Ezequiel 2 — Comentário Teológico

Ezequiel 2 — Comentário Teológico

As Comissões (2.1-3.27)


A Tarefa é Dada ao Profeta (2.1-7)



Deus falou (Eze. 1.28), e enquanto falava, deu ao profeta o poder necessário para efetuar sua missão (Eze. 2.1-2). Oh, Senhor, concede-nos tal graça! Os vss. 1-7 narram a tarefa confiada ao profeta. Nos capítulos 2-3 encontramos cinco comissões distintas: a) Eze. 2.3-8; b) Eze. 3.4-9; c) Eze. 3.10-11; d) Eze. 3.17-21; e) Eze. 3.24-27. Todas elas foram dadas pelo poder divino e exigiam uma fidelidade excepcional para serem realizadas.

O Modus Operandi. Os capítulos 2-3 têm as comissões distintas. A primeira repete a chamada original; as outras acrescentam detalhes. O Espírito de Deus agiu atrás do profeta. Até Eze. 3.13, as palavras de Yahweh foram proferidas durante a visão introduzida no capitulo 1. Então, o profeta foi dirigido para a companhia dos cativos e lá ficou por sete dias (Eze. 3.14-15). Daí ele foi para uma planície (Eze. 3.22), onde outras visões apareceram (Eze. 3.23). O texto não informa quanto tempo esteve envolvido em todas estas atividades e mudanças de lugar.

2.1
Voz. Este versículo relaciona as circunstâncias com a visão do capítulo 1. O profeta recebeu o impacto da visão e perdeu o controle de suas pernas, que ficaram bambas, caindo no chão. Lá estava ele, tremendo e gemendo e, então, a voz de Yahweh veio do trono (Eze. 1.28), dando-lhe ordens para parar com a cena ridícula e levantar-se do chão. A voz o fortaleceu e continuou com a apresentação da comissão. O profeta recebeu direção e conforto, porque um homem cambaleante não pode efetuar coisa alguma. O poder divino passou a agir no homem-verme, que se transformou. Oh, Senhor, concede-nos tal graça!

Filho do homem. Isto é, um homem mortal e fraco, nascido de mulher, um ser distinto entre as ordens da criação. O termo, em tempos posteriores, tornou-se um titulo messiânico e passou a referir-se ao Messias, a Jesus, ao Cristo. Ver no Dicionário o artigo intitulado Filho do Homem. Esta expressão se repete bastante em Ezequiel, mas não é um termo messiânico aqui. Cf. Eze. 2.8; 3.1,3-4,10,17; 4.1; 5.1. Ver também Núm. 23.19; Jó 25.6; Sal. 8.4; e Dan. 8.17.

2.2
Entrou em mim o Espírito. A Voz foi seguida pelo ato especial do Espirito de Deus, que entrou no homem e o transformou, dando-lhe unção divina. O Pode celestial tomou conta do profeta; sua mente foi radicalmente mudada e elevada; sua mensagem tornou-se poderosa; o divino entrou no humano e fez a diferença entre fracasso e vitória. Sobre a habitação do Espírito no profeta, ver também Eze. 3.12,14,24; 11.1; 5.24; 37.1; 43.5. O escritor deste trecho se esforça para comunicar a seguinte mensagem: Foi Deus quem capacitou aquele homem! Assim, qualquer homem de realização espiritual deve passar pelo mesmo processo de transformação. Cf. Isa. 6.5-7; Dan. 8.18; 10.15-19; Apo. 1.17. O homem humilde tornou-se um leão de Deus. Ele recebeu poderes especiais e coragem que não tinha antes, começou a viver inspirado pelo Poder do Alto e passou a trabalhar mais abundantemente do que todos os outros (I Cor. 15.10).

A Primeira Comissão (2.3-8)

2.3
Eu te envio aos filhos de Israel, às nações rebeldes. O povo quase sempre era rebelde, assim era tradicional enviar profetas para ajudar e instruir tais pessoas, perdidas em sua idolatria-adultério-apostasia. Israel (o norte) já tinha sido eliminado como nação pelo cativeiro assírio. Judá estava prestes a sofrer o mesmo destino. Aquele povo havia transgredido a lei mosaica da forma mais desgraçada, tornando-se perito em todos os tipos de idolatria e abominações sem-fim. Assim, o povo havia quebrado vergonhosamente a lei de Êxo. 20.3-4, um dos Dez Mandamentos. Nenhuma mensagem de profeta algum impressionou aqueles rebeldes; nenhuma ameaça, nem mesmo a da devastação do exército babilônico, causou a mínima impressão na mente dos apóstatas. Eles exigiram que o julgamento de Deus fosse cumprido. Quando o ataque veio, a maioria do povo foi massacrada. O pequeno restante foi levado para a Babilônia. Ver no Dicionário o artigo chamado Cativeiro BabilônicoUma ilustração vívida da operação da Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura foi fornecida para que todas as nações vissem. O restante, na Babilônia, recebeu o ministério de Ezequiel. Ele enfrentou um povo ainda rebelde. Quanto à deportação de Ezequiel, ver II Reis 24.11-15. O cativeiro duraria 70 anos (Jer. 25.11-12), e o povo que voltasse precisaria urgentemente de reformas. As profecias que encontramos em Ezequiel falam do tempo de advertência, antes do cativeiro, e do tempo de instrução, depois desse acontecimento.

Os filhos são de duro semblante e obstinados de coração. O povo se especializou em rebeldia, apostasia, adultério e todos os tipos de abominações imagináveis. Este versículo fala do coração duro e obstinado do povo. Uma lista miserável de adjetivos descreveu a condição daqueles réprobos. Ezequiel foi transformado em um homem de poder e autoridade, para tentar reformar os pecadores. A continuidade da nação de Israel (através da única tribo, Judá) dependia do sucesso do ministério do profeta.

Mas aquele povo era impudente e, literalmente, “duro de rosto”. A expressão se repete em Eze. 3.7. Assim, o rosto do profeta também tinha de endurecer, para que pudesse enfrentar as pessoas. Para vencer os obstinados, o profeta precisava ser obstinado na causa do bem. O coração deles era inflexível no mal, duro como o diamante, por isso eles se rebelaram contra o jugo de Yahweh. Senhor Deus. Isto é, Adonai-Yahweh, o nome divino que Ezequiel empregou mais freqüentemente, ocorrendo 217 vezes neste livro. No restante do Antigo Testamento, ele aparece somente 103 vezes. Ele é o Senhor Eterno Deus, o Soberano Eterno. Ver no Dicionário o artigo denominado Deus, Nomes Bíblicos de.

2.5
Casa rebelde. O hebraico aqui é, literalmente, “casa de rebelião”, um povo cuja característica principal era a rebelião contra a lei de Moisés e todas as direções e instruções que os profetas diversos tinham dado. Seu caso era patético e incurável. A expressão “casa de rebelião” aparece por 11 vezes neste livro, substituindo a expressão comum “casa de Israel”. Aquelas pessoas deixaram de ser príncipes de Deus e tornaram-se rebeldes. Cf. Eze. 2.6,8; 3.9,26-27; 12.2-3,9,25; 17.12; 24.3. Ver a expressão nação rebelde no vs. 3 deste capítulo.

Hão de saber que esteve no meio deles um profeta. Ezequiel era um profeta principal, um homem de poder que tinha sido ungido para cumprir uma missão especial. Independentemente de aqueles rebeldes e apóstatas se arrependerem ou não, todos ficariam conscientes de que um grande homem de Deus havia andado no meio deles. Eles não teriam nenhuma desculpa, porque a luz era tão brilhante quanto poderosa. Mas o povo, cego por sua idolatria-adultério-apostasia, não podia ver a luz dos céus. De qualquer maneira, o povo não poderia alegar inocência. Cf. Eze. 33.53.

As profecias de Ezequiel previram o ataque babilônico, o cativeiro que se seguiria e as condições entre os cativos. Dando instruções e exortações durante o cativeiro, o profeta cumpriu outra missão importante. Uma restauração estava em preparação. Deus nunca abandonou Seu povo, embora, periodicamente, fosse necessário castigá-lo severamente.

Não os temas... ainda que haja sarças e espinhos para contigo. O profeta enfrentaria o povo bravo e violento, totalmente sem consciência, como sarças, espinhos e escorpiões. Seria perigoso estar entre homens dessa espécie. Não o ouviriam humilde e cortesmente, mas responderiam a qualquer repreensão com palavras duras e cortantes. Olhariam para o profeta com rosto impudente, ameaçando-o com ações violentas. Eram assassinos e não hesitariam em matar de novo. O Espírito, naquele dia, o defenderia, ou ele não duraria até o pôr-do-sol.

Estas descrições fornecem um quadro horripilante do caráter dos habitantes de Jerusalém que foram exilados na Babilônia. As catástrofes sofridas em nada contribuíram para modificar o comportamento deles, que haviam esquecido a definição da palavra “arrependimento”, e, obstinados e duros, revelaram-se verdadeiros apóstatas. Cf. II Sam. 23.7; Can. 2.2; Isa. 9.18; Luc. 12.4 e I Ped. 3.14.

A Ordem Divina. A mensagem vinha do alto, não era uma invenção dos homens. Os apóstatas foram o objeto da palavra de fogo. Eles podiam reagir favorável ou negativamente, mas não escapariam do teste. Às vezes, o sucesso em uma missão é alcançado através da tentativa, sem ter sido cumprido o ideal, Ezequiel nunca mostrou receio nem favoreceu alguém por causa de sua posição, dinheiro ou poder. A tentativa de corrigir a apostasia de Judá já seria o seu sucesso. Mas eu digo: Oh, Senhor, poupe-nos desse tipo de sucesso. O pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar. (Romanos 8.7)

Para aquele que vence o inimigo,
Vestimentas brancas serão dadas.
Ante os anjos, ouvirá seu nome
Confessado nos céus.
(John H. Yates)

A Mensagem para o Trabalho (2.8 - 3.11)
O Comer do Rolo (2.8 - 3.3)
A divisão entre os capítulos 2 e 3 é infeliz, porque o parágrafo não deve ser dividido ao meio. O comer do rolo pertence à primeira comissão. O profeta recebeu a palavra de Yahweh de maneira dramática (Eze. 2.8-3.3J e tinha a responsabilidade de entregá-la (Eze. 3.4-11). O rolo que o profeta comeu continha palavras escritas na frente e no verso do pergaminho. Palavras de lamentação e tristeza dominavam a mensagem, porque julgamentos severos seriam executados contra o povo da idolatria-adultério-apostasia. Cf. com o rolo de Zac. 5.1-4 e de Apo. 10.8-11, cujo texto sem dúvida é dependente de sua contraparte no livro de Ezequiel. Normalmente, as mensagens eram escritas em um lado só, mas os pergaminhos e papiros eram preciosos e, às vezes, para poupar espaço, os dois lados eram utilizados. O rolo produzido pelo profeta tornou-se um documento (divinamente) legal, uma acusação formal contra o povo reprovado. E também autenticou o ofício do profeta, porque a realização das ameaças seria a prova da origem divina da mensagem.

A Mensagem Global do Profeta. A mensagem aplicava-se ao povo, antes da deportação para a Babilônia, e também ao pequeno restante do povo que ficou cativo. Ezequiel acompanhou a primeira das três deportações. Ver a exposição em Jer. 52.28, onde é ilustrado o assunto das deportações múltiplas. Ver Eze. 3.21-22, de cuja deportação o profeta participou.

2.8
Abre a boca e come. O profeta recebeu ordem de comer o rolo e obedeceu à palavra de Yahweh, em contraste com o povo rebelde. De maneira dramática, ele comeu e assimilou o documento. Tendo feito isso, estava preparado para entregar a mensagem que passara a fazer parte de seu próprio ser. As Ordens. Tome; leia; coma; assimile; fale. Estas foram as palavras de Yahweh. O profeta era o instrumento de comunicação, não o inventor daquilo que estava escrito. O ato de comer (ou receber intimamente), para ter a capacidade de entender e comunicar efetivamente, era figura comum no Oriente. Ver Jer. 15.16 e João 6.33-58.

2.9
Certa mão se estendeu para mim. A mão que entregou o pergaminho para o profeta saiu do nada. A mesma mão colocou o rolo na boca do profeta, porque a boca seria o instrumento para entregar os oráculos. Yahweh obviamente era a fonte da mensagem. Em Apo. 10.8-9, é um anjo que faz o serviço. Nela se achava o rolo de um livro. O rolo era uma tira de papiro ou pergaminho enrolada em um bastão de forma cilíndrica, que facilitava seu uso; mas o material ali contido era uma longa fila de linhas escritas, de complicado manuseio e cujos trechos não eram fáceis de encontrar. Por isso, foi inventado o códex, o precursor do livro, com folhas soltas e presas por um lado. A palavra volume vem do latim, volumen, “movimento giratório, rolo”.

2.10
O Livro Aberto. O rolo foi aberto para permitir que o profeta lesse seu conteú­do. Ele leu o material rapidamente e de imediato notou que estava cheio de lamentações, gritos de dor e trevas. Normalmente, os rolos eram escritos somente no lado da frente, mas este continha mensagens em ambos os lados. Então, ficou claro para ele o significado daquelas mensagens: a Babilônia iria massacrar Judá, e um pequeno número de pessoas terminaria cativo naquele lugar miserável. O profeta tinha seu ministério essencialmente entre os cativos na Babilônia. Ver na introdução ao livro de Isaías o gráfico que lista os profetas de Israel e Judá, dando datas e esferas de atividades.