Comentário Bíblico de Apocalipse 1
Apocalipse 1
O primeiro capítulo de Apocalipse forma uma
introdução do livro. Ele é composto por um breve parágrafo em que é apresentado
o título e propósito da sua composição (vv. 1-3), seguido por uma saudação (vv.
4-8) e a visão de Cristo (vv. 9-20).
A. O SOBRESCRITO, 1.1-3
1. A Fonte da Revelação (1.1)
As três primeiras palavras do livro de Apocalipse
são: Apocalypsis Iesou Christou. Este é obviamente o título do livro. É
por isso que não encontramos nenhum artigo definido. Assim, traduzimos o
título: Revelação de Jesus Cristo.
Na língua portuguesa, esse livro é predominantemente
denominado de “Apocalipse”. Isso ocorre porque a palavra grega para revelação
é apocalypsis. Vem do verbo apocalypto, “descobrir” ou “revelar”.
Na Septuaginta e no Novo Testamento, ele é usado no sentido especial de uma
revelação divina. Um bom exemplo do Antigo Testamento grego é Amós 3.7: “Certamente
o Senhor Jeová não fará coisa alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus
servos, os profetas”. No Novo Testamento, Paulo usa o substantivo 13 vezes. Por
exemplo, ele fala da “revelação do mistério” (Rm 16.25). Ele recebeu seu
evangelho “pela revelação de Jesus Cristo” (Gl 1.12). O termo também é usado
para a Segunda Vinda em 1 Coríntios 1.7 (“manifestação”; “vinda” na KJV) 2Tes
1.7, bem como em 1 Pedro 1.7, 13; 4.13. Vincent escreve: “A Revelação aqui
é o revelar dos mistérios divinos”.
Mas, qual é o significado do complemento de Jesus
Cristo? Alguns estudiosos entendem que esse é um genitivo objetivo; isto
é, Jesus Cristo está sendo revelado. Um certo apoio para esse ponto de vista é
encontrado no fato de que temos uma visão de Cristo nesse primeiro capítulo.
Mas isso não descreve apropriadamente os conteúdos do livro como um todo.
Em segundo lugar, ele pode ser tratado como um
genitivo de posse; isto é, a revelação pertence a Jesus Cristo. Isso é apoiado
pela frase a qual Deus lhe deu. Mas isso era para o propósito da sua
transmissão a João.
Um terceiro ponto de vista é que esse é um genitivo
subjetivo; isto é, Jesus Cristo dá a revelação. Isso parece fazer mais sentido.
Lenski diz: “O genitivo é subjetivo: Jesus Cristo fez essa Revelação”.2
Phillips realça o ponto ao traduzir assim a sentença: “Essa é a Revelação de
Jesus Cristo”. No entanto, é melhor deixar de fora o verbo da expressão, como
ocorre no grego, e transformá-la no título do livro.
A fonte da revelação foi Deus — a qual Deus lhe
deu. Swete comenta: “O Pai é o supremo Revelador [...] o filho é o agente
por meio de quem a revelação passa aos homens”? Isso está em conformidade com
o ensinamento do Evangelho de João 3.35; 5.20-26; 7.16; 8.28 etc.).
O propósito de Deus ao dar essa revelação a Jesus era
que ele pudesse mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem
acontecer. A palavra para servos é doulois, que significa “escravos”.
Mas Simcox emite uma nota de advertência para aqueles que interpretam esse
termo no sentido moderno ocidental. Ele diz: “No Oriente (Lc 15.17) os servos
que foram comprados por um preço estavam acima dos assalariados”.4
Em Atos e nas epístolas, o termo é frequentemente aplicado aos cristãos.
A palavra devem (dei) é extremamente
significativa. Charles escreve: “O dei denota não a consumação rápida
das coisas, mas o cumprimento absolutamente certo do propósito divino”.5
Um outro termo importante é brevemente (en
tachei). Charles comenta: “Que esse cumprimento ocorreria 'logo' [...]
sempre foi a expectativa de toda profecia viva e apocalíptica”? A. T. Robertson
observa: “É um termo relativo a ser julgado à luz de 2 Pedro 3.8, de acordo com
o relógio de Deus, não o nosso”.7 A mesma frase ocorre em Lucas 18.8.
Simcox diz: “Essas últimas passagens sugerem que o objetivo dessas palavras é
assegurar-nos da prontidão prática de Deus para cumprir suas promessas, em vez
de definir qualquer limite de tempo para o seu cumprimento real”? No calendário
de Deus, esses eventos são marcados de maneira definida, mas não nos cabe
interpretar esse calendário (cf. At 1.7). No entanto, tudo será cumprido
brevemente — “logo”, ou “em breve”. Moffatt comenta: “Esse é o ponto crítico do
livro [...] A nota-chave de Apocalipse é a certeza alegre de que da parte de
Deus não há relutância ou atraso; seu povo não precisa esperar ansiosamente
agora”.9 Newell faz a seguinte sugestão útil: “Brevemente' não só
significa iminência, mas também rapidez na execução, depois da ação
iniciada”.'
A sentença seguinte também é importante: pelo seu
anjo as enviou e as notificou a João, seu servo. O verbo notificou é
semaino. Ele vem de sema (semeion), “um sinal”. Assim, esse verbo
significa “dar um sinal, representar, indicar”,11 ou “fazer conhecido,
relatar, comunicar”.12 Lange diz o seguinte: “Esemanen é uma
modificação de deixai [mostrou], indicativo dos sinais empregados, a
representação simbólica”.' Bengel observa: “a LXX usa semainein para
expressar um grande sinal de uma grande coisa: Ezequiel 33.3”» O verbo é
encontrado somente aqui em Apocalipse. Vincent escreve: “A palavra é apropriada
para o caráter simbólico da revelação, como em João 12.33, em que Cristo prediz
o modo da sua morte por meio de uma figura”.15
É com base nessa derivação etimológica que muitos
mestres da Bíblia têm escolhido dar a notificou o significado de “sinalizou”;
isto é, o material desse livro é apresentado em sinais e símbolos. Alguns
comentaristas mais recentes têm contestado essa explicação. J. B. Smith, por
exemplo, diz: “O uso da palavra em outros textos (Jo 12.33; 18.32; 21.19; At
11.28; 25.27) não permite esse significado. Em cada caso, o sentido deve ser
indicado pela palavra e não pelo símbolo”.16 Parece, no entanto, que
a ideia tem algum mérito, embora não deva ser superenfatizada. No léxico de
Liddell-Scott-Jones, o primei‑
ro significado dado é: “mostrar por um sinal,
indicar, apontar”.' Também é mencionado que quando o verbo é usado “absolutamente”
(i.e., sem um objeto) ele significa “dar sinais”. É dessa forma que o termo é
usado aqui. Depois de descrever o significado original da palavra, McDowell
observa: “O autor infere que a mensagem que ele recebeu é dada aos seus
leitores por meio de sinais e símbolos. A atenção a esse fato deveria
poupar-nos de um literalismo crasso ao interpretar a mensagem do livro”.18
A revelação foi notificada pelo seu anjo. Provavelmente,
a melhor coisa é pegar essa forma singular de maneira genérica. Ela se
aplicaria, portanto, “a todos os anjos individuais que nas diferentes visões
têm o ofício de fazer declarações significativas”.19 Esses anjos (ou
anjo) são mencionados em Ap 17.1, 7, 15; 19.9; 21.9; 22.1, 6. O significado
literal de anjo (angelos) é “mensageiro”. Tanto no Antigo quanto
no Novo Testamento encontramos Deus usando anjos como mensageiros para
comunicar sua revelação aos homens.
Nesse caso, a revelação foi enviada a João, seu
servo. Duesterdieck comenta: “O vidente se autodenomina servo de Jesus
Cristo quanto ao seu serviço profético. O acréscimo do seu próprio nome
contém, de acordo com o costume profético antigo, uma atestação da profecia”.'
2. O Conteúdo da Revelação (1.2)
João testificou da palavra de Deus, e do
testemunho de Jesus Cristo, e de tudo o que tem visto. As palavras gregas
para testificou e testemunho vêm da mesma raiz. O The
Twentieth Century New Testament [Novo Testamento do Século Vinte] preserva
essa conexão ao traduzir o versículo da seguinte forma: “o qual testificou da
Mensagem de Deus, e do testemunho acerca de Jesus Cristo, não omitindo nada
daquilo que viu”.
A raiz grega comum é martyr. Rist observa que
a combinação aqui “pode envolver um jogo de palavras que não é reproduzível na
tradução inglesa, porque a palavra `testemunho' também pode significar
'martírio', enquanto 'testificou' vem de um verbo que pode significar
'tornar-se um mártir'. Há uma conexão próxima, porque aqueles que testificavam
e davam testemunho eram candidatos ao martírio nos dias de perseguição”. É por isso que a palavra grega martyros, “testemunha”, finalmente veio a
significar “mártir”.
Testificou está no aoristo. Esse é um bom exemplo de um aoristo epistolar. João
está testificando enquanto escreve, mas do ponto de vista dos seus leitores
estaria no tempo passado. Assim, o aoristo epistolar seria melhor traduzido
como um presente contínuo no português.
Da palavra de Deus, e do testemunho de Jesus são definidos por Charles como significando “a
revelação dada por Deus e testificada por Cristo (genitivo subjetivo)”.22
Semelhantemente, Swete apresenta esta identificação: “A revelação concedida por
Deus e atestada por Cristo”.”
E de tudo o que tem visto. Não existe a
conjunção e nos melhores textos gregos, assim, a maioria dos
comentaristas toma essa frase como estando em aposição com a palavra de Deus
e o testemunho de Jesus. Swete diz: “Essa palavra e testemunho
alcançaram a João em uma visão”.” Goodspeed traduz essa passagem da seguinte
forma: “Que testifica de acordo com o que viu — a mensagem de Deus e o
testemunho de Jesus Cristo”.
3. A Bênção dos Receptores (1.3)
João pronuncia uma tríplice bênção a três grupos. A
primeira é: aquele que lê. O contexto indica claramente que a referência
é a alguém que lê o livro a outros — os que ouvem. Isso justifica a
tradução da RSV, que traz: “aquele que lê em voz alta”. “Não é a pessoa
particular [...] mas [...] a pessoa que lê em voz alta na congregação”.' Esse
era inicialmente um leitor leigo, mas, mais tarde, um obreiro da igreja.
Ao chamar aquilo que ele estava escrevendo de as
palavras desta profecia, João deliberadamente colocou o livro de Apocalipse
no mesmo nível dos livros proféticos do Antigo Testamento. Ele repete isso em
22.7, 10, 18.
Mas, o ouvinte também deve ser um praticante — e
guardam as coisas que nela estão escritas. O verbo grego temo “é constantemente
usado para 'guardar' a Lei, os Mandamentos [...] em todo o NT; mas é mais comum
em todos os escritos de João”.”
Essa é a primeira das sete bem-aventuranças no livro
de Apocalipse (cf. 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7, 14). Um estudo dessas “bem-aventuranças”
seria proveitoso tanto para os obreiros como para os leigos.
Uma frase final é: porque o tempo está próximo. A
palavra para tempo não é chronos — tempo no sentido de duração. A
palavra aqui é kairos — “tempo que produz seus diversos nascimentos”.'
Arndt e Gingrich definem a palavra assim: “o tempo certo, apropriado,
favorável [...] tempo definido e estabelecido [...] um dos principais
termos escatológicos, ho kairos, o tempo de crise, os últimos tempos” .28
Lange traduz esse termo aqui por: “o tempo de decisão”. Weymouth traz: “Porque
o tempo do seu cumprimento está agora próximo”.
Mais uma vez, João ressalta a iminência daquilo que
irá acontecer (cf. “brevemente”, v. 1). Niles observa: “Uma qualidade do
apocalipse bem como da profecia é a pré-condensação da visão que estabelece
como iminente aquilo que com certeza vai acontecer”.' De Cristo ele diz: “Ele
está vindo e virá. Na verdade, é nessa fusão do presente contínuo com o futuro
certo que se encontra a clareza da escatologia bíblica”.'
R. H. Charles chamou a atenção para o fato de se
encontrar nesses três primeiros versículos de Apocalipse três elementos, cada
um consistindo em três partes. Com relação à 1) fonte da Revelação, ela
era de Deus, por meio de Cristo, e comunicada por João aos seus ouvintes. 2) Os
conteúdos da revelação são especificados como a palavra de Deus, a verdade
atestada por Cristo, reunido naquilo que João viu. 3) A bênção era tríplice —
ao leitor público, aos ouvintes e especialmente aos praticantes.”
B. A SAUDAÇÃO, 1.4-8
Os três primeiros versículos formam um sobrescrito
para o livro, quase como um título ampliado como encontramos nos títulos de
livros escritos há duzentos ou trezentos anos. Mas esse parágrafo constitui
uma saudação, indicando o caráter epistolar do livro de Apocalipse. Charles
diz: “Todo o livro, a partir de 1.4 até o seu final é, na verdade, uma epístola”.'
1. A Saudação (1.4,5a)
Diferentemente do costume atual de colocar o nome do
remetente somente no final de uma carta, todas as cartas daquele período
seguiam o costume sensível de apresentar o nome do autor logo no início. Assim,
o leitor saberia imediatamente quem estava escrevendo para ele.
Dessa forma, a parte principal do livro de Apocalipse
começa com João. Esse provavelmente era João, filho de Zebedeu, o
apóstolo que escreveu o quarto Evangelho e as três epístolas que levam o seu
nome (veja Int., “Autoria”). Como respeitável patriarca da Igreja ele não tinha
necessidade de identificar-se mais detalhadamente.
O livro é
dirigido às sete igrejas que estão na Ásia. No Novo Testamento o termo Ásia
não significa o continente, mas a província romana da Ásia, situada no lado
ocidental da Ásia Menor (veja mapa 1). Ela tinha sido formada em torno de 130
a.C., com a adição da Frigia em 116 a.C.
Por que sete igrejas? Havia igrejas cristãs em
diversas outras cidades da Ásia, como Colossos e Hierápolis (Cl 1.2; 4.13),
Trôade (At 20.5), Magnésia e Trales, às quais Inácio escreveu em torno de 115
d.C. Foi sugerido que Trôade foi omitida por causa da sua distância das sete
igrejas. Por outro lado, as cidades de Hierápolis e Colossos ficavam muito
próximas de Laodiceia, e Magnésia e Trales, de Éfeso, por isso não foram
mencionadas.
Mas uma explicação melhor é que sete era o número da
perfeição. O autor de Apocalipse usa esse número como estrutura básica
para o seu livro. Aqui esse número significa santidade e perfeição. Erdman
escreve: “As sete igrejas endereçadas foram, portanto, representativas de toda
a Igreja em todo o mundo e em todas as épocas. Assim, João está dirigindo o
livro inteiro à Igreja Universal”' O Cânon Muratoriano (final do segundo
século) já exprimia: “E João também no Apocalipse, embora escrevesse às sete
igrejas, no entanto, fala a todos”?'
Graça e paz seja convosco é a mesma fórmula encontrada no início das epístolas
paulinas e nas duas de Pedro. (Em 1 e 2 Timóteo, bem como em 2 João, a palavra “misericórdia”
é acrescentada. Essas palavras altamente significativas são discutidas nos comentários
no início de diversas epístolas paulinas. Plummer observa que a combinação
desses dois termos “une elementos gregos e hebraicos, e dá aos dois um profundo
significado cristão”?'
Graça e paz vêm primeiro da parte daquele que é, e que era, e que há de vir. Isso
refere-se primeiramente ao Pai, como o Eterno. Lenski comenta que “'Aquele que
É' significa: 'Aquele que É de eternidade em eternidade' [...] 'e Aquele que
Era' significa: `Aquele que era antes do tempo e da origem do mundo' [...] 'e
Aquele que está vindo' quando o tempo já não mais existir, quando Ele vier para
o julgamento final”?' Ele acrescenta: “'Aquele que está vindo' é altamente
messiânico”.”
Simcox segue Alford ao argumentar que toda a
expressão aqui é “uma paráfrase do `nome Inefável' revelado a Moisés” em Êxodo
3.14 (i.e., Jeová ou Yahweh) e talvez também “uma paráfrase da explicação do
Nome dado a ele: 'EU SOU O QUE SOU'“.38 O Targum palestino de
Deuteronômio 27.39 traz: “Eis que sou Aquele que Sou, que Era e que Será”. Essa
identificação parece razoável, embora devêssemos considerar o ponto de vista de
Lenski em relação ao Messias.
A terceira frase aqui não é que há de vir, mas,
literalmente, “Aquele que está vindo”. Swete sugere que essa última tradução
era talvez a preferida “porque prenuncia já no início o propósito do livro, que
deve revelar as intervenções de Deus na história humana”.”
A gramática grega aqui é irregular. Literalmente
significa o seguinte: “da parte dele...” Moffatt chama isso de “violação
gramatical estranha e deliberada [...] para proteger a imutabilidade e
inteireza do nome divino da declinação”.” Semelhantemente, Charles escreve: “Temos
aqui um título de Deus expresso em termos de tempo. O Vidente violou
deliberadamente as regras de gramática para preservar o nome divino inviolado
de uma mudança que teria de sofrer se fosse declinado”»
Em segundo lugar, graça e paz vem dos sete
Espíritos que estão diante do seu trono. Embora um certo número de
comentaristas recentes interpretem essa frase como uma referência a seres
angelicais, parece mais certo adotar o ponto de vista mais comum de que essa é
uma designação simbólica para o Espírito Santo. Alford diz: “Os sete espíritos
indicam a plenitude e a universalidade do agir do Espírito Santo de Deus, da
mesma maneira que as sete igrejas tipificam e indicam a igreja em geral”»
Swete concorda com essa posição.' Plummer acredita que a expressão significa: “O
Espírito Santo, sétuplo em suas operações”, e acrescenta: “O número sete mais
uma vez simboliza universalidade, plenitude e perfeição — essa unidade no meio
da diversidade que marca a obra do Espírito e a esfera da Igreja”» Essa
interpretação é fortemente apoiada por 5.6, que se refere a Zacarias 4.10.
O sétuplo Espírito está diante do seu trono. Lenski
conclui sua discussão desse versículo ao dizer: “Assim, devemos unir todas
essas expressões; esses 'sete' pontos no que tange à comissão do Espírito de
agir do trono e tornar Deus e o homem um”»
Em terceiro lugar, graça e paz vêm de Jesus Cristo
(5). Ele é retratado por três figuras. Primeiramente, Ele é a testemunha
fiel.' Fiel significa “digno de confiança”. Duesterdieck não limita esse
testemunho ao ministério terreno de Cristo. Em vez disso, Ele é “aquele por
meio de quem cada revelação divina ocorre, que comunica predições não só para
os profetas em geral, como no momento para o autor de Apocalipse, mas também
testifica da verdade ao censurar, admoestar e confortar as igrejas”»
A palavra grega para testemunha mais tarde
veio a significar “mártir”. Dessa forma, nossa palavra mártir é derivada dela
(gen., martyros). Moffatt comenta: “Jesus não [é] meramente a testemunha
confiável de Deus, mas o mártir fiel: um aspecto da sua carreira que
naturalmente se sobressaiu nos 'tempos da matança' “48 (cf. 2.10).
Somente aqui e em 3.14 Jesus é chamado de testemunha.
Ele também é o primogênito dos mortos. O termo
primogênito era um título messiânico.' Jesus é agora o príncipe (governante)
dos reis da terra. Charles entende que a ideia predominante de primogênito
aqui é a soberania. Ele traduz essas três cláusulas da seguinte forma: “a
verdadeira testemunha de Deus, o soberano dos mortos, o governante dos
vivos”.50 Swete diz: “A ressurreição trazia consigo um senhorio em
potencial sobre toda a humanidade [...] O Senhor conquistou com a sua morte o
que oTentador havia lhe oferecido como a recompensa pelo pecado [...] Ele
ressuscitou e ascendeu aos céus para receber o império universal”.51
Ele também observa que o título triplo — testemunha, primogênito, governante
— “responde ao propósito triplo de Apocalipse, que é ao mesmo tempo um
testemunho divino, uma revelação do Senhor ressurreto e uma profecia dos
assuntos da história”.52
Esses três versículos retratam a Trindade — Pai,
Filho e Espírito Santo. “O aspecto da Trindade aparece em todo o livro de
Apocalipse”.'
2. A Doxologia (1.5b-6)
A contemplação de João em relação a Cristo como o
Senhor Ressurreto que reina sobre tudo o faz irromper em uma explosão
espontânea de louvor. Isso também é uma característica comum nas epístolas de
Paulo. Almas devotas sempre responderam com louvor à bondade e grandeza do
nosso Senhor.
Àquele que nos ama (5) deveria iniciar um novo versículo. O verbo também está no
particípio presente.
Em vez de lavou, os melhores e mais antigos
manuscritos gregos trazem “libertou”. As duas formas são similares na
soletração e praticamente iguais em pronúncia (lousanti [...] lusanti) e
dessa forma era muito fácil serem confundidas, especialmente se o escriba
estivesse copiando por meio do ditado. A tradução correta dessas duas frases é:
“Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados”
(ARA). A primeira frase ressalta o amor duradouro do Redentor; a segunda, sua
obra de redenção concluída. Seu sangue era o preço que Ele pagou para nos
libertar da escravidão do pecado. Esse é o ensino uniforme do Novo Testamento.
Qual é o resultado dessa redenção? Ele nos fez
reis e sacerdotes para Deus e seu Pai (6). O grego traz: “E Ele nos fez um
reino, sacerdotes ao seu Deus e Pai”. Sacerdotes está em aposição a reino.
Isso evidentemente reflete Êxodo 19.6: “E vós me sereis reino sacerdotal”.
Isso também se assemelha com a frase encontrada em 1 Pedro 2.9: “o sacerdócio
real”. Charles comenta: “Nosso texto então significa que Cristo nos fez um
reino, em que cada membro é um sacerdote para Deus”.54 Isso não só é
um grande privilégio, mas também envolve uma imensa responsabilidade. Erdman
escreve: “Uma vez que somos sacerdotes deveríamos estar oferecendo
continuamente sacrifícios de louvor, de abnegação e de um ministério amoroso,
derramando nossas vidas em intercessão e em serviço compassivo ao nosso próximo”.'
A doxologia termina numa forma quase tipicamente
paulina: a ele, glória e poder para todo o sempre. Amém. Essa é a
primeira de três doxologias a Cristo no Apocalipse (cf. 5.13; 7.10). Uma
doxologia semelhante ocorre em 2 Pedro 3.18. As doxologias nas epístolas
paulinas referem-se quase sempre a Deus, o Pai. Moffatt observa: A adoração de
Cristo, que ressoa nessa doxologia [...] é um dos aspectos mais impressionantes
do livro”.56 Plummer chama a nossa atenção para um fato
interessante. Ele diz: “As doxologias de São João aumentam em volume à medida
que ele progride — dupla aqui, tripla em 4.11, quádrupla em 5.13 e sétupla em
7.12”.57
Tem sido sugerido que 1 Crônicas 29.11 — “Tua é,
SENHOR, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade” —
seja a fonte da maioria das doxologias posteriores. Uma vez que Jesus é chamado
de “Senhor” no Novo Testamento, Ele se torna, com o Pai, o objeto dessa
adoração.
A expressão para todo sempre é literalmente “pelos
séculos dos séculos”; isto é, “eternamente” (Phillips). Essa expressão ocorre
mais 12 vezes em Apocalipse.'
Evidentemente, o hábito de colocar Amém no fim
da oração ou louvor começou muito cedo. Swete diz: “A palavra Amém ocorre no
final de quase todas as doxologias do NT”.59 Essa palavra significa “Assim
seja!” ou “Verdadeiramente!”
3. A Profecia (1.7)
Esse versículo é “uma reminiscência e adaptação” de Daniel
7.13 e Zacarias 12.10- 14.6° Eis que vem com as nuvens é da
passagem de Daniel: “e eis que vinha nas nuvens do céu um como o Filho do Homem”.
Essa vinda nas nuvens é mencionada mais seis vezes no Novo Testamento (Mt 24.30;
26.64; Mc 13.26; 14.62; Lc 21.27; Ap 14.14). A linguagem aqui reflete Marcos
14.62: “e vereis o Filho do Homem [...] vindo sobre as nuvens do céu”.
O restante desse versículo é tirado em grande parte
de Zacarias 12.10. Quando Cristo vier em julgamento, todo olho o verá. Estarão
incluídos os mesmos que o traspassaram. Aqui se refere claramente ao
traspassar do “lado de Jesus” na cruz (Jo 19.34). Essa mesma passagem de
Zacarias é citada nessa conexão (Jo 19.37). O fato do traspassar ser
mencionado somente no Evangelho de João, e que a ordem de palavras aqui e em João
19.37 concordem de maneira impressionante' fornece um apoio considerável para a
autoria em comum do quarto Evangelho e de Apocalipse.
Mas essa predição de julgamento não deveria ficar
restrita à nação judaica. Plummer escreve: “A referência aqui é a todos aqueles
que 'crucificam o Filho de Deus novamente', não meramente aos judeus”.' João
acrescenta: e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Essa é “uma
livre adaptação do hebraico em Zacarias 12.12”.'
A combinação dessas passagens de Daniel e Zacarias já
tinha sido feita no discurso do monte das Oliveiras (Mt 24.30). Simcox declara:
“Esse versículo, como também se pode dizer de todo o livro, é fundamentado
principalmente na própria profecia do Senhor registrada em Mateus 24, e em
segundo lugar, nas profecias do Antigo Testamento às quais Ele ali se refere e
que resume”.”
Simcox acrescenta essa observação útil na relação com
a passagem do AT: “Mas enquanto as palavras aqui são tiradas de
Zacarias, o pensamento é mais propriamente de Mateus 24.64: 'aqueles que
o traspassaram' são vistos não como olhando para Ele com fé e pranteando por
Ele em penitência, mas em vê-lo como Alguém em quem não creram e, por isso,
estão pranteando em desespero”.”
No grego, Sim! Amém é nai, amen. Charles
observa: “Temos aqui formas gregas e hebraicas de confirmação lado a lado”.” A
mesma associação é encontrada em 2 Coríntios 1.20. Em 3.14, Jesus é nomeado de “o
Amém”. Charles comenta: “Aqui Cristo é representado como o Amém divino
personalizado, o avalista em pessoa acerca da verdade declarada por Ele”.”
4. A Proclamação (1.8)
Esse versículo parece ser independente, não estando
relacionado com o que o precede ou o segue. João tem falado, mas agora uma nova
personagem faz uma declaração divina.
Mas quem é essa nova personagem que fala? Swete
escreve: “A abertura solene do livro alcança seu clímax aqui com palavras
atribuídas ao Pai Eterno e Todo-poderoso”.' Muitos comentaristas recentes
concordam com isso.
Mas Plummer discorda. Ele diz o seguinte acerca das
frases usadas aqui: “Atribuí-las ao Pai rouba as palavras da sua adequação
especial nesse contexto, em que formam o prelúdio para 'a Revelação de Jesus
Cristo' como Deus e como o 'Governante dos reis da terra'“.' Ele sente que João
está aqui ressaltando a divindade de Jesus, e encontra uma progressão nisto: Alfa
e o Ômega (1.8), “o Primeiro e o Último” (1.17; 2.8), “Alfa e o Omega, o
Princípio e o Fim” (21.6), “Alfa e o Omega, o Primeiro e o Derradeiro” (22.13).
J. B. Smith chama a atenção para o fato de os pais da
Igreja Primitiva aplicarem esse versículo a Cristo. Ele cita integralmente de
Hipólito e Orígenes e documenta as citações.' Essa parece a melhor posição.
Alfa e o Ômega são a primeira e a última letra do alfabeto grego. Provavelmente, elas
são usadas “como nos provérbios rabínicos a primeira e última letra do alfabeto
hebraico, simbolizando 'o princípio e o fim'“.' No
entanto, as palavras explanatórias, o Princípio e o Fim, não são
genuínas, embora o sejam em 22.13. Acerca de Alfa e o Ômega, Swete
escreve: “A frase é entendida como não expressando somente eternidade, mas
infinidade, a vida ilimitada que compreende tudo e transcende tudo”.”
O Senhor é “o Senhor Deus” no melhor texto grego. Todo-poderoso (pantokrator)
ocorre somente mais uma vez no Novo Testamento (1 Co 6.18), mas é
encontrado nove vezes no Apocalipse.
Lenski diz o seguinte acerca do propósito de João ao
escrever os versículos 7 e 8: “De forma dramática ele expressa o resumo do
tema de todo o livro; de todas as revelações que teve (v. 7) e no versículo
8 anexa a própria assinatura de Cristo”.”
C. O FILHO DO HOMEM, 1.9-20
1. O Cenário da Visão (1.9-11)
Antes que João pudesse receber uma apresentação
prévia do que ocorreria no futuro, ele precisa ver o próprio Cristo. O cenário
da visão era o apóstolo na ilha de Patmos (veja mapa 1) em espírito, no dia
do Senhor (10). O assunto da visão era o Filho do Homem, parado no meio da
sua Igreja.
O autor apresenta-se como Eu, João (9). A. R.
Fausset chama nossa atenção para os paralelos em Daniel 7.28; 9.2; 10.2 e
comenta: “[Essa é] uma das muitas semelhanças entre os videntes apocalípticos
do Antigo e do Novo Testamento. Nenhum outro autor das Escrituras usa essa
frase”.”
João se descreve como vosso irmão, ou
companheiro cristão, e companheiro na aflição, e no Reino, e na paciência de
Jesus Cristo. Isso é mais corretamente traduzido da seguinte forma: “companheiro
participante [synkoinonos] na tribulação e reino e perseverança que
estão em Jesus” (NASB). A palavra paciência é um termo passivo demais
para o grego hypomone, que significa “persistência e constância”.
Acerca da frase na aflição, Bengel faz a
seguinte observação convincente: “Esse livro tem um grande apreço pelos fiéis
na aflição”.” O livro de Apocalipse foi escrito em uma época de grande
tribulação para os cristãos, e ele se torna muito significativo em tempos como
esses.
João estava na ilha de Patmos. Essa era uma
pequena ilha com cerca de 16 quilômetros de comprimento de norte a sul e não
mais do que 10 quilômetros de largura, situada a cerca de 60 quilômetros a
sudoeste de Mileto (veja mapa 1). Ela é constituída de montes
vulcânicos rochosos.
A apóstolo estava lá por causa da palavra de Deus
e pelo testemunho de Jesus Cristo. Isso não significa que ele tinha ido à
ilha para pregar o evangelho. Uma paráfrase correta seria: “porque eu havia
pregado a palavra de Deus e dei meu testemunho de Jesus” (NEB). As pequenas
ilhas do mar Egeu eram usadas pelos romanos como lugares de reclusão, para os
quais eram banidos os prisioneiros políticos. Uma comparação entre 6.9 e 10.4
mostra que no livro de Apocalipse palavra de Deus e testemunho são
usados em conexão com a perseguição dos cristãos. Falando da opressão por
Domiciano (95 d.C.), Eusébio escreve: “Nessa perseguição, de acordo com a
tradição, o apóstolo e evangelista João, que ainda estava vivo, em consequência
do seu testemunho da palavra divina, foi condenado a morar na ilha de Patmos”.76
Ele também diz: “Mas, depois que Domiciano tinha reinado quinze anos, e Nerva
chegou ao governo, o senado romano decretou que [...] aqueles que tinham sido
expulsos injustamente deveriam retornar aos seus lares e ter seus bens
restaurados [...] Foi então que o apóstolo João retornou do exílio e voltou a
morar em Éfeso, de acordo com uma tradição antiga da igreja”.'
Parece que tempos de tribulação frequentemente
preparam o terreno para a revelação de Deus ao homem. Plummer observa: “Foi no
exílio que Jacó viu Deus em Betel; foi no exílio que Moisés viu Deus na sarça
ardente; foi no exílio que Elias ouviu 'uma voz mansa e delicada'; foi no
exílio que Ezequiel viu a glória do Senhor junto ao rio Quebar; foi no exílio
que Daniel viu o “ancião de dias”.78
João declara que quando recebeu a visão, estava em
espírito (10). O que isso significa? Os tradutores têm interpretado essa
frase de diversas formas: “em transe” (NT 20th Century), “inspirado pelo
Espírito” (Weymouth), “arrebatado no Espírito” (Moffatt), “possuído pelo
Espírito” (Berk.), “no poder do Espírito” (C. B. Williams), “alcançado pelo
Espírito” (NEB). Os comentaristas diferem muito na tradução. Lange explica a
frase como significando o seguinte: “transportado para fora da consciência
ordinária de cada dia e colocado na condição de êxtase profético”.' Simcox
traz: “Foi levado a um estado de arrebatamento espiritual”.” Charles diz que egenomen
en pneumati (lit.: “tornei-me no espírito”) “não significa nada mais do que
o vidente cair em transe”.” Lenski escreve: “A frase significa 'em espírito', e
não deveríamos escrevê-la com letra maiúscula como que se referindo ao Espírito
Santo. Esse é o pneuma de João”.' Ele acredita tratar-se de um êxtase
milagroso, “um estado causado diretamente por Deus”.' Nós preferimos a interpretação
de Swete que entende que toda a frase “denota a exaltação de um profeta debaixo
da inspiração”' (do Espírito).
Essa experiência imponente veio a João no dia do
Senhor. Alguns entendem que isso significa “o dia do Senhor”, uma frase
profética comum no Antigo e Novo Testamento. Eles acreditam que o vidente foi
transportado em espírito para o tempo da Segunda Vinda.
Mas o grego aqui descarta essa interpretação. Do
Senhor é um adjetivo, não a expressão comum do genitivo “do Senhor”. Essa
expressão ocorre somente mais uma vez no Novo Testamento (1 Co 11.20 — “a Ceia
do Senhor”). Ela significa “pertencer ao Senhor” ou “consagrado ao Senhor”.
O adjetivo é encontrado diversas vezes nas inscrições
e nos papiros do Egito e Ásia Menor, em que significa “imperial”.' O exemplo
mais antigo conhecido do uso dessa palavra está em uma inscrição de seis de
julho de 68 d.C. Aqui são encontradas as expressões “as finanças imperiais” e “tesouro
imperial”. Deissmann também observa que desde 30 a.C. até o tempo de Trajano
(98-117 d.C.) um certo dia de cada mês era observa‑
do como hemera Sebaste, em memória do
nascimento de Augusto, e sugere que “o título distinto 'dia do Senhor' [kyriake
hernera] pode ter estado conectado com sentimentos conscientes de protesto
contra o culto ao imperador, ou seja, o 'dia de Augusto”.” Pode ser que os
cristãos tenham adotado o nome dia do Senhor em comemoração à ressurreição
de Jesus no primeiro dia da semana. No grego moderno, o domingo é chamado de kyriake.
Dessa passagem no Apocalipse, Charles diz: “Aqui 'dia do Senhor' tornou-se
uma designação técnica do domingo”.'
Não é difícil reconstruir o cenário. No exílio em
Patmos, João foi impedido de se reunir com os santos no domingo. Olhando para o
mar aberto, ele indubitavelmente pensava nos cristãos em Éfeso reunidos para
adorar. Ele bem pode ter estado meditando na ressurreição. Moffatt sugere: “Com
a sua mente absorvida no pensamento do Jesus exaltado e abastecida com
conceitos de Daniel e Ezequiel, o profeta teve o seguinte êxtase no qual os
pensamentos de Jesus e da igreja, já presentes na sua mente, são unidos em uma
visão”.”
T. F. Torrance une as afirmações dos versículos 9 e
10 — Eu, João [...] estava na ilha chamada Patmos e fui arrebatado em
espírito, no dia do Senhor. Ele então faz esta observação: “Nessas duas
sentenças autobiográficas vemos logo de início a situação dupla da qual esse
livro nasceu. Por um lado, há o destino duro e cruel do tempo, mas, por outro,
há o Espírito do Deus Todo-poderoso”.'
Assim, preparado no coração e na mente para a
revelação, João ouviu atrás de si uma grande voz (cf. Ez 3.12). O som veio tão
alto e claro como o soar de uma trombeta.
Que dizia (11) equivale a aspas. Aquele que falava era evidentemente Jesus (cf.
vv. 12-13). As palavras “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim, e” não
estão nos manuscritos mais antigos. O mesmo é verdade para que estão na Ásia
(cf. v. 4). João recebe a ordem de escrever em um livro o que vê. A palavra
grega é biblion, origem da nossa palavra “Bíblia”. Ela se refere ao rolo
de papiro, para ser distinguido de pergaminhos mais caros que eram feitos de
peles de animais (cf. 2 Tm 4.13). O rolo de Apocalipse teria cerca de cinco
metros de comprimento.'
O rolo escrito deveria ser enviado para as sete
igrejas (cf. v. 4). Essas igrejas são agora designadas pelo nome. As distâncias
entre essas cidades são calculadas por Charles: “Esmirna ficava a cerca de 65
quilômetros ao norte de Éfeso, Pérgamo a 65 quilômetros ao norte de Esmirna,
Tiatira a 72 quilômetros a sudeste de Pérgamo, Sardes a 48 quilômetros ao sul
de Tiatira, Filadélfia a 48 quilômetros a sudeste de Sardes e Laodiceia a 65
quilômetros a sudeste da Filadélfia”.” Bowman escreve: “Uma olhada no mapa da
província romana da Ásia [veja mapa 1] mostra as sete igrejas organizadas
na forma de um castiçal de sete braços do Templo de Herodes — números 1 e 7, 2
e 6, 3 e 5 formando pares de lados opostos com o número 4 no topo”.”
Sir William Ramsay, uma das maiores autoridades da
história primitiva da Ásia Menor, insiste de forma acertada que deve ter havido
um motivo para a seleção dessas sete igrejas em particular. O primeiro motivo
era o sistema de estradas. Ele nota que “todas as Sete Cidades ficam na grande
estrada circular que unia a parte mais populosa, rica e influente da província,
a região centro-ocidental”.” Ele finalmente chega à seguinte conclusão: “A hipótese
inevitavelmente sugere que os sete grupos de igrejas, em que a província havia
sido dividida antes que o Apocalipse tinha sido composto, eram sete distritos
postais, cada um tendo como centro ou ponto de origem uma das sete cidades”.”
Isso é apenas uma teoria, mas ela parece interessante.
2. O Tema da Visão (1.12-20)
João se virou “para identificar a voz de quem estava
falando” (NEB) com ele. E virei-me (12) — melhor traduzido por “tendo me
virado” — vi sete castiçais de ouro — ou “candelabros” ou “lustres”.
Isso é diferente do que o castiçal de sete braços com sete lâmpadas de Zacarias
4.2. No meio dos castiçais de ouro havia um semelhante ao Filho do
Homem (13). Visto que o grego não tem o artigo definido antes de Filho, muitos
tradutores modernos trazem literalmente: “um filho do homem”. Plummer concorda
com essa tradução e comenta: “O Messias glorificado ainda apresenta essa forma
humana, da maneira como o discípulo amado o havia conhecido antes da sua
ascensão”.95 Swete observa: “O Cristo glorificado é humano, mas
transfigurado”.” Semelhantemente, Lange escreve que semelhante (homoios)”é
também em parte indicativo da visão apostólica de que a personalidade
humana de Cristo, em sua glorificação, é vestida com o esplendor de majestade divina”.”
A forma mais satisfatória de tratar a frase um
semelhante ao Filho do Homem parece aquela que Simcox apresenta. Ele diz: “A
ausência do artigo aqui não prova que não se tenha em mente o nosso Senhor, mas
que o título foi tirado diretamente do grego em Daniel 7.13, em que as duas
palavras também estão sem o artigo [...] as palavras em si não significam mais
do que 'eu vi uma figura humana', mas as suas associações deixariam claro a
todos os leitores do livro de Daniel que foi um Ser sobre-humano em forma
humana; e para um cristão dos dias de João, como para os do tempo atual, Quem
esse Ser era.”
Os sete castiçais (candelabros) são mais tarde
identificados como simbolizando “as sete igrejas” (v. 20). Assim, aqui a figura
é de Cristo parado no meio de sua Igreja.
Esse é um pensamento tremendamente confortante. Mas,
também encontramos um desafio nesse quadro. Se as igrejas são lâmpadas, elas
deveriam iluminar as trevas desse mundo. Moffatt escreve: “A função das
igrejas é personificar e expressar a luz da presença divina sobre a terra [...]
seu dever é manter a luz queimando e brilhando, se não a razão da sua
existência desaparece (2.5)”.”
Agora vem a descrição detalhada do Filho do Homem glorificado.
O primeiro item é: vestido até aos pés de uma veste comprida. Com
a exceção de vestido [...] de (particípio passivo perfeito) toda a
cláusula é uma palavra no grego, podere. Ela é, na verdade, um adjetivo,
encontrado somente aqui e significando “alcançando até os pés”. A palavra é
usada em Êxodo (LXX) para vestimentas sacerdotais. Moffatt diz que esse termo, “uma
veste que alcança até os pés, era um símbolo oriental expressando dignidade”?'
A próxima cláusula, e cingido pelo peito com um cinto de ouro, é mais
bem traduzido por: “e com um cinturão de ouro ao redor do peito” (Weymouth).
Esse era “mais um símbolo de uma posição elevada, geralmente reservada a
sacerdotes judeus, embora os persas frequentemente se dirigissem aos seus
deuses como 'cingidos com cinturão elevado' “1°1 Ao unir essas duas
sentenças, temos uma figura de dignidade sacerdotal e real. Para nenhum outro
essa combinação é tão apropriada quanto para o nosso Senhor.
O terceiro item é: sua cabeça e cabelos eram
brancos como lã branca, como a neve (14). Swete observa: “Expositores
antigos encontram no cabelo branco como neve um símbolo da preexistência eterna
do Filho”.' Plummer escreve: “Esse branco como neve é parcialmente o brilho da
glória celestial, parcialmente a majestade da cabeça branca”.' Mas vários
comentaristas chamam a atenção ao fato de que cabelo branco é um sinal de
decadência quando associado com idade. Assim, Lenski conclui: “Achamos que essa
passagem com o símbolo do cabelo que é branco como neve e lã tem a intenção de
representar Jesus como sendo coroado com santidade”.' Há um paralelo próximo em
Daniel 7.9 (LXX).
O quarto ponto na descrição do Cristo glorificado é
que os olhos eram como chama de fogo (phlox pyros). Essa
é uma alusão evidente a Daniel 10.6 — “e os seus olhos, como tochas de fogo” —
uma metáfora comum na literatura latina e grega. J. B.
Smith sugere que esse aspecto simboliza “onisciência
e escrutínio”.1” Swete acrescenta: “O brilho penetrante [...] que
reluzia com inteligência vivaz, e quando necessário surgia com ira justa, foi percebido por aqueles que
estavam com o nosso Senhor nos dias da sua carne [...] e encontra sua aposição,
como o vidente agora percebe, na vida após a ressurreição e a ascensão”.'
O quinto item é: e os seus pés, semelhantes a
latão reluzente, como se tivesse sido refinado numa fornalha (15).
Novamente encontramos um paralelo em Daniel
10.6 — “e os seus braços e os seus pés, como cor de
bronze polido” (cf. Ez 1.4, 7, 27; 8.2). A palavra grega para latão reluzente (“bronze
polido”, ARA) é incerta quanto ao seu significado etimológico. Mas, o sentido
parece esse apresentado nas nossas versões em português. O simbolismo sugerido por Swete é: “Pés de
latão representam força e estabilidade”.' Refinado também pode ser
traduzido por “incandescente” ou “ardente”. Nas Escrituras, latão parece
tipificar julgamento.
Um sexto aspecto é: e a sua voz, como a voz de
muitas águas. Em Daniel 10.6 lemos: “e a voz das suas palavras, como a voz
de uma multidão”. Mas os ouvidos de João estavam repletos com o bramido das ondas do mar Egeu
batendo contra a ilha rochosa de Patmos. Assim, ele usa essa imagem para
descrever a voz. Ao fazê-lo, no entanto, ele estava fazendo eco a Ezequiel 43.2
— “a sua voz era como a voz de muitas águas”.
O Filho do Homem tinha na sua destra sete estrelas
(16). O significado disso é dado no versículo 20. E da sua boca saía uma
aguda espada de dois fios. Essa era originariamente “uma espada grande, longa e pesada,
quase da altura de um homem, que é manejada com as duas mãos, uma arma dos trácios”.'“
Mas na Septuaginta ela é aparentemente usada de forma sinônima à palavra mais
conhecida para uma espada comum. Lenski acrescenta: “Onde lemos 'dois fios' o
grego traz 'duas bocas', os dois gumes mordendo, devorando como duas bocas. A
palavra 'aguda' é acrescentada. Ela era afiada a tal ponto que pudesse cortar
profundamente”.”
A linguagem dessa sentença parece refletir Isaías
11.4: “e ferirá a terra com a vara de sua boca”; e Isaías 49.2: “E fez a minha
boca como uma espada aguda”. Charles comenta: “A espada que procede da boca do Filho de Deus
é simplesmente um símbolo da sua autoridade judiciar.' Retratos literais disso
na arte religiosa e diagramas proféticos mostram-se ridículos e beiram o
sacrilégio. Eles deveriam nos advertir contra representações visuais de
figuras simbólicas no Apocalipse.
O último item da descrição é o seguinte: e o seu
rosto era como o sol, quando na sua força resplandece. Esse é um eco óbvio
da transfiguração (Mt 17.2).
Depois de observar os diversos empréstimos do livro
de Daniel, Kiddle faz este comentário: “Embora uma parte do quadro de João não
seja original, ele transmite uma concepção do Messias que é única, porque
Cristo é dotado de um esplendor e autoridade que até então somente tinham sido
atribuídos a Deus”.111 Essa é uma das ênfases inequívocas do Novo
Testamento.
O efeito da visão
foi esmagador: caí a seus pés como morto (17). Daniel experimentou uma
reação muito parecida em sua visão (Dn 10.8-9). Palavras semelhantes são usadas
em Josué 5.14 e Ezequiel 1.28; 3.23; 43.3. Erdman comenta: “Cada visão da pureza,
majestade e poder divino inspira admiração e reverência”.
No entanto, esse Cristo severo do julgamento também
era o Cristo compassivo. Porque ele pôs sobre João a sua destra (cf.
Dn 10.10; Mt 17.1) e disse: Não temas (cf. Dn 10.12). Eu sou o
Primeiro e o Último é usado para referir-se a Deus em Isaías 44.6. Mas aqui
essa frase se refere claramente a Cristo, e ressalta a sua divindade, como é o
caso em 2.8 e 22.13.
E o que vive (18) ou “e Aquele que vive” (kai ho zon) — um título divino,
aplicado a Deus tanto no Antigo como no Novo Testamento. Essa frase deveria ser
conectada com o que precede ou com o que segue, [e] fui morto (kai
egenomen necros)? Charles entende que se refere à segunda opção. Ele une os
dois itens em uma linha poética: “E Aquele que vive e estava morto”. Então diz:
“Os comentaristas mais recentes conectam kai ho zon com as palavras
precedentes. Mas em cada exemplo, quer em Isaías quer no Apocalipse, a frase
'eu sou o Primeiro e o Último' é completa em si mesma, e a frase kai ho zon simplesmente
enfraqueceria a plenitude da afirmação feita nessas palavras. Por outro lado,
quando conectadas a kai egenomen necros, elas são cheias de significado
no contraste entre a vida eterna que Ele possui e a condição da morte física à
qual se submeteu por amor do homem”.1”
Aquele que estava morto agora pode dizer: eis aqui
estou vivo para todo o sempre. Em outras palavras, Ele é o Eterno. A
palavra Amém não é encontrada nos melhores manuscritos gregos e deveria
ser omitida.
Há mais uma afirmação: E tenho as chaves da morte
e do inferno. Talvez fosse melhor transliterar hades, em vez de
traduzir por inferno (cf. NVI — “E tenho as chaves da morte e do Hades”).
Uma vez que tem havido muita discussão acerca desse
termo, seria proveitoso estudar um pouco melhor o seu significado. No
pensamento grego, Hades era primeiramente o nome do deus do submundo. Mais tarde tornou-se
sinônimo do submundo em si, como o lugar dos espíritos dos mortos. Na Septuaginta, Hades
é a tradução da palavra hebraica Sheol, o reino dos mortos.
Josefo, o historiador judeu do primeiro século,
revela o pensamento confuso do judaísmo nos dias de Jesus acerca desse
assunto. Ele declara que os fariseus entendiam que as almas dos justos e dos
ímpios ficavam no Hades.”' Mas, embora sendo ele próprio um fariseu, escreve
que a alma do obediente “obtém um lugar santíssimo no céu [...] enquanto a
alma daquele que agiu perversamente é recebida no lugar mais sombrio no Hades”.
Poderia parecer que o termo Geena, nos ensinamentos
de Jesus (cf. Mt 5.22), devesse ser identificado com o “lago de fogo” de
Apocalipse 19.20; 20.10, 14-15. Mas a morte e o Hades são lançados no lago de
fogo (20.14). Assim, obviamente o lugar do castigo eterno é Geena, não Hades.
J. Jeremias escreve: “Em todo o NT, Hades serve somente como um propósito
interino. O Hades recebe as almas após a morte e os entrega novamente na
ressurreição (Ap 20.13)”.116 Charles diz o seguinte acerca desse
termo em Apocalipse: “De acordo com nosso autor, Hades é a habitação
intermediária somente dos ímpios ou injustos”.'
As chaves significam autoridade. Jesus possui plena autoridade sobre o domínio da
morte e do Hades.
R. H. Charles apresenta uma observação apropriada
acerca do versículo 18: “Esse versículo descreve o triplo conceito de Cristo em
João: a vida eterna permanente que Ele tinha independentemente do mundo; sua
humilhação a ponto de morrer fisicamente e sua ressurreição para uma vida não
somente eterna em si mas para uma autoridade universal sobre a vida e a morte”.'
Charles Simeon nota que nos versículos 17-18, Jesus
faz uma afirmação tríplice de ser: 1) o Deus eterno; 2) o Salvador vivo; 3) o
Soberano universal.
João já havia recebido a ordem de escrever em um rolo
“o que vês” (v. 11). Agora a ordem é repetida e feita de forma mais explícita: Escreveu'
as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de acontecer
(19).
Erdman rejeita fortemente a “concepção popular” de
que esse versículo nos fornece um esboço triplo do livro de Apocalipse.' Mas nós
preferimos seguir Charles quando escreve: “Essas palavras resumem, grosso modo,
o conteúdo do livro. Ha eides [as coisas que tens visto] é a
visão do Filho de Deus que tinha acabado de ser mostrada ao vidente; ha
eisin [as que são] refere-se diretamente à condição atual da Igreja,
mostrada nos capítulos 2 e 3, e indiretamente ao mundo em geral; he mellei
ginesthai meta tauta [as que depois destas hão de acontecer] diz
respeito às visões a partir do capítulo 4, que, com a exceção de algumas seções
que se referem ao passado e ao presente, tratam do futuro”.' Esse é o esboço
adotado neste comentário.
O primeiro capítulo termina com uma explanação do mistério
das sete estrelas [...] e dos sete castiçais. Acerca dessa expressão
significativa Erdman escreve: “ 'Mistério' é no uso do Novo Testamento,
verdade ou realidade divinamente revelada”.' Swete diz que mistério é “o
significado interno de uma visão simbólica”.'
João é informado de que as sete estrelas representam
os anjos das sete igrejas. Uma vez que a palavra grega angelos significa
“mensageiro” e é claramente usada para mensageiros humanos em Lucas 7.24; 9.52
e Tiago 2.25, muitos acreditam que a referência aqui seja aos mensageiros que
seriam enviados com as cartas às sete igrejas — talvez delegados que vieram
daqueles lugares para visitar João — ou mais simplesmente, os “pastores” das
igrejas. Essa ideia é contestada, visto que nas mais de 60 vezes que a palavra angelos
é usada nesse livro dissociada da conexão com as igrejas, ela sempre se
refere a seres sobre-humanos. Swete conclui: “Há, portanto, uma forte
conjectura de que os angeloi ton ecclesion são 'anjos' no sentido que a
palavra tem em outras partes do livro”.124 Charles concorda
plenamente.' Swete também não concorda em identificá-los como “anjos guardiões”
das igrejas. Ele finalmente chega a uma conclusão: “Consequentemente, a única
interpretação que sobra é a que entende que esses anjos são duplicatas ou
contrapartes celestiais das sete Igrejas, que, assim, vêm a ser identificadas
com as próprias Igrejas”.126 Provavelmente, mais aceitável é o ponto
de vista de Erdman de que “anjo” é “o espírito predominante” na igreja, “uma
personificação do caráter, temperamento e conduta da igreja”.127
Parece que um ponto de vista melhor formulado é o de Alfred
Plummer. Ele escreve: “A identificação do anjo de cada igreja com a própria
Igreja é mostrada de uma maneira marcante pelo fato de, embora cada epístola
ser dirigida ao anjo, ainda assim, a estrofe recorrente seja: “ouça o que o
Espírito diz às igrejas”, não “aos anjos das igrejas”. O anjo e a
Igreja são os mesmos sob diferentes aspectos: um no seu caráter espiritual
personificado; o outro, na congregação dos crentes que coletivamente possuem
esse caráter.'
Mas nos perguntamos
se essa interpretação deixa espaço adequado para a distinção entre as estrelas
e os castiçais. Este comentarista é relutante em desistir da visão popular de
que os anjos são os pastores das igrejas — um pensamento grandemente
confortador: eles são guardados nas próprias mãos de Cristo.Índice: Apocalipse 1 Apocalipse 2 Apocalipse 3 Apocalipse 4 Apocalipse 5 Apocalipse 6 Apocalipse 7 Apocalipse 8 Apocalipse 9 Apocalipse 10 Apocalipse 11 Apocalipse 12 Apocalipse 13 Apocalipse 14 Apocalipse 15 Apocalipse 16 Apocalipse 17 Apocalipse 18 Apocalipse 19 Apocalipse 20 Apocalipse 21 Apocalipse 22
Nenhum comentário:
Postar um comentário