Estudo sobre 1 Coríntios 3:21-23

Estudo sobre 1 Coríntios 3:21-23



“Por isso ninguém faça consistir sua glória em pessoas” [tradução do autor]. Mais uma vez Paulo retoma os conflitos em Corinto, dos quais partira em 1Co 1.10. Em toda a poderosa exposição de 1Co 1.18—3.20 ele sempre teve este ponto de partida diante dos olhos. Por mais que parecessem ser apenas dificuldades isoladas e erros desconexos, é profunda sua razão última e verdadeira. São sintoma exterior de que se ignora a mensagem da cruz e a condição do ser humano perante Deus. Por isso, pois, vale agora também o inverso: acaba o gloriar-se em pessoas quando se reconheceu a realidade do ser humano diante do Cristo moribundo na cruz. Acaba o gloriar-se em pessoas quando toda a verdadeira sabedoria é tão-somente dádiva presenteada pelo Espírito Santo. Nesse caso ainda podemos “gloriar” alguém. Porém cobrimos de glórias unicamente o Senhor, que presenteia tão ricamente sua igreja com seus mensageiros e servos. Persiste o que Paulo afirmou em 1Co 1.31.

Paulo faz questão de que a igreja veja em que dependência indigna ela cai quando permite facções, enquanto na verdade tem o privilégio de uma posição régia: “Tudo é vosso.” Será que deverá transformar isso num precário: “Eu sou de Paulo, eu de Apolo”? Não, justamente o contrário: Paulo, Apolo, Cefas pertencem a ela! Existem para a igreja, para a sua edificação.110 Cada um deles tem seu dom específico nessa edificação, que não precisa ser negado ou diminuído. Cada qual tem suas incumbências, que justamente ele tem o privilégio de cumprir. Porém todos são “servos” (v. 5), e o alvo não são eles e sua fama, mas a edificação da igreja para a glorificação daquele que a adquiriu mediante seu sangue. Na sequência Paulo se torna mais ousado e vigoroso. Não apenas os enviados de Deus pertencem à igreja, não, até mesmo “o mundo” lhe pertence. Isso é a inversão plena de todas as amarras ao mundo e de todo o medo diante do mundo. Como se nota pouco dessa liberdade e majestade régia na igreja! A ela pertencem tanto a “vida” como a “morte”. Portanto foi liberta tanto do medo de viver quanto do temor de morrer. Em 1Co 15.26 Paulo há de chamar a morte de “último inimigo”, reconhecendo toda a sua gravidade letal. Por isso, sua declaração à igreja é uma afirmação poderosa: também a morte é vossa! Isso supera até o triunfo de Rm 8.38s. Ali apenas se atesta que a morte não é capaz de nos separar do amor de Deus em Cristo. Aqui se afirma ainda mais, a saber, que ela até nos “pertence”, ou seja, precisa nos servir, por mais dura e ferrenha que continue sendo para nós o último inimigo. O “presente” é nosso, por mais sombrio e difícil que possa ser. Não precisamos tentar passar por tudo através de nossa própria “astúcia”, mas podemos fazer uso dessas “coisas presentes” assim como são, em favor de nós e de nossa vida em Cristo. Contudo estendemos a mão da fé também sobre o “futuro” ainda desconhecido. Não importa o que são essas “coisas futuras”, elas terão de nos servir.


Vocês coríntios consideram precária a proclamação de Paulo e buscam algo mais elevado? Será que existe algo maior do que isso? Será que aquilo que a palavra da cruz traz não é tão poderoso que vocês infelizmente nem sequer começaram a fazer uso de toda a glória da posse de vocês?

Por que, afinal, tudo isso é verdade? Por que essas não são meras palavras grandiosas e retórica eloquente? Tudo está baseado na singular circunstância: “Mas vós sois de Cristo” [teb]. Se isso não for verdade, todo o resto tampouco terá validade. Pois somente o Cristo crucificado nos remiu do mundo, da culpa, da morte. A ele “pertence” tudo, as “coisas presentes” e as “coisas futuras”. Por pertencer a ele, pertence também a nós, desde que sejamos pessoalmente sua propriedade, seus redimidos, seus fiéis. E tudo lhe pertence porque ele mesmo “é de Deus” integralmente, tendo confirmado e preservado em obediência até a morte, sim, até a morte da cruz, essa posição de Filho em relação ao Pai.

É uma sequência maravilhosa que Paulo mostra à igreja. Deus é dono de tudo, isso é inquestionável. Mas Jesus é capaz de dizer: “Todas as coisas me foram dadas por meu Pai” (Mt 11.27). “Toda a autoridade me foi dada nos céus e na terra”, declara o Exaltado à direita de Deus (Mt 28.18). Porém, como cabeça de seu corpo, ele, por amor, passa sua glória aos seus, conquistados pelo preço de sua vida. Por isso “tudo é vosso”. Essa sequência do dar, porém, possui também a correspondente direção inversa. Seu começo em nós chama-se “crer”, o “sim” pessoal à nossa preciosa redenção por intermédio do sacrifício na cruz, a entrega do coração e da vida a Jesus. Nele e com ele pertencemos, então, a Deus e somos seus filhos e, por consequência, também herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo.

Cabe prestar atenção em mais um aspecto quando comparamos os v. 22s com a primeira afirmação sobre as facções em Corinto em 1Co 1.12. Paulo inverte enfaticamente as primeiras três de 1Co 1.12. O “eu sou de Paulo” é transformado em “Paulo é meu” ou melhor: “Paulo é nosso”, porque, afinal, não pertence ao indivíduo em si, mas à igreja. A quarta confissão “eu sou de Cristo” é deixada como estava. Esta precisa permanecer assim. Porém, com toda a certeza é preciso afastar a ênfase facciosa do “eu”, que envenena a afirmação. Pois não sou “eu” que pertenço a Cristo, não o “meu grupo”. É a igreja que lhe pertence. Quando os coríntios compreendem e confirmam que todos nós somos “do Cristo” de igual modo, e que Paulo, Apolo, Cefas pertencem a todos nós de igual maneira, então está tudo bem, então existe concórdia e paz na igreja.



Notas: 
110 Isso vale do mesmo modo para as igrejas dos fiéis de hoje e para todos os homens e mulheres “notáveis” que Deus concedeu durante a história do cristianismo. Também a nós pertence Paulo, pertencem Lutero, Calvino, Wesley, pertence uma série de nomes difícil de ser concluída. Como somos ricos! Por que não nos alegramos muito mais com essas riquezas?