colossenses como é estranho o “mistério do Cristo”. Não é uma “doutrina” que se pode considerar correta ou também rejeitar como incorreta. Ele acomete de tal forma o ser humano e possui relações tão profundas com sua natureza mais íntima que, ao ser rejeitado, suscita o ódio e a inimizade. Esse ódio é tão visceral que não se satisfaz com escárnio e palavras violentas. Pelo contrário, não sossega até ver o mensageiro dessa mensagem acorrentado. Precisamente nisso se apresenta mais uma vez aos colossenses o “mistério” do Cristo: assim como ele mesmo, o crucificado e assassinado, é o Redentor de todos e o vitorioso para Deus, assim ele, o Senhor do universo, conduz sua causa na terra por intermédio de um – homem algemado! Como é deveras maravilhoso não apenas o conteúdo do evangelho, mas igualmente sua trajetória através do mundo! Será que os colossenses compreendem agora quanta oração perseverante, alerta e engajada precisa estar por trás de toda missão? Será que nós também compreendemos isso com eles?
O serviço da oração é decisivo. Mas ele se tornaria insincero se a pessoa que ora não se dispusesse pessoalmente também para o serviço de testemunhar. Oro por você, e em troca você fala, se empenha, luta e sofre por corações humanos – Este tipo de “divisão de trabalho” não existe na igreja. Os colossenses também participam do “falar”, do serviço missionário direto. Obviamente não como um “apóstolo”, que tem uma incumbência de amplitude mundial, ou como Timóteo, no serviço itinerante em determinados locais distantes. Contudo também eles têm um “lá fora”, para onde são enviados: as muitas pessoas em sua cidade que ainda estão “lá fora”. O NT ainda não tem conhecimento de todas aquelas estranhas constelações mescladas com que nos atormentamos hoje em dia. Em sua perspectiva a igreja de Jesus está claramente delimitada em relação aos “lá fora”. Ninguém podia ter dúvida sobre se fazia parte da igreja de Jesus ou ainda estava “lá fora”. A “hipocrisia”, o caso dos “falsos irmãos que penetraram na igreja”, é um caso à parte. Mas Paulo não esperava que os colossenses respondessem à sua instrução com a sofisticada objeção: afinal, não sabemos quem está realmente “dentro” e quem está de fato “fora”, pois é impossível enxergar dentro do coração de alguém. Os colossenses sabiam muito bem quem, em seu círculo de conhecidos e familiares, era “incrédulo” (ou seja, alguém que ouviu o evangelho, mas o rejeitou) e quem era “leigo” (ou seja, alguém que ainda era ignorante em relação ao evangelho).
É, pois, ali que reside a tarefa missionária dos colossenses. Agora, porém, Paulo não incentiva a igreja a maiores promoções evangelísticas. Na situação daquele tempo, a “evangelização pessoa-a-pessoa” era considerada decisiva. A grande oportunidade de evangelizar o povo é o constante encontro com pessoas “lá fora”, nas oportunidades proporcionadas pela profissão, pelo comércio, pela vizinhança e pelo trânsito. Inicialmente isso ainda não se refere à palavra dirigida ao outro. Disso Paulo falará depois. No começo trata-se de “andar contra os de fora”. Evidentemente preferiríamos traduzir o termo, muito utilizado, com “comportar-se diante”. Afinal, a presente passagem não quer dizer que nossa vida como cristãos, nossa conduta em si deve ter força de atração ou de convencimento. Pelo contrário, visa-se nosso contato direto com os outros, aparentemente já no sentido da conversa com eles. Porque no trato com os demais não se demanda coisas como “amor”, mas “sabedoria”. É óbvio que Paulo não precisa afirmar que a igreja não deve se isolar. Os cristãos relacionam-se de múltiplas formas com não-cristãos de todos os tipos. Paulo igualmente pressupõe que visam conquistar o outro nesse relacionamento, que esse assunto é o tema essencial nos diálogos. Mas importa-lhe que tudo isso aconteça “com sabedoria”. Na difícil tarefa do convívio correto com pessoas “lá fora” não basta apenas a boa vontade. A melhor das vontades e o mais ardente zelo estragam muita coisa quando as coisas são feitas de forma desajeitada e errada! Mas Paulo não considera a sabedoria inatingível para a igreja. Sabedoria é gerada pelo Espírito Santo, e o Espírito Santo habita nos crentes.
O adendo “remir o tempo oportuno” mostra que essa sabedoria específica não refere à aptidão no falar, mas a compreender a situação e reconhecer a hora certa para o testemunho eficaz. A linguagem daquela época tinha dois termos diferentes para nossa palavra “tempo”. Chronos (que conhecemos a partir das palavras “crônica” e “cronologia”) significa o curso do tempo de forma neutra, o tempo que vemos passando incessamente no relógio. Em contraposição, kairós é o tempo qualificado, o “tempo certo”, a “hora certa”, o “momento favorável”. Como é tola a ideia de que pudéssemos dizer tudo a todos a qualquer hora! Uma mesma frase, em ocasião inoportuna, pode amargurar e endurecer um coração e, na oportunidade certa, abrir e atingir salutarmente o mesmo coração. Por isso a sabedoria presenteada pelo Espírito precisa mostrar quando nos cabe falar e quando calar, quando interpelar a outra pessoa com firmeza e quando esperar com afetuosa paciência. A sabedoria espiritual nos ensina a reconhecer e aproveitar “a hora”, que talvez jamais retorne dessa forma no encontro com outra pessoa.
É evidente que na hora apropriada também é preciso falar a palavra correta. É disso que Paulo passa a falar. A frase começa literalmente: “Vossa palavra sempre em charis, temperada com sal” Falta um verbo, que precisamos acrescentar segundo nosso linguajar. A locução “em charis” aqui é muito difícil de traduzir. A palavra charis traz em si um grande número de conotações. Significa “graciosidade”, “amabilidade”, “encanto”, mas igualmente “graça”. Não temos expressão equivalente em nosso idioma. Se destacarmos a “amabilidade” da fala, faltará com certeza a referência também intencional a seu “encanto”, e vice-versa. E em ambos os casos faltaria a conotação, tão clara ao ouvido grego, do conhecido termo cristão “graça”. Teríamos de parafrasear de uma maneira pouco fluente: “Sua palavra demonstre o jeito amável e encantador que é concedido pela graça”, ou “Sua palavra corresponda em seu jeito encantador e amável à graça que ela testemunha ao semelhante”. O adendo “temperado com sal” não é uma correção, a fim de excluir da uma falsa “debilidade” do aspecto “amável”. Afinal, não vem precedido de “mas igualmente”. Ou seja, Paulo descreve o aspecto cativante da palavra a partir de outro ângulo. Comida insossa, sem sal, não apetece a ninguém, e ninguém gosta de se servir dela em quantidade. Por isso a palavra de vocês deve ser “interessante” no bom sentido, deve despertar a vontade de ouvir mais, deve chamar a atenção e impressionar bem o outro. Deve realmente “ter algo a dizer”.
Porque na realidade nosso serviço não acontece em forma de “palestra”, mesmo que diante de um grupo pequeno. Realiza-se no diálogo. Quantas vezes o próprio Paulo deve ter exercido seu ministério desse modo, e com certeza não apenas em Atenas, onde é mencionado expressamente! Paulo não parte do pressuposto de que nosso testemunho sobre Jesus conquista o outro de imediato, e de forma alguma considera que nosso empenho fracassou se inicialmente resultar apenas perguntas e objeções. Porque essas perguntas e objeções na verdade dão prosseguimento ao diálogo e mostram que o outro foi atingido por nossa mensagem e se ocupa com ela. É evidentemente necessário, porém, que o cristão saiba responder! De nada adianta, nesse caso, a mera repetição de fórmulas conhecidas. Toda pergunta, toda objeção, tem uma coloração específica por causa da pessoa e da situação do parceiro de diálogo. Por isso é necessário “que saibais como deveis responder a cada um”. Não somente no grande serviço missionário de Paulo, mas também no diálogo tranquilo na rua ou na casa em Colossos importa o “como” da proclamação e existe um “tem de” que requer concretização (cf. v. 4). Afinal, justamente como cristãos não podemos responder com hábil dialética nem fundamentar nossa mensagem de maneira tão plausível para o outro que ele entenda tudo e concorde com tudo. Pelo contrário, nossa resposta precisa ter o peso da premência divina, ela precisa vir de Deus para o coração e a situação do outro. A condução do diálogo evangelístico não é questão de “inteligência”, da arte de esgrima intelectual, de erudição científica. Muitas vezes uma pessoa simples, que ora e se serve da sabedoria do Espírito Santo, acerta com maior segurança esse “tem de” no diálogo. A palavra surpreendente, afetuosa e temperada com sal expressará exatamente aquilo que “tinha de” ser dito a essa pessoa naquele instante e que por isso também atinge o coração e a consciência como um golpe de espada.