Estudo sobre Apocalipse 18:6-8

Estudo sobre Apocalipse 18:4-5



Essas solicitações seguramente dirigem-se a anjos do juízo, cuja incumbência é executar a vingança de Deus.870 Dai-lhe em retribuição como também ela retribuiu, pagai-lhe em dobro segundo as suas obras e, no cálice em que ela misturou bebidas, misturai dobrado para ela.871 Nem em pensamentos deveríamos atribuir a Deus uma avidez desmedida por vingança. A cada passo o Ap atesta sua justiça perfeita. A medida dobrada para a Babilônia explica-se pelo fato de que a Babilônia não apenas viveu em pecado ela mesma, mas também se tornou adicionalmente um poder de sedução de primeira grandeza, que arrastava o mundo inteiro para o seu pecado. Por isso cabe-lhe não somente uma medida de castigo para suas ações blasfemas diretas, mas uma segunda medida pela culpa alheia, pela qual era foi co-responsável. Em Gl 6.7 Paulo esclarece as correlações por meio de uma metáfora: “aquilo que o homem semear, isso também ceifará”. A colheita sempre é multiplicação da semente. Colhe-se uma quantia muitas vezes maior que o número de grãos espalhados. “Semeiam ventos e segarão tormentas” (Os 8.7). Essa verdade é válida tanto no bem como no mal. É por isso que pecar é tão terrível, possui tão longo alcance e traz tantas consequências. Unicamente o poder de Jesus sobre a morte pode consertar o que nós erramos e o que outros erraram através de nós.
 
A continuação nos v. 7,8 mostra que de forma alguma o v. 6 deve ferir o rigoroso princípio da correspondência entre culpa e castigo. O quanto a si mesma se glorificou e viveu em luxúria, dai-lhe em igual medida tormento e pranto. Em primeiro lugar havia no centro de seu pecado essa autoglorificação, que violava o Soli Deo Gloria [Somente a Deus dai glória]. “Se houve arrogantemente contra o Senhor, contra o Santo de Israel” (Jr 50.29). É por isso que Deus “será contra todo soberbo e altivo e contra todo aquele que se exalta… só o Senhor será exaltado” (Is 2.12-17; cf. Is 5.16). O envio de Jesus inseriu-se integralmente nesse serviço de aplainar todas as elevações antidivinas (Lc 1.51). À autoglorificação da Babilônia correspondia a vida na luxúria (cf. v. 3,9), pois quem gosta de se gabar também gosta de gastar. A punição, no caso, é o despovoamento, como indica o lamento fúnebre (cf. abaixo).
 
Segue-se uma segunda correspondência. Porque diz consigo mesma (“Pois dizia em seu coração” [teb]). Tanto no AT quanto no NT esse “falar no coração” evoca conversas funestas consigo mesmo.872 Elas constituem o contraste perfeito da existência em oração. A pessoa é seu próprio deus, comparece diante de seu próprio tribunal e gira em torno de si mesma ao invés de orar. É fácil adivinhar o conteúdo: está determinado por aquela avidez auto-satisfeita, acompanhada de incrível cegueira sobre si próprio, como já sempre foi característico para pessoas que se encontravam a um passo da queda.


Estreitamente apoiada em Is 47.5,7,8, a Babilônia diz: Estou sentada (“entronizada”) como rainha. Essa cultura já pratica um culto a si mesma. De forma catastrófica ela perdeu os alvos. A quem a perguntasse por esses alvos, ela tão somente lançaria um olhar de incompreensão. Todas as linhas estão voltadas sobre ela própria. Além de si mesma ela não consegue amar nem mesmo sentir mais nada. Não se encaminha para nenhum outro ponto nem chega em lugar algum. Gira em torno do próprio trono.

Viúva, não sou, diz a “mãe” Babilônia e olha para o corre-corre nas ruas amplas, nas lojas movimentadas e nos programas noturnos. Pranto, nunca hei de ver! (“E lamento fúnebre nunca hei de ver” [tradução do autor]). Ela se sente segura como se fosse por mil anos (cf. o comentário a Ap 17.1,18). Quem se encontra no meio da Babilônia e é acometido de idéias sobre despovoamento devastador, certamente deve ser um profeta.
 
Como resposta precisa a seu falar, ouve-se: Por isso, em um só dia, sobrevirão os seus flagelos. Seu solilóquio megalômano foi “auscultado” e agora recebe uma resposta por parte de Deus. Ela, que se comporta como cidade eterna, é arrasadoramente passageira. O motivo de um único dia já transpareceu em Ap 17.12 e se intensifica em Ap 18.10,17,19, formando a menção sobre uma só hora.
 
Em seguida anuncia-se a tradicional trindade de flagelos morte, pranto (“lamento fúnebre”, “luto” [teb, bj]) e fome. Por trás está o despovoamento através de guerra e peste, que desencadeia o sofrimento da “viúva” Babilônia e não lhe permite nada além de vegetar na fome e na pobreza. O incêndio também faz parte dessas correspondências. E será consumida no fogo.
 
No v. 10 constará: “Tu, poderosa cidade!” Essa impressão humana está sendo corrigida agora: Deus é poderoso! Porque poderoso é o Senhor Deus, que a julgou. Enquanto Deus na verdade aparece no AT como forte campeão guerreiro, no NT acontece uma depuração. Deus é forte por meio de seus argumentos fortes na disputa legal. E, por ter razão, a razão também lhe é dada de modo irrefutável (cf. o comentário a Ap 12.8).
 
Antes de comentarmos os subsequentes três cânticos de lamentação, trataremos dos aspectos homogêneos desses trechos por meio de um excurso.


Notas:
870 Contra Zahn, que afirma que a palavra se dirige aos dez reis de Ap 17.16. Contudo, eles dificilmente são servos conscientes de Deus, como está sendo pressuposto aqui. – A variante no texto original: “Dai-lhe em retribuição como também retribuiu a vós”, segundo a qual o povo de Deus estaria sendo incentivado a vingar-se, constitui um absurdo.
 
871 A primeira linha aparece literalmente em Jr 50.15,29; cf. Jr 16.18; 17.18 e Sl 137.8.

872 Is 47.7,8; Ez 28.2,5,17; Mt 24.48 (servo mau); Lc 12.19 (lavoureiro rico); Ap 3.17 (Laodiceia).