Estudo sobre Apocalipse 18:9-10
Estudo sobre Apocalipse 18:9-10
A unidade citada parece dar seguimento ao discurso do segundo anjo do v. 4. Entretanto, não se pode afirmá-lo de modo incontestável. A partir do v. 9 também é possível que João esteja falando. Acompanhando Lohmeyer, porém, concebemos o cap. 18 como sendo paralelo às três mensagens dos anjos em Ap 14.6-11. Tanto lá como aqui anuncia-se a ruína da Babilônia. Frequentemente um tema idêntico ressoa várias vezes no Ap, até que seja abordado em detalhes.
Os que lamentam, i. é, os reis, mercadores e pessoas da navegação, são pessoas de fora da Babilônia. Somente os v. 22-24 falam a respeito dos verdadeiros moradores. Esses, porém, conservam-se expressamente “de longe” (v. 10,15,17).873 Por essa razão não devemos considerá-los como pessoas desvinculadas, não como meros beneficiários materiais dessa cidade. Eles se mostram intimamente solidários com ela. No passado viviam em uma admiração irrestrita pela “grande cidade Babilônia” (v. 9,16,19). Ela concretiza uma forma de vida que eles consideravam a melhor humanamente possível. Agora estão abalados, porque tudo isso é cabalmente submetido ao juízo. Para eles é inconcebível qualquer critério pelo qual realização e beleza desse tipo tenham de desaparecer do mapa. Estão assustados porque Deus não permite que se negocie sua santidade por nada, por nada mesmo. Consequentemente, eles próprios são atingidos pelo que atinge a Babilônia.
É o que expressa a maneira de seu luto. Em todos os três casos lemos a respeito de um choro forte (v. 9,11,15,19; em grego klaíein). É a dor que deseja expressar-se, à qual se contrapõe o riso. É elucidativo o texto de Lc 6.21,25. No dia de Deus chorarão em voz alta aqueles que até o fim riram seguros de si.874
No v. 9 o choro está ligado ao pranto, i. é, à cantoria de canções fúnebres.875 Faz parte do estilo dos hinos fúnebres o ai introdutório (v. 10,16,19). Também os profetas do AT prenunciaram esses lamentos fúnebres para o dia do Senhor.876
O terceiro vocábulo nesse contexto é o luto, referindo-se primordialmente às exéquias públicas em casos de falecimento (v. 11,15,19). O termo é paralelo ao pranto.
A tríplice expressão de tristeza atesta que de maneira alguma os reis, comerciantes e navegadores se sentem como quem saiu ileso. O fundo do AT em Ez 26,27 confirma-o. Em Ez 26.16 e 27.29 lemos acerca de gestos adicionais de luto. Os reis descem de seus tronos, despem seus trajes elegantes e se assentam sobre o chão. Caindo a Babilônia, quebrou-se também o poder e a dignidade dos reis.
Seria viável demonstrar em detalhe a correlação com Ez 26–28. Apenas em Ez 27 ocorre dez vezes “comércio”, “comerciante”. Aparece também uma lista de mercadorias, além de dois lamentos fúnebres com as respectivas características de estilo. É digno de nota, porém, que Ez sequer tem uma visão da destruição da Babilônia, mas a de Tiro, uma cidade que foi destruída justamente pela Babilônia. No Ap realmente não se trata de uma cidade localizável, mas de um tipo, e Ez 26–28 é usado de forma tipológica. O objetivo é que percebamos o tipo de cultura degenerada, antidivina que surge repetidamente na história da humanidade e como no final culminará pela última vez.
É importante fazer uma observação, para que a explicação do que se segue mantenha um equilíbrio. O trecho se evidencia em grande parte como um texto rítmico, construído com maestria e grande poder retórico (cf. especialmente o comentário aos v. 21-24). Na lista dos v. 11-13 chama atenção um profundo conhecimento técnico. Esses versículos são, portanto, em si mesmos uma parcela de cultura. Seria impossível que um ignorante da cultura falasse dessa maneira da ruína da cultura. Teriam lhe bastado algumas poucas palavras de desprezo, a fim de reportar que “todas essas coisas” finalmente foram destinadas à fogueira. Em contraposição, a alegria constante nesse capítulo, sobre a destruição da Babilônia, é alegria dos santos (v. 20), ou seja, alegria sagrada. Tão certo como é sagrada, abrange também um luto genuíno e sente a tragédia que se está acontecendo. A tragédia consiste no fato de que tantos valores, tanto saber concedido por Deus e, afinal, tanta bondade, paciência e longanimidade de Deus foram usadas mal. Lamentavelmente um propósito modelo de realização se imbricou com egoísmo e glória pessoal. Infelizmente uma vida rica em cultura se edificou sobre um fundamento anti-social. Uma cidade cheia de luz infelizmente evitou a luz de Jesus.
Nisso, pois, reside a tragédia. Deus queria a cultura, a saber, o desenvolvimento da humanidade em todos os aspectos.877 Não deseja que o ser humano simplesmente vegete, mas equipou-o com a capacidade de sujeitar a terra, suas riquezas e forças. Infelizmente, porém, a cultura tornou-se arrogante perante Deus, violenta perante o semelhante e empedernida perante o Cordeiro (cf. também os pensamentos expostos após Ap 18.21-23).
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Contudo a “Babilônia” não é o único caminho trilhado pela humanidade. Embora completamente encoberto pela Babilônia, apesar disso, Jesus percorreu vitoriosamente sua trajetória de Fp 2, concretizando uma existência humana diferente. Ele viveu, sofreu e ressuscitou sob Deus e a favor do próximo, ainda que seja o mais distante, o inimigo e pecador. Essa trajetória diversa, pela qual o Cordeiro conduz seus seguidores em máximo segredo (Ap 14.4), virá à luz quando a nuvem de fumaça da Babilônia se dissipar. Por isso é que os santos no v. 20 não devem deixar-se engolir pela tristeza diante da queda da Babilônia. Pelo contrário, podem alegrar-se com alegria santa.
Ora, chorarão e se lamentarão sobre ela os reis da terra. São os dez reis de Ap 17.16 que se haviam tornado eles próprios instrumentos de juízo para a Babilônia. O fato de que de fato não agiram com autonomia evidencia-se agora, quando irrompem em pranto878 diante da coluna de fumaça879 que restou da Babilônia. Estão apavorados. Agora sua existência perdeu o sentido, e fitam o vazio, pois a Babilônia era sua grande paixão. Com ela é que se prostituíram e viveram em luxúria (cf. o exposto sobre Ap 17.2; 18.3).
Exteriormente eles permanecem de longe, mas, enquanto seu ídolo está queimando, estão conscientes de que eles próprios estão julgados (cf. excurso 15b e c). Como verdadeiros enlutados eles começam o lamento fúnebre: Ai! Ai! e dirigem-se aos falecidos, como ainda hoje é comum acontecer em necrológios: Tu, grande cidade, Babilônia, tu, poderosa cidade! Como em Ez 26.17,18, seu lamento serve-se do esquema do contraste e chama à memória o antes e o agora, bem como a terrível derrocada: Pois, em uma só hora, chegou o teu juízo. De forma alguma a derrubada da Babilônia corresponde à demorada construção, ao penoso colecionar de todo esse esplendor e poder. Deus a realiza “numa rapidez” (cf. o comentário a Ap 1.1).
Índice:
Apocalipse 18:9-10
Notas: