Estudo sobre Apocalipse 18:23-24
Estudo sobre Apocalipse 18:23-24
No v. 23 surge um novo tópico. Em lugar de “voz”, agora “luz”. Silenciando todos os ruídos houve silêncio sepulcral na Babilônia (Ez 27.32). Agora formam-se também trevas sepulcrais. Também jamais em ti brilhará luz de candeia. No grego “luz de candeia” ocorre sem artigo (cf. Jr 25.10). A expressão, portanto, é tão genérica quanto possível. Trata-se da luz de lâmpadas em geral, o sinal da habitação humana e da vida cultural humana, diferente da simples natureza. A candeia acesa era tida no AT como símbolo da vida segura e condizente com a dignidade humana.899 Além disso, podemos tomá-la precisamente como indicação do mar de luzes numa grande cidade, como até hoje chama atenção das pessoas do campo. Também ao ser descrita a nova Jerusalém, no cap. 21, a questão da iluminação ocupa um grande espaço.
Retoma-se mais uma vez o motivo da voz, porém agora como sinal da alegria. Nem voz de noivo ou de noiva jamais em ti se ouvirá. Jeremias gostava de mencionar a alegre algazarra das bodas como essência da alegria humana, falando nesse contexto de “júbilo, alegria e regozijo” (Jr 7.34; 16.9; 33.11).
Conforme Lilje esse pequeno trecho é a parte poeticamente mais significativa e impressionante do livro, um canto fúnebre lírico, quase meigo, um lamento sobre o desaparecimento de uma cultura, que representa ele próprio um pequeno documento de cultura. Diante disso, vale ressaltar aqui pensamentos anteriormente emitidos (excurso 15e). Eles se impõem aqui de forma mais direta que, p. ex., na apreciação da lista de mercadorias. Naquele texto (v. 12-14) já não era a negação da cultura que tinha a palavra, embora o rol contivesse em parte artigos que tinham de ser citados com desaprovação. Aqui esse tom está totalmente ausente. Tudo é dito com simpatia, quase com nostalgia. Basta lermos com atenção esses versículos comoventes para reconhecer que não ressoa aqui a berrante euforia de um bárbaro diante do destroçamento da cultura (cf. Brütsch).
Quando o texto delineia as cinco áreas da cultura (arte, artesanato, alimentação, civilização e família), ele não está citando cinco pecados mas cinco dádivas de Deus. Ele as concede também a uma humanidade que não quer saber nada dele. “Porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5.45). Mesmo na Babilônia ainda existe sempre certa proporção de arte nobre, trabalho honesto, abastecimento e administração úteis, civilização solícita e convívio humano acolhedor. Um sistema cultural não seria capaz de durar um único dia somente com mentira, exploração, luxo, imoralidade e vaidade. Foram a bondade de Deus e uma plenitude de seus dons de múltiplas formas que repetidamente prolongaram a existência da Babilônia.
Desse modo ressoa diante do desaparecimento dessa grande cidade não apenas o clamor dos comerciantes que veem perder-se seu mercado consumidor, mas também o lamento sincero dos anjos no céu. Ao mesmo tempo reconhecemos agora também com maior clareza a natureza desse processo de juízo. Ele consiste não tanto de intervenções, porém, mais da interrupção de outras medidas por parte de Deus. Ele interrompe sua regular e longânime condescendência com esse mundo. E enquanto suas forças criativas e mantenedoras da criação estão ausentes, acontece a “criação ao revés”. Tudo torna a submergir no silêncio e nas trevas iniciais de Gn 1.2a (cf. o exposto sobre Ap 8.1).
Os versículos finais fundamentam uma última vez o juízo. Pois os teus mercadores foram os grandes da terra. Essas palavras contêm acusação. Na Babilônia os comerciantes não somente eram poderosos, mas o poder máximo, que também exercia o domínio na área intelectual e psíquica.900 Sua ideologia de comerciante penetrava tudo e abusava de tudo, mercantilizou tudo em faturamento e lucro. Esqueceu o irmão e também o defensor do irmão, a saber, o Deus vivo. Representava uma orgia total do egoísmo, na qual a defesa de interesses nua e crua eliminava qualquer vínculo ético.
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Ao contrário do v. 11, poderia estar sendo falado dos comerciantes que foram moradores da Babilônia. Contudo, vale levar em conta nessa consideração que esses senhores têm uma orientação totalmente cosmopolita, e sobretudo que “Babilônia” na verdade é apenas a condensação de uma realidade que preenche o mundo todo. É isso que a continuação chama imediatamente à memória.
Porque todas as nações foram seduzidas pela tua feitiçaria. A segunda justificativa resulta da primeira. Os grandes poderosos tiveram o êxito correspondente. A metáfora utilizada certamente tem como ponto de referência a prática das prostitutas, que desde tempos antigos colocam pós no vinho de suas vítimas, a fim de anestesiar e inebriá-las. Em Na 3.4 a metáfora é relacionada com a cidade Nínive, que inicialmente embriagou os povos, para depois assaltá-los e saqueá-los (Is 47.9 em relação à Babilônia).
Recordamo-nos do que consistia essa inebriante “ideologia de comerciante” na Babilônia de acordo com o cap. 18: uma liberação geral para projetar-se com a defesa nua e crua de interesses. Vale como ético o que favorece esses interesses. A vantagem pessoal é a deusa que decide sobre o bem e o mal. Isso é assassinato em potencial. É por isso que o grande capítulo da Babilônia culmina no desmascaramento da natureza assassina dessa cultura.
E nela se achou sangue de profetas, de santos e de todos os que foram mortos sobre a terra. Foi portanto essa a razão por que todas as boas dádivas dos v. 21-23 não mais foram achadas na Babilônia, porque em suas ruas foi encontrado o sangue das testemunhas de Deus. O fato de que a cidade silenciou esses lábios e lançou ao vento a última advertência deles (Ap 11.7) acarretou o ponto final para sua história de culpa.
Está pressuposto que essas testemunhas se posicionaram em nome de Deus a favor das pessoas e contra aquela ideologia de mercador. Assim como no passado no Egito Deus reclamou seus seres humanos da escravidão através de Moisés e Arão, assim a ação se repete no fim dos dias. Contudo, como no passado o Faraó, a Babilônia se opõe e também é esmagada como aquele reino ou afundada no mar como uma pedra (cf. v. 21 com Êx 15.5).
À expressão sangue de profetas, de santos corresponde “sangue de santos e testemunhas” em Ap 17.6, de sorte que em concordância com o cap. 11 resulta a equação profetas = testemunhas. A omissão dos “apóstolos” do v. 20 não significa que o sangue deles foi derramado por alguém diferente, mas no v. 20 “apóstolo” foi simplesmente acrescentado para formar ali o número de três.
Seria o adendo e de todos os que foram mortos sobre a terra tão-somente uma formulação paralela ao pensamento já externado? Recordando Jr 51.49, compreendemos essa metade do versículo como ampliação autêntica. Além dos mártires cristãos, são lembrados agora todos os assassinados. Quem elimina o testemunho cristão, vai de injustiça em injustiça. É por isso que o fim desse derramamento de sangue pela Babilônia também será o fim de todo o derramamento de sangue. É Deus que trará esse fim.
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Apocalipse 18:23-24