Quem é o Anticristo?
1.
Referências nas Escrituras. Há somente quatro referências específicas ao
anticristo nas Escrituras, todas nas epístolas de João (l Jo 2.18,22; 4.3; 2Jo
7). A primeira referência, em 1 João 2.18 estabelece a norma da doutrina:
“Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também,
agora, muitos anticristos têm surgido; pelo que conhecemos que é a última hora”.
João parece antecipar a chegada de um indivíduo que é especificamente o
anticristo, um notório oponente de Jesus Cristo. Ele declara que este foi
antecipado por “muitos anticristos” que já vieram. Este fato é apresentado como
prova de que eles estavam se aproximando da “última hora”. Outra passagem
define o anticristo como “aquele que nega que Jesus é o Cristo”. Tal pessoa também
“nega o Pai e o Filho” (1 João 2.22). De acordo com a definição de João,
anticristo é todo aquele que nega que Jesus é Deus e Cristo. Em 1 João 4.3 há
uma referência ao “espírito do anticristo”, o qual é novamente descrito como
vindo no futuro e que também “já está no mundo”. Nesta passagem, o anticristo
também é definido como aquele que nega a divindade de Jesus Cristo. Em 2 João 7,
há uma referência mais específica à rejeição contemporânea de Cristo por parte daqueles
que negam a realidade da encarnação: “Muitos enganadores têm saído pelo mundo
afora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador
e o anticristo”. João está antecipando o Docetismo, o conceito de que Cristo
apenas pareceu se manifestar na carne, mas não se encarnou de fato. A partir
destas quatro passagens, fica claro que o anticristo, segundo a definição de
João, é principalmente um conceito teológico relacionado com a rejeição de
Cristo ou conceitos heréticos concernentes à sua pessoa.
2.
Extensão da aplicação. Conforme o emprego na teologia e na história da
doutrina, o anticristo tem sido aplicado mais amplamente do que o uso restrito
nas epístolas de João. Tal aplicação, em primeiro lugar, procede da ideia de um
futuro anticristo baseada em 1 João 2.18, “ouvistes que vem o anticristo”.
Conclui-se, com base nesta referência, que embora houvessem oponentes de Cristo
contemporâneos, que negavam sua divindade e sua verdadeira humanidade, essas
forças de oposição finalmente se concentrariam em uma pessoa, como visto nas
interpretações futuristas das profecias. Uma aplicação ainda mais ampla tem
sido feita em relação a todos os movimentos de oposição a Deus nas Escrituras,
incluindo muitas referências a Belial no AT e a qualquer pessoa ou movimento
blasfemo na história ou nas profecias. Assim, de acordo com o uso teológico,
anticristo é um termo abrangente que cobre pessoas ou movimentos contrários a
Deus, em contraste com o uso mais restrito nas epístolas de João.
3.
Identificações históricas. Há um número quase ilimitado de identificações do
anticristo com personagens históricos. Entre os mais proeminentes encontram-se
Maomé, fundador da fé islâmica; Calígula, imperador romano que reivindicava ser
Deus; e Nero, um candidato popular ao título devido ao incêndio que provocou em
Roma e à perseguição contra judeus e cristãos. Podemos acrescentar ainda quase
todos os governantes proeminentes do passado, inclusive personagens mais
modernos tais como Napoleão e Mussolini. Em todas essas identificações
históricas, há poucas evidências de que eram anticristãos, mas a variedade de
reivindicações coloca o conceito do anticristo numa considerável confusão.
4.
Profecias do Antigo Testamento. A única escola hermenêutica capaz de
criar uma interpretação consistente do conceito do anticristo tem sido a escola
futurista de profecia. Ela é sustentada pelas profecias que ligam a destruição do
anticristo à Segunda Vinda de Cristo. Embora reconhecendo os movimentos e
indivíduos anticristos do passado e do presente, como um sistema de
interpretação ela considera o conceito do anticristo como culminando numa
pessoa que é o anticristo supremo, e que é a contrapartida satânica de Cristo.
Embora seja possível uma grande variedade de interpretações na tentativa de se
identificar as características e o lugar onde tal pessoa aparecerá no futuro,
muitas passagens bíblicas parecem dar uma grande contribuição. Nas profecias de
Daniel 7, onde quatro impérios mundiais são descritos como quatro animais, aqueles
que identificam o quarto animal como o Império Romano, encontrarão no último
governante mencionado — o décimo primeiro chifre ou o chifre pequeno — um
retrato do anticristo. Na interpretação que Daniel deu ao sonho, este indivíduo
é descrito assim: “Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do
Altíssimo” (7.25). Ele é descrito como governante até que seu governo seja
substituído pelo “reino eterno” que “será dado ao povo dos santos do Altíssimo” (7.27). Nesta descrição ele é feito
o último grande governante do mundo e aquele que se opõe a Cristo. Em Daniel11.36-45 outro rei é introduzido e identificado por alguns como a mesma
personagem retratada pelo chifre pequeno no cap. 7. Ele é descrito como um
governante absoluto: “Este rei fará segundo a sua vontade” e como alguém que
reivindica ser Deus, “se levantará, e se engrandecerá sobre todo deus” (11.36).
Na descrição subsequente, ele é retratado como estando contra todos os deuses
do passado e como um materialista que "honrará o deus das fortalezas; a um
deus que seus pais não conheceram, honrará com ouro, com prata, com pedras
preciosas e coisas agradáveis” (11.38). Os desafios a seu governo são
mencionados em 11.40-44, aparentemente referindo-se à grande guerra final. Como
o pequeno chifre (cap. 7), ele blasfema, opõe-se a Deus, sendo assim um anticristo,
e parece que será o último governante antes do retomo de Cristo e a
Ressurreição (cp. 12.1-3). Um conceito alternativo é que ele é uma personagem
menos importante, um governante menor da Palestina no tempo do fim, um conceito
de certa forma contestado pelas afirmações sobre sua supremacia política ou
religiosa. Alguns também interpretam o “pequeno chifre” (8.9) como o futuro
anticristo, embora mais provavelmente seja Antíoco Epifânio, um rei da Síria (175-164
a.C.).
5.
Profecias do Novo Testamento. No NT, Jesus fez referências aos falsos
cristos que se levantarão no tempo do fim (Mateus 24.24). Em adição, Cristo
referiu-se muitas vezes a Satanás como inimigo de Deus, sendo, em certo
sentido, o anticristo. Isso é visto na tentação de Cristo pelo Diabo (Mt 4.1
-11; Lc 4.1 -13). Também na parábola do trigo e do joio, Cristo identifica o
semeador do joio como sendo o diabo (Mt 13.37-39). No entanto, Cristo parece
ter antecipado que haveria um cumprimento específico do conceito do anticristo
numa pessoa, quando declarou: “Ai vem o príncipe do mundo” (João 14.30).
Semelhantemente, ele disse: “Eu vim em nome de meu Pai, e não me recebeis; se
outro vier em seu próprio nome, certamente, o recebereis” (5.43).
Paulo nunca usou o termo “anticristo” em suas epístolas, mas desenvolve o conceito daqueles que se opõem a Deus ou a Cristo. Ele se refere a Belial na pergunta: “Que acordo há entre Cristo e Belial?” (2 Co 6.15). O principal discurso de Paulo sobre este conceito encontra-se em 2 Tessalonicenses 2.1-12. Ao discutir sobre o futuro dia do Senhor, ele afirma “Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniquidade, o filho da perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus” (2.3,4). Ele prediz: “então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda” (2.8). Devido à similaridade entre as atividades e a condenação dessa pessoa na Segunda Vinda de Cristo, muitos intérpretes futuristas a identificam com o pequeno chifre de Daniel 7 e com o rei de Daniel 11.36. A passagem mais impressionante do NT relacionada ao anticristo é a descrição das duas bestas em Apocalipse 13, uma delas surgindo do mar (13.1-10) e a outra se elevando da terra (13.11-18). Há várias interpretações, mas em geral a primeira besta é identificada pelos futuristas como o último governante do mundo antes da Segunda Vinda de Cristo, e a segunda besta é considerada um líder religioso trabalhando sob a autoridade política. Dada a similaridade entre a primeira besta que tem dez chifres e sete cabeças e o chifre pequeno de Daniel 7.8, muitos identificam esta personagem e seu governo com o anticristo. Outros, considerando Cristo do ponto vista religioso, e não como uma autoridade suprema, identificam a segunda besta como o anticristo. Obviamente ambas são anticristo em espírito. Um dos problemas de interpretação relacionados ao anticristo é a referência ao “número do seu nome” (Ap 13.17). A passagem continua: “Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis” (13.18). Muitas explicações têm sido oferecidas para resolver o enigma desta afirmação, usando-se as letras equivalentes aos números em grego, hebraico e em latim. Uma explicação comum é que se refere a César Nero, o qual, com as terminações hebraicas que João usa em outros nomes próprios em Apocalipse, seria pronunciado Kaisar Neron. Estas letras, eliminando-se as vogais irrelevantes, têm um valor numérico de 666 (k=100, s=60, r=200, n=50, r=200, o=6 e n=50). Explicações similares, usando letras gregas, fazem alusão a Calígula. No entanto, tomando-se como um todo, a melhor explicação parece aquela que afirma que o triplo 6 refere-se ao homem, visto que o 6 é o que mais se aproxima do 7, o número da perfeição. Nas Escrituras, o homem trabalha seis dias e descansa no sétimo. A imagem de Nabucodonosor tinha 60 côvados de altura e seis côvados de largura. Então, a implicação seria que o anticristo, embora grande em poder e influência, é apenas um homem que no final será julgado por Cristo, que é Deus.
6. O
anticristo é judeu?
Uma complicação na interpretação futurista é a tentativa de provar que a
primeira besta ou a segunda é de origem judaica, com base na declaração de
Daniel 11.37 (algumas versões dizem “Deus de seus pais”). O argumento é que
esta pessoa enganará os judeus apresentando-se como seu Messias, e não poderia fazer
isso sem ser judeu. No entanto, tal argumento carece de evidências. A palavra
“Deus” em Daniel 11.37 é elohim, um
nome genérico, não específico como Yahweh, o Deas de Israel. Também é
questionável se o último governante mundial, obviamente o último numa longa
linhagem de governantes gentios, seria um judeu. A segunda besta de Apocalipse 13.11-18 também representa uma religião mundial que não é predominantemente judaica,
de onde se chega à conclusão de que essas personagens são anticristo no sentido
de se oporem a Cristo, não no sentido de serem pseudocristos. A interpretação
futurista de Apocalipse, porém, apoia o conceito de que o governante final do
mundo será um substituto satânico de Cristo, que reivindicará ser Deus e que
tentará desempenhar o papel de Rei dos reis, Senhor dos senhores e Príncipe da
paz. Ambos os indivíduos representados pelas bestas de Apocalipse 13, serão
lançados no lago de fogo, na Segunda Vinda de Cristo (Ap 19.20).
7. O
anticristo nos escritos apocalípticos e patrísticos. Alusões ao
conceito do anticristo, encontradas nos escritos apocalípticos, são de natureza
tão geral e sujeitas a uma variedade tão grande de interpretações, que
contribuem muito pouco para a compreensão da doutrina. Os antigos Pais da
Igreja raramente referiram-se a este conceito, exceto no caso de Policarpo que cita
2 João 7, identificando-o com o Docetismo. A noção de que Nero devia
ressuscitar para ser o anticristo foi proposta por volta do terceiro século,
por comodiano. Na Idade Média a moda era identificar o anticristo com Maomé e
ocasionalmente com outros líderes conhecidos. Com o surgimento do movimento
Protestante, católicos romanos e protestantes passaram a se acusar mutuamente
de anticristo. Os protestantes em especial achavam que as bestas de Apocalipse
e o iníquo de 2 Tessalonicenses 2.8,9 eram referências ao catolicismo romano. No
século 20, o conceito de anticristo é discutido principalmente pelos
intérpretes bíblicos conservadores, que antecipam o futuro cumprimento das
predições sobre o anticristo no final dos tempos, antes da Segunda Vinda de
Cristo. A parte dessas discussões bíblicas, o conceito do anticristo não tem
atraído muita atenção nos nossos dias.
8. Conclusão. Tomando as
referências bíblicas como um todo, podemos concluir que, embora o conceito do
anticristo possa ser aplicado a muitas pessoas e movimentos antagônicos a Deus
do passado e do futuro, há uma justificativa razoável para se esperar que
culmine numa única pessoa, que será o anticristo. e que será destruída por
Cristo na sua Segunda Vinda. Esta pessoa será o anticristo em termos
teológicos, por afirmar ser o próprio Deus; será o anticristo em termos
políticos, pois tentará governar o mundo. Será o anticristo em termos
satânicos, porque prosperará por meio do poder de Satanás, da mesma forma que
Cristo manifestou o poder de Deus. Em muitos aspectos o futuro anticristo será
para Satanás o que Cristo é para o Deus Pai; o falso profeta de Apocalipse 13.11-18
desempenhará um papel similar ao do Espírito Santo, justificando o conceito de
uma trindade profana composta por Satanás, o anticristo e o falso profeta.
BIBLIOGRAFIA. S. J. Andrews, Christianity
and Anti-Christianity in Their Final Conflict (1898); Sir R. Anderson, The Coming Prince (1915); J. D. Pentecost, Things to Come (1961), pp. 337-339;
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Christ (1966), pp. 197-212.