Eclesiastes 6 e 7 — Análise Bíblica
Análise Bíblica de Eclesiastes 6 e 7
Nas primeiras duas seções do livro, o Pregador demonstrou claramente que riqueza acumulada, em si ou por si mesma, não traz alegria, pois é uma dádiva de Deus. Agora ele prossegue para atacar o problema colocado pelas desigualdades da providência divina. O Pregador inicia dizendo: Há um mal que vi debaixo do sol e que pesa sobre os homens (6:1). Embora ele tenha concluído o capítulo 5 afirmando que a alegria é um dom de Deus (5:19-20), aqui insiste em que riqueza, honra e família não são necessariamente portadores de felicidade (6:2-3). De fato, um aborto está em melhores condições que uma pessoa que possui todas essas coisas, mas cuja perspectiva na vida é limitada por aquilo que acontece “debaixo do sol” (6:4-6). Alguém que seja pobre, mas sábio, e que esteja satisfeito com aquilo que seus olhos podem ver, está melhor do que aquele para o qual nunca se satisfaz o seu apetite (6:7-9). Os humanos não podem mudar ou questionar aquilo que Deus ordenou (6:10-11). Duas questões são colocadas em 6:12, perguntando sobre quem sabe o que é bom para si e o que acontecerá na terra depois de sua partida. A resposta clara é: “ninguém” — afirmando assim nossa ignorância. Tudo o que sabemos é que quem conhece a Deus está em paz na sua presença (Lc 16:19-31). Se a prosperidade não necessariamente significa o bem para uma pessoa, o que dizer da adversidade? (7:1-14). Usando ditos proverbiais na forma de “x é melhor que y”, o Pregador contrasta morte e nascimento, luto e banquete, mágoa e riso, repreensão e canção, o fim das coisas e seu princípio (7:1-8). A cada citação, aquilo que é mencionado primeiro é tido como melhor que aquilo que vem em segundo lugar. O formato “x é melhor que y” desses ditos proverbiais é semelhante ao usado nos provérbios tigrínios da Eritréia, tais como: Kab hamimka hkmna, tekhena-khinka t‘ena (“Estando doente: medicamento; tomando cuidado: saúde”, significando que é melhor cuidar de si mesmo e desfrutar de saúde que ficar doente e precisar de cuidados médicos. Ou, em outras palavras, “prevenir é melhor que remediar”) . Quando olhamos, contudo, para a mensagem do dito proverbial em 7:1-8, podemos ter dificuldade em reconhecer que as coisas mencionadas primeiro sejam, na realidade, melhores em termos humanos. Somos aconselhados, entretanto, a não fazer perguntas sobre por que nossa vida é pior hoje que no passado, pois não é sábio perguntar assim (7:10). A sabedoria nos capacita a perceber que pode haver benefícios em acontecimentos desagradáveis (7:11-14). De fato, a sabedoria protege como protege o dinheiro; mas o proveito da sabedoria é que ela dá vida ao seu possuidor (7:12). Em 7:13-14, o Pregador vai além, insistindo em que Deus nos dá tanto os tempos bons quanto os tempos de aflição, e que é impossível mudar o que Deus ordenou. Não devemos tentar antecipar o futuro, mas, sim, viver “em estado de constante dependência e confiança em Deus em relação a qualquer coisa que esteja além do presente; o que não seria tanto o caso se houvesse regras evidentes para a distribuição do bem e do mal” (Zuck; cf. tb. 1:15). A razão pela qual Deus não nos dá mais informações não é que ele tenha “uma necessidade infantil de manter os humanos sob controle, negando-lhes a percepção do futuro; ao contrário, é o conceito da graça que dá suporte ao argumento de Qohelet” (ITC). Essa graça permite ao povo de Deus aceitar sua sorte — seja ela prosperidade ou adversidade — sem a necessidade de explicar como as coisas irão, finalmente, resolver-se no futuro. Refletindo sobre a providência de Deus, deve-se não somente considerar a prosperidade exterior das pessoas, mas também o seu caráter (7:15-29). Novamente, referindo-se à sua própria observação da realidade “debaixo do sol”, o Pregador relata aquilo que testemunhou: Há justo que perece na sua justiça, e há perverso que prolonga os seus dias na sua perversidade (7:15). Um exemplo bíblico disso é encontrado no conflito entre Nabote e Jezabel (1Rs 21; cf. tb. ÍRs 18— 19). No entanto, não é fácil entender o conselho dado ao leitor nesse caso (7:16-18). Conquanto seja fácil compreender que ser demasiadamente perverso pode conduzir à morte prematura (7:17; cf. tb. ITm 5:24), como seria possível exagerar a justiça ou ser exageradamente sábio (7:16)? Esse versículo tem sido interpretado de várias maneiras, mas, em vista da discussão precedente sobre a providência de Deus, o autor pode estar referindo-se a uma tentativa superzelosa de impressionar Deus com nossa justiça, a fim de receber suas bênçãos e evitar suas punições. O perigo de tal atitude é demonstrado claramente pelo legalismo dos fariseus no tempo do NT. Como contraste, quem teme a Deus de tudo sai ileso (7:18; a NVI traz: quem teme a Deus evitará ambos os extremos) A necessidade de sabedoria demonstrada em 7:18 é desenvolvida de maneira minuciosa em 7:19-22: ela fortalece ao sábio, mais do que dez poderosos que haja na cidade (7:19); ajuda a pessoa a estar consciente de suas próprias limitações e pecados e, portanto, a ser cautelosa (7:20-22). Os versículos 23-25 mostram que a verdadeira sabedoria não é facilmente acessível. O Pregador pode parecer contraditório ao simultaneamente afirmar: Tudo isto experimentei pela sabedoria e admitir: mas a sabedoria estava longe de mim. O que está longe e muito profundo, quem o achará? (7:23-24). O ponto principal é que a verdadeira sabedoria é, ao mesmo tempo, resultado da procura do homem e da dádiva de Deus (cf. tb. Pv 2:1-6). Tendo mencionado a mulher cujo coração são redes e que é mais amarga que a morte (7:26; cf. tb. as referências à adúltera em Pv 2:16-19; 5:1-14; 6:20-35; 7:1-27; 9:13-18), o Pregador acrescenta que, apesar de a humanidade ter sido criada reta, em mil homens achei um como esperava. Uma pessoa justa e reta é um achado raro (7:27-29; cf. tb. 7:20). Os comentários sobre as mulheres em 7:28 têm gerado “considerável ansiedade em nossos dias, além de algumas interpretações criativas” (NICOT). Eaton resume a interpretação do Pregador como significando que a sabedoria é rara nos homens e ainda mais rara nas mulheres (TOT). Alguns comentaristas insistem em que esse versículo prova que Salomão era um misógino, ao passo que outros negam tal afirmação. Ao ponderar nossa resposta, devemos examinar tudo o que as Escrituras dizem sobre o assunto antes de podermos chegar a qualquer conclusão. No contexto, entretanto, é provavelmente melhor ler esse versículo à luz da declaração de que Deus fez o homem reto (7:29a). No esquema original das coisas (7:25,27), a sabedoria teria sido abundantemente manifestada em ambos, homens e mulheres. Mas a humanidade abandonou o projeto original de Deus e se meteu em muitas astúcias (7:29b). A humanidade decaída é responsável por suas próprias dificuldades.
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