Estudo sobre Romanos 9:24-26

Romanos 9:24-26

Paulo volta-se agora aos “vasos de misericórdia” do v. 23. Para ele constituem não só figuras imaginárias, mas algo que existe atualmente. Os quais somos nós, a quem também chamou. Estamos sobre o chão da realidade maravilhosa, a comunidade cristã. Seu surgimento e sua duração foram sentidos no primeiro século como algo extraordinariamente admirável. Todo o livro de Atos dos Apóstolos é carregado dessa admiração. Cumpriu-se a palavra de Jesus acerca das “obras maiores” dos discípulos (Jo 14.12). Tudo acontece pelo vocacionar criador de Deus: Deus “vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rm 4.17). O particípio substantivado “o chamante” tornou-se no NT designação para Deus. Por intermédio da poderosa voz do que ressuscita mortos, formou-se, como de sepulturas, uma comunidade viva (cf Ez 37), não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios. Em ambos os casos havia acontecido um “para fora de” do coletivo atual, do judaísmo ou do paganismo. Este é também o desafio de Pedro em At 2.40: “Salvem-se desta geração corrompida” (NVI).

O que Paulo afirmou foi tão revolucionário para o pensamento da sinagoga que Paulo, a partir de agora, faz falar somente a Escritura. Os v. 25,26 são relacionados com os gentios (como faz, aliás, também 1Pe 2.10) e os v. 27-29 com judeus. A profecia de Os 2.23 e 1.10 é dirigida originalmente ao Israel do século viii a.C. Se Paulo a despe das circunstâncias exteriores do quando e onde, não está desrespeitando o seu sentido. Ao contrário, ele revela com percepção carismática o seu cerne duradouro, a saber, a real e reiterada possibilidade de Deus. Assim como também diz (Deus) em Oseias: Chamarei povo meu ao que não era meu povo; e amada, à que não era amada; e no lugar em que se lhes disse: Vós não sois meu povo, ali mesmo serão chamados filhos do Deus vivo. Troca de nome significa uma mudança de existência que abala seus fundamentos. Deus torna tudo novo. Esse chamar “se fez ouvir por toda a terra” (Rm 10.18 [NVI]) por meio do evangelho, criando de modo novo não apenas judeus, mas também gentios. Esse processo, contudo, não se desviou em nada do plano original de Deus, mas resultou em linha direta da promessa a Abraão, “pai de todos nós” (Rm 4.16). O alvo dela foi desde o começo uma comunidade de povos abençoada (Gn 12.3), um objetivo que o at jamais perdeu de vista.

Atenção especial merece a troca de nome de “Não amada” para “Amada”28. Como “amar” é palavra suplente para “eleger” (cf o exposto sobre Rm 9.13), “não eleitos”, i. é, “rejeitados”, tornam-se, assim, eleitos. A alusão ao cenário inalterado dessa mudança eleva a ideia ao ápice: “no lugar em que se lhes disse…”. Somos lembrados de Rm 5.20. Deus não se retrai para cuidar de casos mais fáceis, mas exatamente ali onde predomina profunda e negra perdição é que a graça de sua eleição deve triunfar.

Abrem-se, pois, novos horizontes para pessoas rejeitadas. Ser rejeitado é uma situação aberta. Rejeitados podem tornar-se eleitos. Essa verdade já foi prefigurada no AT, Paulo é apenas exegeta dela. Mas, inversamente, também ser eleito é uma situação aberta. Eleitos podem tornar-se pessoas rejeitadas, conforme se pode ler em inúmeras passagens do AT. Contudo, também o NT atesta isso, sem excluir os cristãos. Talvez Paulo já tenha compreendido a comparação do oleiro no v. 21 no sentido do modelo de Jr 18.1-12: Antes de começar a trabalhar, o oleiro projeta seu plano, porém tem a liberdade de mudá-lo durante a execução. É equivocada a ideia de que Deus não poderia mais recuar, uma vez que tenha se decidido, e que somente poderia permanecer inativo, observando como tudo transcorre.

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Romanos 9:24-26