Adão nas Cartas do Novo Testamento
Existem
referências históricas a Adão na Epístola de Judas (v. 14), a qual aponta o
fato que Enoque pertencia à “sétima geração a partir de Adão”. Dá-se ênfase à
criação de Adão antes de Eva (a qual foi formada a partir do homem), indicando a
prioridade essencial masculina na esfera da adoração pública (ICo 11.8; lTm
2.13). Essa ideia é fortalecida por uma alusão à participação proeminente de
Eva na Queda (lTm 2.14). Há uma referência indireta a Adão em Filipenses 2.6.
Em contraste com Cristo, que “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”,
sucumbindo à tentação de ser “igual a Deus, conhecendo o bem e o mal” (Gn 3.5),
Adão comeu do fruto proibido (cp. 3.22). A primeira das três referências de
vital importância na teologia de Paulo, encontra-se em 1 Coríntios 15.22.
Repete-se aqui um tema que apontado como em conexão com a literatura
intertestamentária, ou seja, o envolvimento de toda a humanidade na
transgressão de Adão. Paulo observou que, se há solidariedade em Adão para a morte,
há solidariedade correspondente em Cristo para a vida. Esse tema é desenvolvido
em maiores detalhes em Romanos 5.12-21 (veja abaixo). No contexto de uma
discussão sobre a ressurreição (ICo 15.45-49), uma distinção fundamental é
estabelecida entre as naturezas de dois representantes da raça humana: Adão, o
“primeiro homem”, e Cristo, o “segundo homem”.
O
primeiro homem foi feito de barro; era uma criatura física, de carne e sangue —
um ser perecível. Todos os homens, devido à solidariedade racial, compartilham dessa
natureza, a qual não pode herdar o Reino de Deus. Cristo, porém, num agudo
contraste, é o Homem do céu, um ser espiritual incorruptível e um espírito
vivificador. Aqueles que são seus participam plenamente de sua natureza e levam
a sua imagem. A lição aqui é que a ressurreição não deve ser concebida em
termos materiais, mas em termos da realização desse relacionamento com Cristo,
pelo compartilhar de sua natureza espiritual imortal (ICo 15.53,54; cp. a
ilustração da natureza e sua inferência nos vv. 35-44). A mesma comparação
entre a solidariedade da humanidade em Adão e dos remidos em Cristo é desenvolvida
em Romanos 5.12-21. Neste caso, porém, o contexto é a obra de salvação, por Cristo.
O pecado de Adão é indicado como tendo envolvido toda a humanidade no juízo
divino, na condenação e na morte. O texto não esclarece se essa morte é
espiritual ou física; provavelmente sejam ambas (não existe disparidade entre
esta seção, com sua ênfase no ato pecaminoso de Adão, e 1 Coríntios 15.45-49,
onde sua natureza pecaminosa fica em proeminência.
O
pecado de Adão não é mencionado na segunda seção, mas a obra de expiação de
Cristo também não é; ambos os atos, contudo, estão na base da discussão toda).
Este envolvimento no pecado de Adão incluiu as gerações nascidas antes da
instituição da lei mosaica, a qual especificou as principais categorias de
transgressões. Já se argumentou, a título de objeção, que este aspecto do
ensino de Paulo carece de conexão ética com o indivíduo, desde que parece
sugerir que os homens perecem por causa da depravação herdada, ou porque estão envolvidos
no pecado de Adão. De fato, Paulo pode ter aceito ambas as alternativas (a
primeira é resultado da segunda) como explicação lógica da universalidade do
pecado que ele menciona em outros textos (e.g., Rm 3.9-23). O modo da transmissão
do pecado não é destacado aqui; a transgressão de Adão marcou a entrada do
pecado no mundo, e na visão de Paulo, o pecado era uma força suficientemente
poderosa para afetar todos os homens, mesmo os potencialmente justos (cp. Rm 7),
até que houve a efetiva intervenção de Cristo.
De
qualquer forma, ele não defendia um conceito tosco ou mecânico sobre os efeitos
esmagadores da hereditariedade. A responsabilidade moral do indivíduo fica
clara na observação de que a ‘‘a morte passou a todos os homens porque todos pecaram”
(Rm 5.12). Seu principal interesse, entretanto, é com o amplo contraste entre
Adão e Cristo, ambos vistos como cabeças da raça humana. Novamente, há um agudo
contraste entre o efeito do ato único de desobediência de Adão e o ato único de
justiça de Cristo. Não há um paralelo exato; o ato de Cristo é nitidamente
superior em seus efeitos supremos, desde que anula o legado maligno da
transgressão de Adão. O ato de Cristo foi gratuito, cobrindo muitas violações,
as quais, pela lógica, deviam receber a devida punição. Este dom imerecido
trouxe justificação, absolvição e vida para todos os homens. A ênfase está na graça
de Deus, que prevaleceu em uma situação de morte e a transformou em vida, por
meio do ato perfeito de obediência de Cristo, na sua morte na cruz. Portanto,
Cristo tornou-se o novo cabeça espiritual de uma humanidade restaurada, em contrapartida
a Adão, que foi o primeiro cabeça físico da humanidade caída. Uma observação
final: em todas essas referências do NT, fica claro que Cristo e seus
discípulos aceitaram a existência histórica do primeiro homem Adão e sua queda,
conforme narrado nos primeiros capítulos de Gênesis.