Estudo sobre Apocalipse 1:12-16
Estudo sobre Apocalipse 1:12-16
É recomendável que não insiramos a interpretação dos v. 17-20 de antemão no comentário deste trecho. Ainda estamos tratando da parte muda, não interpretada, da visão. Com palavras tateantes João a descreve ora com o vocabulário da aparição do anjo de Dn 10.5,6, ora com palavras da aparição do Filho do Homem em Dn 7.13, e finalmente também com recordações da aparição de Deus em Dn 7.9. Acrescem-se reflexos de Ez 1,9,11,12. Que vê ele, pois? Um anjo, Cristo ou Deus? Certeza plena será obtida unicamente pela voz do Senhor.
Entretanto, apesar de que a figura não falava, não era muda. “Quando eu a vi”, João declara mais tarde, “caí a seus pés como morto” (v. 17). Nesta figura cada detalhe, cada peça de roupa falava. No Oriente a roupa é muito mais uma forma de expressão que entre nós, e o sentido dos orientais pela eloqüência das vestimentas é fortemente desenvolvido. O que alguém usa, isso ele é. É por isso que no nt vestir-se, despir-se, cobrir, estar vestido ou estar nu tem tanta importância (cf. “estar em Cristo”). Em conseqüência, descreve-se peça por peça, para que o leitor observe peça por peça.
12 Voltei-me para ver quem falava comigo e, voltado, vi sete candeeiros de ouro. O resultado não corresponde à intenção do profeta, de que ao voltar-se156 poderia perceber o portador da voz fortíssima. Ao invés disso, ele contempla sete candeeiros dourados. Dificilmente é possível afastar a associação imaginária com o candelabro de sete braços de Êx 25.31-40 (cf. Zc 4.2). Após a destruição de Jerusalém, ele se tornou o símbolo reconhecido em geral do judaísmo e aparece em numerosos alto-relevos, em lâmpadas judaicas, em entalhes de ossos e marfim, em calçamentos de mosaico, em esquifes e em paredes. Contudo, ao mesmo tempo este ponto de referência do at se funde com outro contemporâneo. Arqueólogos escavaram perto de Éfeso gigantescos estandartes de luz (cf. Stauffer, Christus und die Caesaren, pág. 183). É possível que certa vez rodeassem a imagem do imperador em festividades cultuais. Em decorrência, trata-se aqui de sete estandartes de luz isolados, colocados em círculo ou em semicírculo, dos quais conforme Ap 2.5 um podia ser retirado. Contudo, no meio deles não está o imperador. Outra pessoa ocupa o seu lugar e reclama a sua honra:
13 E, no meio dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com vestes talares (“uma longa túnica”). Dificilmente pode-se deixar de notar a reticência com que é retratado aquilo que foi visto (cf. nota 153). “Filho de homem” aqui não é um título, como tantas vezes nos evangelhos, mas a cautelosa tentativa de descrever o personagem com ajuda de Dn 7.13. Ele usa um traje longo esvoaçante, que deixa livre apenas os pés (v. 15). Essa menção poderia fazer lembrar novamente o anjo de Dn 10.5. Contudo, tampouco este constitui um paralelo exato. É escolhido um termo que pode ser usado para o traje oficial do sumo sacerdote (Êx 25.7; 28.4,31; 29.5; Eclesiástico 45.8).157 Do mesmo modo, ao contrário de Dn 10.5, este personagem não está cingido pelos quadris, mas cingido, à altura do peito, com uma cinta de ouro. Assim o esvoaçar das pregas da toga permanece desobstruído, e intensifica-se a impressão de pompa e tranqüilidade. O escritor judaico Flávio Josefo informa sobre o cinto dourado e, de modo geral, sobre a plenitude de outro no traje do sumo sacerdote.158
14, 15 Entretanto, conforme os versículos seguintes, não se trata aqui de um sumo sacerdote em geral, mas, de modo bem destacado, da sua função de juiz: A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os olhos, como chama de fogo. Novamente temos elementos do quadro do juiz divino de Dn 7.9. Segundo essa passagem, o branco é paráfrase de uma natureza de luz celestial. Os olhos, como chama de fogo; os pés, semelhantes ao bronze polido (“incandescente”), como que refinado numa fornalha. Ap 2.18; 19.12 mostram em seus respectivos contextos que os olhos flamejantes e os pés ardentes são elementos da função judicial: trata-se do olhar de juiz que perscruta e consome a tudo com sua luz, bem como do ardor destruidor do Senhor da justiça que deposita seu pé sobre o inimigo vencido. A palavra rara “bronze incandescente”159 deve trazer à memória antes o elemento do fogo que a tonalidade da cor: onde estes pés pisam, restam cinzas.160 Os pés eram postos sobre a nuca de derrotados e culpados! E a voz, como voz de muitas águas. Forma similar possuem as afirmações nas manifestações de Deus em Ez 1.24; 43.2. Em geral é atribuída a Deus uma voz de trovão, porém trovão e tempestade estão imbricados (cf. também Ap 14.2; 19.6). Contra essa voz não há voz da terra que possa impor-se. No seu juízo desfalecem palavras humanas. Ela detém a última palavra e é a única a ter razão.
16 Depois o olhar do vidente cai sobre a direita do juiz e dominador divino. Essa é sua mão de ação, com a qual age e governa. Sobre o que ele governa, e a que se refere seu poder de jurisdição? Tinha na mão direita sete estrelas. O at não oferece paralelos a essas estrelas e seu número de sete. Em contrapartida, era comum naquele tempo falar da constelação das sete estrelas (Ursa Menor ou Ursa Maior), ou agrupavam-se o sol, a lua e cinco planetas. O conceito deve ter sido popular, pois moedas mostram o imperador com as sete estrelas acima de sua mão, i. é, na pose de soberano mundial. De acordo com uma crença muito difundida, os astros eram deuses e dirigiam o destino. Quem as tinha na mão era o maior de todos. Em decorrência, João está vendo, em todo caso, alguém maior que todos. Contudo, o mistério das sete estrelas é desfeito somente no v. 20 (cf. também Ap 2.1).
12 Voltei-me para ver quem falava comigo e, voltado, vi sete candeeiros de ouro. O resultado não corresponde à intenção do profeta, de que ao voltar-se156 poderia perceber o portador da voz fortíssima. Ao invés disso, ele contempla sete candeeiros dourados. Dificilmente é possível afastar a associação imaginária com o candelabro de sete braços de Êx 25.31-40 (cf. Zc 4.2). Após a destruição de Jerusalém, ele se tornou o símbolo reconhecido em geral do judaísmo e aparece em numerosos alto-relevos, em lâmpadas judaicas, em entalhes de ossos e marfim, em calçamentos de mosaico, em esquifes e em paredes. Contudo, ao mesmo tempo este ponto de referência do at se funde com outro contemporâneo. Arqueólogos escavaram perto de Éfeso gigantescos estandartes de luz (cf. Stauffer, Christus und die Caesaren, pág. 183). É possível que certa vez rodeassem a imagem do imperador em festividades cultuais. Em decorrência, trata-se aqui de sete estandartes de luz isolados, colocados em círculo ou em semicírculo, dos quais conforme Ap 2.5 um podia ser retirado. Contudo, no meio deles não está o imperador. Outra pessoa ocupa o seu lugar e reclama a sua honra:
13 E, no meio dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com vestes talares (“uma longa túnica”). Dificilmente pode-se deixar de notar a reticência com que é retratado aquilo que foi visto (cf. nota 153). “Filho de homem” aqui não é um título, como tantas vezes nos evangelhos, mas a cautelosa tentativa de descrever o personagem com ajuda de Dn 7.13. Ele usa um traje longo esvoaçante, que deixa livre apenas os pés (v. 15). Essa menção poderia fazer lembrar novamente o anjo de Dn 10.5. Contudo, tampouco este constitui um paralelo exato. É escolhido um termo que pode ser usado para o traje oficial do sumo sacerdote (Êx 25.7; 28.4,31; 29.5; Eclesiástico 45.8).157 Do mesmo modo, ao contrário de Dn 10.5, este personagem não está cingido pelos quadris, mas cingido, à altura do peito, com uma cinta de ouro. Assim o esvoaçar das pregas da toga permanece desobstruído, e intensifica-se a impressão de pompa e tranqüilidade. O escritor judaico Flávio Josefo informa sobre o cinto dourado e, de modo geral, sobre a plenitude de outro no traje do sumo sacerdote.158
14, 15 Entretanto, conforme os versículos seguintes, não se trata aqui de um sumo sacerdote em geral, mas, de modo bem destacado, da sua função de juiz: A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os olhos, como chama de fogo. Novamente temos elementos do quadro do juiz divino de Dn 7.9. Segundo essa passagem, o branco é paráfrase de uma natureza de luz celestial. Os olhos, como chama de fogo; os pés, semelhantes ao bronze polido (“incandescente”), como que refinado numa fornalha. Ap 2.18; 19.12 mostram em seus respectivos contextos que os olhos flamejantes e os pés ardentes são elementos da função judicial: trata-se do olhar de juiz que perscruta e consome a tudo com sua luz, bem como do ardor destruidor do Senhor da justiça que deposita seu pé sobre o inimigo vencido. A palavra rara “bronze incandescente”159 deve trazer à memória antes o elemento do fogo que a tonalidade da cor: onde estes pés pisam, restam cinzas.160 Os pés eram postos sobre a nuca de derrotados e culpados! E a voz, como voz de muitas águas. Forma similar possuem as afirmações nas manifestações de Deus em Ez 1.24; 43.2. Em geral é atribuída a Deus uma voz de trovão, porém trovão e tempestade estão imbricados (cf. também Ap 14.2; 19.6). Contra essa voz não há voz da terra que possa impor-se. No seu juízo desfalecem palavras humanas. Ela detém a última palavra e é a única a ter razão.
16 Depois o olhar do vidente cai sobre a direita do juiz e dominador divino. Essa é sua mão de ação, com a qual age e governa. Sobre o que ele governa, e a que se refere seu poder de jurisdição? Tinha na mão direita sete estrelas. O at não oferece paralelos a essas estrelas e seu número de sete. Em contrapartida, era comum naquele tempo falar da constelação das sete estrelas (Ursa Menor ou Ursa Maior), ou agrupavam-se o sol, a lua e cinco planetas. O conceito deve ter sido popular, pois moedas mostram o imperador com as sete estrelas acima de sua mão, i. é, na pose de soberano mundial. De acordo com uma crença muito difundida, os astros eram deuses e dirigiam o destino. Quem as tinha na mão era o maior de todos. Em decorrência, João está vendo, em todo caso, alguém maior que todos. Contudo, o mistério das sete estrelas é desfeito somente no v. 20 (cf. também Ap 2.1).
E da boca saía-lhe uma afiada espada de dois gumes. De forma bem genérica, a espada161 pode ser uma figura para palavras mortais (Sl 57.5; Pv 5.4; 12.18). Das palavras da boca de Deus se vive (Mt 4.4), mas elas também podem matar como uma espada (Jr 49.2; Ap 2.12,16; 19.15,21). O adendo da boca alerta para que não nos imaginemos transportados para um campo de batalha, onde a espada é conduzida com a mão, mas sim ao tribunal.162 É lá que se profere a sentença judicial, e precisamente sem contestação (cf. a aplicação em Ap 2.12-17).
Depois que foram descritos, a respeito da figura, no v. 13, o traje, no v. 14 o rosto, o cabelo e o olhar, no v. 15 os pés e a voz, e no v. 16a a mão e a boca, segue-se o resumo: “E seu aspecto (geral) – como brilha o sol em seu poder” (tradução do autor). A comparação com o sol é um antigo símbolo de vitória (Jz 5.31; Mt 13.43). Depois da noite escura, sobe radiante – por volta do sol do meio dia – a vitória final de Deus. – Em conseqüência, João vê no meio dos candeeiros um personagem luminoso.163 Tudo nele brilha e supera ainda a luz dos candeeiros.
O aspecto característico da imagem é o judicial.164 Isso é confirmado pelo desdobramento nos cap. 2 e 3, cuja fonte originária é constituída pela presente visão. Ela fala do olhar do juiz e do pé do juiz (Ap 2.18), da espada do juiz (Ap 2.16), da argüição legal (Ap 3.2), da perscrutação dos corações e rins e da retribuição segundo as obras (Ap 2.23), de derrubar o candeeiro (Ap 2.5), de cuspir (Ap 3.16), de convencer (Ap 3.19) e, no geral, do inquérito judicial, da advertência, exortação, ameaça e recompensa (cf. excurso 1).
Sem dúvida, conforme Ap 3.19, tudo isso acontece por amor. No ponto de vista acima de tudo permanece Ap 1.5: “(Ele) nos ama”. Trata-se de um juízo num tempo pronunciado de graça, e ainda não do juízo final conforme Ap 20.11-14. Contudo, João ainda não pode depreender tudo isso da aparição muda do juiz.
Índice: Apocalipse 1:1-3 Apocalipse 1:4-9 Apocalipse 1:10-11 Apocalipse 1:12-16 Apocalipse 1:17-18 Apocalipse 1:19-20
156 Duas vezes fala-se da virada, sendo assim intensamente enfatizado que a voz é emitida de trás (Ap 1.12).
157 Em Ez 9.2,3,11 um dos anjos do juízo usa essa vestimenta longa como distintivo. Quanto à componente judicial deste trecho, cf. o v. 14.
158 Fazendo referência a 1Macabeus 10.89; 11.58; 14.44, há exegetas que gostam de inserir aqui uma referência ao aspecto de rei. Lá, porém, trata-se de uma presilha dourada, uma insígnia real. Está claro que os cargos do sumo sacerdócio e do rei estavam muito próximos.
159 Ml 4.3. Pisar sobre inimigos derrotados: Sl 59.11,12; 44.5; 60.12; 72.4; 108.13; Is 14.25; 22.5; 25.10; 26.6; 28.3. No nt fica de lado a ilustração cruel do gesto: 1Co 15.27; Hb 2.8.
160Comprovação desta interpretação em J. E. Lange, Die Offenbarung des Johannes, Bielefeld/Leipzig 1871, pág. 75.
161 No grego há dois vocábulos para espada. Na realidade, o presente texto cita a enorme espada dos bárbaros, que era manejada com ambas as mãos. Outra designação era dada à espada curta dos romanos. Hb 4.12 fala da palavra de Deus com a metáfora da espada curta. Lá não se trata de matar, mas de separar e pôr à mostra as vísceras e os ossos, como se fazia com uma faca de sacrifícios. Talvez também se deva pensar numa faca de sacrifícios em Ap 13.14. Contudo, justamente em João os dois vocábulos tornaram-se conceitos amplamente intercambiáveis e muitas vezes não podem mais ser diferenciados, cf. o comentário a Ap 6.8.
162 O Apocalipse conserva rigorosamente essa linha, mesmo quando fala do “guerrear” de Cristo: Ap 2.16; 19.11. Em ambos os casos, “guerrear” é elucidado expressamente pelo aspecto judicial. A guerra não é o método de Cristo. Desde o Calvário não há mais necessidade de lutar pelo senhorio. Ele está firmemente estabelecido. Resistência ainda existente é soberanamente soprada para o lado (2Ts 2.8). Logo que Cristo pisa no campo de luta, a batalha já se encerra (Ap 19.19-21). Contudo, ainda é preciso que o seu direito seja manifesto. Ele proferirá a sentença!
163 O termo grego ópsis que reproduzimos com “aspecto (geral)” é vertido pela maioria dos tradutores para rosto, ou algo similar (p. ex., ra, rc, blh, nvi, bj, teb, bv, vfl, as edições de Lutero, Zurique, Elberfeld, F. Sigg, nt 68, E. Lohse). Quanto à possibilidade apresentada aqui, cf. W. Bauer, Wörterbuch zum NT.
164 Neste trecho muitos gostavam de ver registrado o ministério tríplice de Cristo: rei, sacerdote e profeta. Essa leitura, porém, não segue à condução do texto. Não há nenhum indício direto acerca do rei e do cargo profético. Mas tampouco o sumo sacerdócio é plenamente desenvolvido (expiação), pelo contrário, nos aspectos preferenciais de sua função de juiz. É significativo que o traje e o cinto, que apontam para o sumo sacerdote, não são retomados nas mensagens às igrejas.