Estudo sobre 1 Coríntios 3:1-3
Estudo sobre 1 Coríntios 3:1-3
Também Paulo conhece uma sabedoria divina autêntica, pela qual os coríntios anseiam. Contudo, não lhe foi possível transmiti-la justamente a eles. A razão da deficiência que sentem no trabalho de Paulo entre eles não reside na pessoa de Paulo, mas neles mesmos. Somente “entre os perfeitos” Paulo podia e queria falar “falar sabedoria” (1Co 2.6). Porém no começo, quando a igreja foi fundada, eles não eram nem poderiam ser “perfeitos”. Naquele tempo ainda eram “pessoas carnais”. Paulo emprega o termo sarkinos, fazendo uma distinção com o termo sarkikos, posteriormente usado de modo consistente a fim de caracterizar de forma bem objetiva e sem depreciação que sua natureza de fato era carnal. Naquele tempo eram “carniformes”, não “carnais”, mas nesse sentido não deixavam de ser “pessoas carnais”. Era isso que a proclamação de Paulo precisava levar em consideração. “Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, mas como a pessoas carniformes” [tradução do autor].
Pela proclamação eles foram levados a crer. Por meio dela tornaram-se pessoas “em Cristo”. Havia sido concedida a eles toda a realidade do ser cristão, com sua imensurável riqueza.86 Paulo não retira o que afirmou sobre a igreja na ação de graças da saudação inicial. Não obstante, interiormente eles ainda não eram emancipados, eram imaturos, e muito menos “perfeitos”.87 Estavam “em Cristo”, mas eram “crianças em Cristo”.
O trabalho e a proclamação de Paulo precisavam ser ajustados de acordo com essa realidade. “Leite vos dei a beber, não alimento”. Paulo teve de parar no bê-á-bá da mensagem.88
Tudo isso é dito no passado. Naquele tempo, quando a vida da igreja começara, isso era completamente normal e compreensível. Infelizmente, porém, isso não permaneceu no “passado”. Essa condição, que deveria ser algo do passado, perdura até hoje e, como “presente”, torna-se anormal e preocupante. As “crianças” já deveriam ter se tornado “adultas” e ser capazes de suportar “alimento”. “Porém não (o) suportais nem sequer agora; pois ainda sois pessoas carnais” [tradução do autor].89 Agora é empregada a áspera expressão sarkikoi (“carnais”), ou seja “pessoas carnais” no verdadeiro sentido.
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Como Paulo chega a esse juízo severo sobre uma igreja que tem um conceito tão elevado de si mesma, que é reconhecida também por Paulo como uma igreja autêntica, como uma comunidade de “santos chamados” (1Co 1.1), e em cujo meio de fato se desenvolve a vida eclesial tão rica e movimentada que Paulo descreverá em 1Co 14.26? Agora se confirma o que há pouco constatamos como característica essencial da “pessoa espiritual”, que “julga todas as coisas” [1Co 2.15]. A carência espiritual dos coríntios não se mostrava na ausência de pensamentos elevados ou de dons e poderes notórios. Eram ricos em “toda palavra” e “todo conhecimento”, não estando em desvantagem em relação a nenhuma igreja em “nenhum dom da graça” (1Co 1.5,7). Contudo, em relação a Paulo é altamente marcante que ele não considere tudo isso como essência de uma existência plena do Espírito, mas que ele caracterize uma igreja com uma vida eclesial intensa (1Co 14.26), com falar em línguas e dom da cura como “carnal” e “não emancipada”, porque há “ciúme e contendas” em seu meio. “Já que há entre vós ciúme e contendas, não é que sois carnais e vos comportais de maneira meramente humana?” [teb]. Nesse aspecto ostentam totalmente a velha natureza humana, pois é justamente isso que caracteriza o “ser humano” como ele é por natureza. Isso é o contrário da “mente de Cristo”.
Aprendemos a nos defender contra a “moralização” do cristianismo. Voltamos a compreender que em primeiro lugar importa a “primeira tábua” dos Mandamentos. É o Primeiro Mandamento que afere o que é “pecado”, e a nova vida da pessoa redimida e renascida se revela no grito infantil “Abba Pai”, e no amor a Deus, em conseguir orar, em viver a partir da palavra. Agora, porém, não devemos ignorar que o próprio Jesus fez um acréscimo à citação do Primeiro Mandamento, como sendo o maior e principal: “O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” [Mt 22.39]. Na presente carta Paulo se revela como discípulo e mensageiro autêntico de Jesus. Para ele, ciúme e discórdias na igreja não são coisas insignificantes comparadas às grandes maravilhas do falar em línguas e de outros dons espirituais, mas tornam-se condenação para a igreja e, não obstante sua efusiva vida espiritual, revelam-na como “carnal”90 e não divina. Tão séria é a questão de nosso convívio fraterno e das coisas da “segunda tábua”!
Índice:
1 Coríntios 3:1-3
Notas:
86 Todos nós conhecemos essa realidade desde os primeiros tempos em que nos tornamos cristãos. Jubilosos e gratos aceitamos a redenção por intermédio da cruz de Jesus e vivemos de acordo. Porém ainda não entendíamos tudo e de forma alguma captávamos a sabedoria de Deus com seu grande plano de salvação. Ainda éramos criancinhas.
87 Como isso é importante para nós! Temos tanta facilidade de viver em sistematizações falsas, e a partir daí numa falsa alternativa: cristãos completos ou nada. No entanto, realmente existe o que está sendo exposto em Corinto: uma verdadeira igreja, santos vocacionados, ricos na palavra e no conhecimento, porém simultaneamente ainda “carniformes” e “não emancipados”, com graves danos e deformações. Nessas situações é preciso que preservemos firmemente ambas as coisas: plena gratidão pela obra de Deus no ser humano, e uma implacável e clara visão das circunstâncias mórbidas.
88 Como o NT é vivo em suas formas de expressão! “Beber leite”, que para Paulo e a carta aos Hebreus (Hb 5.11-14) constitui mera condição inicial, é para Pedro a caracterização da própria “alimentação” do cristão: 1Pe 2.1s.
89 É precisamente essa a dificuldade de nossas igrejas, que ao longo dos anos e das décadas continuam sempre, de forma idêntica, “não emancipadas”, vivendo nas práticas e nas enfermidades da infância.
90 Ao mesmo tempo precisamos aprender que a palavra “carnal” de forma alguma se refere apenas ou em primeira linha à esfera sexual. Unilateralmente costumamos ver o “pecado” e a “carne” apenas nessa área, julgando com extremo rigor tudo o que ocorre dessa forma. Paulo, porém, constatava a natureza “carnal” dos coríntios em “ciúme e contendas”, ou seja, em coisas que nós infelizmente toleramos com demasiada facilidade, justamente também nos grupos de fiéis.